O
NÉCTAR DAS PALAVRAS
DE
SRI
RAMAKRISHNA
(Sri
Sri Ramakrishna Kathamrita)
por
seu discípulo “M”
(Mahendranath Gupta)
DIÁLOGO
1*
MESTRE
E DISCÍPULO: FEVEREIRO-MARÇO DE 1882
PRIMEIRO
ENCONTRO
21
O templo de Kali em Dakshineswar, às margens do Ganges, na primavera,
alguns dias após a festa de aniversário do Mestre2,
e o passeio de barco do Mestre no Ganges, na quinta-feira, 23 de fevereiro, na
companhia de Keshob Shen3
e do Sr. Joseph Cook4.
É o fim da tarde. M5
acaba de entrar pela primeira vez no quarto do Mestre. O cômodo está cheio de
pessoas silenciosas, sentadas no chão, bebendo suas palavras. O Mestre está
sentado numa cama de madeira virada para o leste6;
seu rosto está sorridente e ele fala de Deus.
M
fica de pé, estupefato7.
Tem a impressão de encontrar-se na confluência de todos os lugares santos,
diante de Shukadeva8
em pessoa explicando o Bhagavata, ou em Puri quando Chaitanya9,
com Ramananda, Svarupa e os outros, levava
todos os devotos (bhaktas) para cantar o nome do Senhor.
O
Mestre dizia: “Aquele que estremece e chora só de pronunciar o nome de Hari
ou de Rama não tem mais nada a ver com o culto e o ritual. Ele não precisa
mais disso. Os ritos caem por si mesmos. Basta-lhe então repetir o nome de Hari
ou de Rama, ou só a sílaba OM”. Depois ele acrescenta: “Pouco a pouco o
culto se reduz ao Gayatri10
e finalmente este se reduz ao OM apenas”.
M
chegou aqui por acaso, visitando com seu sobrinho Shidhu cada um dos parques das
grandes propriedades de Boranogor11.
Hoje é domingo, 26 de fevereiro de 1882; eles aproveitaram esse dia de feriado
para passear. Encontravam-se no parque do Sr. Proshonno Bannerji quando Shidhu
disse: “Existe mais um jardim encantador à beira do Ganges. Você quer visitá-lo?
Um paramahamsa12
mora lá”.
M
e Shidhu entraram no templo pela porta principal, e foram diretamente para o
quarto do Mestre. Agora M olha em silêncio, com a máxima atenção; ele pensa
“Ah, como esse lugar é agradável, como esse homem é agradável, como o que
ele diz é agradável! A gente não tem mais vontade de ir embora!” Mas um
momento depois diz consigo mesmo: “Vamos primeiro visitar o lugar, depois
voltaremos para nos sentar aqui”.
Quando
saem, o culto vespertino começa: gongos e sininhos, címbalos e conchas soam
juntos e ouve-se a música da torre dos concertos no extremo sul do parque. Os
sons se misturam, vagueiam ao longe sobre o Ganges, levados com o perfume das
flores pela brisa leve da primavera. A lua sobe no céu. A natureza inteira
parece oferecer ao Senhor o sacrifício noturno. Balançam-se as luzes diante
dos deuses nos doze pequenos templos de Shiva, no templo de Radha e Krishna, e o
da Mãe protetora do universo, e M sente uma grande alegria em olhá-los. Shidhu
lhe diz: “Aqui é a fundação de Rani Rashmoni, o culto é celebrado
perpetuamente, e os sadhus e mendigos recebem alimento”.
Saem
do templo de Kali e conversando atravessam diagonalmente o grande pátio
retangular calçado de tijolos, para voltar ao quarto do Mestre. Mas acabam de
queimar incenso ali e as portas estão fechadas. Como M foi educado à inglesa,
pára, e vendo Brinde, a criada do templo, de pé perto da entrada,
pergunta-lhe:
M
— Por favor, o sadhu está?
B
— Está, no seu quarto.
M
— Há quanto tempo ele vive aqui?
B
— Oh, há muito tempo!
M
— Ele lê muitos livros?
B
— Livros! Ah, não, ele sabe todos na ponta da língua!
M
terminara seus estudos recentemente e surpreende-o muito o fato de que o Mestre
não leia livros.
M
— Podemos entrar? Talvez ele esteja ocupado com o culto vespertino. Você pode
nos anunciar?
B
— Mas não precisa, meus filhos! Vamos! Entrem e sentem-se!
Então
eles entram no quarto. Sri Ramakrishna13
está sentado na cama e não há mais ninguém. Acabam de queimar incenso e
todas as portas estão fechadas. Ao entrar, M saúda o Mestre com as mãos
juntas. A convite do Mestre, sentam-se ambos no chão. Ele lhes faz perguntas:
de onde é sua família, qual é sua profissão, o que vocês vieram fazer aqui
em Boranogor? M responde tudo, mas percebe que a mente do Mestre está longe.
Mais tarde lhe explicarão que se trata de um estado extático (bhava).
Sua mente está concentrada como a de um pescador com a vara de pesca espiando o
peixe, atento ao movimento da rolha, sem ouvir quando falam com ele. Mais tarde
M ficará sabendo que isso é habitual: o Mestre fica absorto assim com a
chegada da noite, ao ponto de às vezes perder a consciência do mundo exterior.
M
— Talvez nós o estejamos perturbando? O senhor ia celebrar o culto
vespertino?
SR
(parecendo ausente) — Não. O culto vespertino? Não, de modo algum.
Porém,
eles não têm mais nada para dizer um ao outro. Depois de algumas frases mais,
M saúda o Mestre e se despede. Então o Mestre diz: “Voltem para me
visitar”.
No
caminho, M pensa: “Que homem gentil e agradável! Acabo de deixá-lo e já
quero vê-lo de novo. Será que é possível alcançar a grandeza sem ler
livros? É impressionante o quanto eu quero voltar lá. Ele mesmo nos disse
“Voltem para me visitar”. Irei cedo dessa vez, amanhã ou depois de amanhã14”.
SEGUNDO
ENCONTRO
3
De fato, M voltou cedo, por volta das oito horas da manhã. O Mestre está
sendo barbeado. Como está um pouco frio, ele se agasalhou com um xale de
beirada vermelha. Ao ver M, diz: “Você voltou? Muito bem! Sente-se aí”.
Essa
conversa acontece na varanda a sudeste do quarto. O Mestre, sentado, troca de
vez em quando algumas frases com M enquanto o barbeiro lhe faz a barba. Seu
corpo está envolto no xale e ele usa chinelos15.
Seu rosto está sorridente e ele gagueja levemente.
SR
— Bom, de onde é sua família?
M
— De Calcutá, senhor16
.
SR
— E o que você está fazendo aqui?
M
— Moro com minha irmã mais velha, senhor, na casa do Dr. Ishan.
SR
— Ah! Na casa de Ishan! Escute, você sabe como está o Keshob? Me*
disseram que ele estava muito doente.
M
— Eu também ouvi falar, senhor, mas creio que está melhor.
SR
— Ofereci castanha de coco verde com açúcar para a Mãe, para ele ficar bom.
De noite eu ficava chorando diante da Mãe: “Por favor, Mãe, cure o Keshob!
Se ele desaparecer, não vou ter mais ninguém com quem conversar em Calcutá”.
Por isso ofereci castanha de coco e açúcar. Bom, e Cook Saheb? Ele fez conferências.
Keshob me levou para passear de barco e Cook Saheb estava lá.
M
— Fiquei sabendo alguma coisa, mas não fui ouvi-lo. Não sei do que ele ia
falar.
SR
— Chegou o irmão de Protap17.
Ele está aqui faz pouquinho tempo. Está sem trabalho, e pôs na cabeça que
vai morar comigo. Me falaram que deixou sua família na casa do sogro. Ele tem
uma récua de filhos. Eu lhe dei uma bronca: escute, os vizinhos não são
obrigados a alimentar e educar seus filhos. Você não tem vergonha de que os
outros os alimentem e seu sogro tome conta deles? Fiquei muito zangado e
mandei-o procurar trabalho. Finalmente ele aceitou ir embora.
4
SR — E você, é casado?
M
— Sim, senhor.
SR
(aterrorizado) — Ai, ai, ai, Ramlal18,
ele é casado!
M
baixa a cabeça e se cala. Vê-se como que culpado de um crime horrível, e se
pergunta por que é tão ruim ser casado. O Mestre faz outra pergunta:
SR
— E você tem filhos?
O
coração de M bate no peito; ele responde temeroso: “Sim, senhor”. O Mestre
diz com tristeza: “Ah, filhos também”. Depois de levar essa reprimenda, M
fica em silêncio. Sua vaidade levou um golpe.
O
Mestre se cala um instante, depois olha gentilmente para M e diz: “Escute, há
boas coisas em você; eu sei ver o que há nas pessoas, conforme sua testa, seu
olhar. Bom, qual é a influência da sua esposa? Luminosa ou escura19?
M
— Ela é muito boa, mas sem instrução.
SR(irritado)
— E você, você se acha instruído20?
M
nunca havia aprendido o que significa ser instruído. Até então pensava que se
tratava de estudar e ler livros, mas logo essa idéia lhe será tirada, e ele
compreenderá que ser instruído é conhecer Deus, ser ignorante é não conhecê-Lo.
Quando o Mestre perguntou “Você se acha instruído?”, bateu de cheio
novamente na vaidade de M.
SR
— Bom, qual fé você prefere: Deus com ou sem forma?
M
pensou: “Será uma questão de preferência? Se Deus tem uma forma, então é
um erro acreditar em Deus sem forma, e se Ele é sem forma é um erro acreditar
em Deus com forma; uma coisa e seu contrário não podem ser ambas verdadeiras,
seria tão absurdo quanto leite preto!”
M
— De preferência sem forma, senhor, gosto mais.
SR
— Bom! É preciso agarrar-se firmemente numa fé. Deus sem forma, é ótimo!
Mas não vá pensar que é a única verdade e que todo o resto é falso. Saiba
que Deus é sem forma, e que pode também ter forma. Você acredita numa coisa,
mas as pessoas têm o direito de acreditar em outra.
Novamente
ouvindo falar de várias verdade, M não sabe o que responder. Não leu nada
assim em seus livros! Seu orgulho recebeu outro golpe, mas ainda não está
completamente esmagado. Por isso, prepara-se para discutir um pouco.
M
— Bom, admitamos que Ele tenha uma forma: mesmo assim, o senhor não está
querendo falar de uma forma de barro?
SR
— Por que de barro? Ela é feita de espírito!
M
não compreende, e diz: “Ouça, de qualquer modo é preciso explicar para
aquele que adora uma imagem de barro que aquela imagem não é Deus, e a adoração
que ele oferece à imagem deve ser relacionada com Deus! Não se deve adorar
terra!”
SR
(irritado) — Essa gente de Calcutá é assim mesmo! Dando conferências para
os outros para lhes explicar o que eles precisam pensar! Reflitam um pouco sobre
si mesmos. Quem são vocês para explicar? Só Aquele a quem pertence o universo
é capaz disso. Ele fez o mundo, a lua, o sol, as estações, o homem, os
animais. Previu seu alimento, um pai e uma mãe para protegê-los. Pôs nos pais
o amor por seus filhos. Só Ele sabe o que é preciso explicar. Vocês acham que
Ele pensou em tudo, menos isso? Se houver necessidade de explicação, Ele se
encarregará disso. É Ele o nosso guia interior. Mesmo que haja algo errado na
adoração de uma imagem de barro, será que Ele não sabe que esse culto se
dirige a Ele? Ele fica satisfeito com esse culto da forma como é feito. Por que
você fica quebrando a cabeça? É melhor você tratar de adquirir um pouco de
conhecimento e de amor a Deus!
M
sentiu sua vaidade definitivamente esmagada. Pensou: “Ele realmente tem razão.
O que me deu na cabeça para dar lição aos outros? O que sei eu de Deus? Será
que eu amo Deus? Como diz o provérbio: “Ele não tem lugar para se deitar e
oferece sua cama aos amigos”. Ensinar aos outros o que a gente mesma não
compreende não é nem honesto nem inteligente. Afinal de contas, não se trata
de matemática, de literatura ou de história, mas do conhecimento de Deus. O
que ele está dizendo me agrada totalmente!”
Foi
essa a primeira e a última vez que M discutiu com o Mestre.
SR
— Você diz “imagem de barro”. Se uma pessoa adora o barro, deve haver um
motivo. Deus previu Ele mesmo todas essas formas de adoração. O mundo é dEle,
Ele é o mestre da diversidade. Previu para cada um a forma de adoração de que
cada um é capaz. Como uma mãe de cinco filhos que traz um peixe do mercado e o
prepara de diversas maneiras: com arroz para esse, frito para aquele, com molho
picante, refogado. Conforme agrada a cada um. Aquilo que o estômago de cada um
pode digerir. Certo?
5
M
disse humildemente: “Sim, senhor”. Depois perguntou: “Como voltar a mente
para Deus?”
SR
— Cantar sem parar o louvor de Seu Nome, e procurar a companhia dos santos.
Visitar sempre os devotos de Deus e os sadhus. Se ficarmos dia e noite no
mundo, no meio do trabalho e das preocupações, não conseguiremos voltar nossa
mente para Deus. É indispensável retirar-se sozinho de vez em quando, para
pensar em Deus. Se não aproveitarmos todas as oportunidades de ficar em solidão,
será muito difícil levar a mente a Deus. Se você plantar uma árvore jovem,
você precisará colocar uma cerca ao redor dela, senão as cabras e as vacas a
comerão.
É
necessário meditar, na floresta, num canto sossegado, ou retirando-se apenas
mentalmente — e praticar sem cessar o discernimento entre o bem e o mal, o
real e o irreal. Deus é real, já que não morre. O mundo é irreal, já que
morre. Analisando as coisas assim, renunciamos pouco a pouco ao que é irreal.
M
(humildemente) — E que atitude devemos manter em relação ao mundo21?
SR
— Fazer o que você tem de fazer, mas com a mente fixada em Deus. Esposa,
filhos, pai e mãe, aceitá-los e cuidar deles como se fossem realmente seus,
mas sabendo que na verdade eles não lhe pertencem. Uma empregada em casa de
ricos faz seu trabalho, mas sua mente permanece voltada para sua própria casa.
Ela cria os filhos do patrão como se fossem os seus, fala deles dizendo “meu
Hari, meu Rama”, mas sabe muito bem que não são seus filhos. A tartaruga da
água parece nadar sem rumo, mas você sabe no que ela pensa? No banco de areia
onde botou seus ovos. É preciso trabalhar no mundo com a mente voltada para
Deus.
Se
você se jogar no mundo sem possuir o amor de Deus, você vai ficar preso na
rede dos perigos, do tédio, da dor, da impaciência. E quanto mais tudo isso
aumenta, mais ficamos presos. Antes de abrir uma jaca, precisamos esfregar óleo
nas mãos. Senão, ficarão coladas com o suco pegajoso. O óleo que impedirá
que você fique colado pelo mundo é o amor a Deus.
Mas
para obter esse amor, você precisa de solidão. Para fazer manteiga, você
primeiro deve deixar o leite descansar tranqüilamente; se você o agita, o
creme não se separa. Depois, você pára seus outros trabalhos e bate o creme.
É assim que se faz manteiga.
Na
solidão, a mente pode pensar em Deus, adquirir conhecimento, devoção, renúncia.
Ao cair no mundo a mente se degrada. No mundo só se pensa em sexo e dinheiro22.
O
mundo é como a água, a mente como o leite. Se você despeja a água no leite,
eles se misturam e você não pode mais reencontrar o leite puro. Mas a manteiga
depois de batida não se mistura mais com a água, ela flutua por cima. Por
isso, primeiro é preciso bater a manteiga, praticando uma disciplina na solidão.
Depois ficamos tranqüilos: a manteiga flutua sobre a água sem se misturar.
E
o discernimento: só Deus é real, o sexo e o dinheiro são irreais. O que lhe
traz o dinheiro? Pão, sim, lentilhas, sim, roupas, sim, um teto como abrigo,
certo, mas não Deus. Então o dinheiro não pode ser o objetivo da vida. Isso
se chama discriminar. Você entende?
M
— Sim, senhor. Acabo de ler uma peça de teatro sobre isso, em sânscrito.
SR
— Escute mais um pouco. O que é o dinheiro, o que é a beleza? Tente
refletir: o que é um corpo? Ossos, carne, gordura, sangue, urina, excrementos.
E é por causa dessas coisas que a mente esquece Deus!
M
— Podemos ver Deus?
SR
— Sim, com absoluta certeza. Retirar-se em solidão de vez em quando, cantar o
Seu Nome, e discriminar. Eis os meios para consegui-lo.
M
— E o que é preciso fazer para vê-lo?
SR
— Chorar por Ele com grande desejo: então Ele se mostra. Os homens choram
baldes de lágrimas por seus filhos. Pelo dinheiro então, daria para se tomar
um banho! Mas quem chora por Deus? É preciso que o apelo por Deus seja um apelo
verdadeiro.
E
nisso o Mestre começou a cantar:
Grita de
verdade, minha alma, e Shyama23
não poderá ficar longe,
Shyama não
poderá ficar longe, Kali não poderá ficar longe.
Seja
sincera, minha alma, oferece as flores rosas da bilva*
,
Com o sândalo
do amor, oferece as flores aos pés da Mãe.
A
saudade de Deus é como a cor rosa no céu: a aurora vem, o sol está prestes a
aparecer. Primeiro a nostalgia, depois a presença de Deus. Se três apegos
forem reunidos, o do homem mundano por seus negócios, o da mãe por seu filho,
o da esposa por seu esposo, então, pela força desse triplo desejo a visão de
Deus se produzirá. Trata-se de amar a Deus tanto quanto a mãe ama seu filho,
tanto quanto a esposa ama seu marido, tanto quanto o homem mundano ama seus negócios!
Se esses três desejos se encontram reunidos, então Deus aparece.
O
desejo nos faz chamar Deus. O gatinho só sabe falar “miau, miau” para
chamar sua mãe, e a gata o coloca aqui, depois o pega de novo e o leva ali. Às
vezes na cozinha, às vezes no chão nu, às vezes na cama. Se o gatinho sofre,
a única coisa que diz é “miau, miau”; ele só sabe dizer isso — e onde
quer que a gata esteja, ela ouve esse “miau, miau” e acode ao chamado.
TERCEIRO
ENCONTRO
6
M encontrava-se na casa de sua irmã em Boranogor. Agora que conhecera o
Mestre, não conseguia mais desligar dele o seu pensamento. Durante o dia
inteiro seu rosto e suas palavras lhe voltavam à memória. Ele se perguntava
como um pobre brâmane havia podido aprender, ou descobrir por si mesmo,
verdades tão profundas. E M nunca vira alguém que se expressasse de modo tão
claro e simples. Só pensava em voltar lá, para vê-lo e ouvi-lo novamente.
O
domingo 5 de março acabou chegando. Em companhia de Nepalbabu de Boranogor, M
chegou ao templo de Dakshineswar por volta de três ou quatro horas. Encontraram
o Mestre sentado de frente para o leste, na pequena cama de madeira no centro do
quarto. Este estava cheio, pois o domingo era a oportunidade para todos os discípulos
visitarem o Mestre. M ainda não conhecia nenhum deles, e sentou-se na lateral.
O Mestre falava com os devotos sorrindo. Parecia interessar-se especialmente por
um rapaz de mais ou menos dezenove anos, falando em sua intenção. Ficava muito
claro que sua presença enchia o Mestre de alegria. Esse rapaz se chamava
Norendro24,
era estudante e freqüentava o Sadharan Brahmosamaj25.
Suas palavras eram cheias de energia, seu olhar brilhante, e ele parecia
irradiar espiritualidade.
M
compreendeu que o assunto era sobre os homens ligados ao mundo: se alguém se
dedica seriamente a Deus e à religião, todos começam a falar mal. E no mundo
existem também pessoas realmente más. Como se comportar com elas? Esse era o
problema.
SR
— O que você pensa a esse respeito, Norendro? É incrível tudo o que os
mundanos são capazes de dizer! Quando um elefante passa, todas as espécies de
pequenos animais gritam para ele, mas o elefante nem sequer vira a cabeça. O
que você faria se as pessoas falassem mal de você?
N
— Eu pensaria: “Vamos deixar ladrar os cães!”
SR
— Você está exagerando um pouco! (risos). Deus está presente em todos os
seres vivos. Mas só devemos nos ligar intimamente com as pessoas boas, e manter
distância das más. Narayana26
está no tigre também, mas isso não é motivo para irmos abraçá-lo (risos).
Deus está também naquele que lhe diz “Proteja-se”, então por que não
obedecê-lo?
Ouçam
uma história. Numa floresta vivia um sadhu que tinha numerosos discípulos.
Uma vez, ele lhes ensinou que Deus está presente por toda parte e que então é
preciso respeitar e cultuar todo ser vivo. Um dia, um de seus discípulos foi à
floresta cortar lenha para os sacrifícios. Ouve gritar “Salve-se quem puder!
Um elefante furioso!” Todos fogem, mas o discípulo não. Ele pensa: “Por
que fugir? O elefante louco também é Narayana”. E junta as mãos para saudar
a Deus, com hinos de louvor. O cornaca (condutor de elefante) grita “Fuja!
Fuja!”, mas ele não se mexe. Para terminar, o elefante o agarra com a trompa
, ergue-o, lança-o ao chão e prossegue sua corrida. O discípulo, ferido,
desmaia.
Sabendo
da notícia, o mestre e alguns discípulos vão às pressas, transportam-no com
dificuldade até o monastério e cuidam de seus ferimentos. Quando volta a si,
perguntam-lhe: “Por que você ficou lá quando o elefante passou?” Ele
responde: “Nosso mestre nos disse que Deus está por toda parte, no homem, nos
animais, por todo lado! Então quando Deus-elefante se aproximou, eu não me
afastei”. O mestre lhe disse: “É verdade, meu filho, Deus-elefante se
aproximou, mas, meus filho, o cornaca também é Deus. Quando o Deus-cornaca
gritou para você fugir, por que você não o fez? Já que Deus está em toda
parte, você deveria tê-lo obedecido!” (risada geral).
Nas
Escrituras se diz apo-narayana (a água é Deus). Mas existe água pura
que é adequada aos sacrifícios, água para lavar as mãos e a boca, água para
lavar a louça, e a água na qual só se pode lavar roupa. Para os sacrifícios
e para beber, não se usa qualquer água. Da mesma forma Deus está no coração
de todos, do santo, do devoto, do impuro, do mau. Mas não se aproxime do impuro
ou do mau. Com alguns você ainda pode conversar, com outros nem isso é possível,
precisa-se ficar à distância.
UM
OUVINTE — Senhor, se alguém está a ponto de praticar o mal, ou até já está
praticando, como ficar indiferente?
SR
— Quando vivemos com as pessoas, às vezes somos obrigados a nos proteger de
sua maldade, e então podemos tomar uma aparência ameaçadora27,
mas a pretexto de que um outro pratica o mal, não é permitido fazer-lhe mal em
troca.
Alguns
pastorzinhos estavam cuidando de suas vacas num pasto onde morava uma serpente
muito venenosa. Tinham muito medo dela e estavam sempre atentos. Um dia, um
asceta errante quis passar naquela direção. Os pastorzinhos correram para avisá-lo:
“Senhor, não vá por ali! Há uma serpente terrível!” O asceta disse: “Não
se preocupem, crianças, não tenho medo de nada, conheço os mantras necessários”,
e continuou em frente. Com medo, nenhuma das crianças o acompanhou. A serpente
levantou a cabeça e arremeteu contra o asceta, mas ele pronunciou um mantra, e
logo a serpente prostrou-se a seus pés como uma minhoca. O asceta lhe disse:
“Escute, até hoje você praticou o mal, agora vou lhe dar um mantra;
repetindo-o, você obterá o amor pelo Senhor, você verá o Senhor e perderá
seus maus instintos”. Deu o mantra à serpente, esta se prosternou a seus pés
e perguntou-lhe: “Senhor, agora o que devo fazer?” O asceta lhe disse:
“Repita seu mantra, não faça mal a ninguém e espere meu retorno”. Depois
partiu.
Alguns
dias se passaram, e os meninos viram que a serpente não os atacava mais.
Tentaram jogar-lhe pedras, e ela não reagiu. Tinha-se tornado mansa como uma
minhoca! Um dia um deles ousou aproximar-se e agarrá-la pela cauda; girou e
girou a serpente no ar ao redor de sua cabeça e bateu-a no chão. Saiu sangue
de sua boca e ela ficou desacordada. Então as crianças pensaram que estava
morta e se foram. No meio da noite, a serpente voltou a si e entrou em sua toca
com grande dificuldade: estava toda quebrada e quase não podia mexer-se. Muito
tempo depois, conseguiu sair para procurar um pouco de alimento, pois estava
pele e ossos. O medo a impedia de sair durante o dia; só à noite alimentava-se
de folhas, terra e frutas que caíam das árvores. Repetia o mantra e não fazia
mal a nenhuma criatura.
Passado
um ano, o mestre voltou, e pôs-se à procura da serpente. Os pastores lhe
disseram que a serpente havia morrido, mas ele não acreditou, pois o mantra
tinha o poder de mantê-la viva até à visão do Senhor. Continuou a chamá-la.
Ouvindo a voz de seu mestre, a serpente saiu do buraco e prosternou-se com amor.
O asceta lhe perguntou: “Como vai você?”. E a serpente respondeu: “Muito
bem, Senhor”. O mestre lhe disse: “Mas eu acho que você não está com boa
aparência”. A serpente respondeu: “Conforme sua ordem, não fiz mal a
nenhuma criatura, só comi folhas e frutas; então devo ter emagrecido”. Tinha
adquirido tanta doçura28
que não queria mal a ninguém, e até esquecera que as crianças quase a haviam
matado. O asceta disse “Deve haver uma outra razão. O que aconteceu?” A
serpente respondeu: “Estou lembrada! Os meninos me bateram e me fizeram ficar
neste estado. Coitados! Não sabiam que eu havia mudado e não mordo mais ninguém!”
O asceta disse: “Que idiota! Você não sabe se defender! Eu havia proibido
você de morder, mas não de silvar! Por que você não os amedrontou?”
Com
as pessoas más às vezes é preciso silvar para lhes dar medo e impedi-las de
causar dano, mas sem inocular veneno, sem lhes fazer mal.
Existe
todo tipo de seres vivos na criação de Deus: entre os animais há os bons e os
maus, cruéis como o tigre; entre as árvores, há algumas cujo fruto é doce
como o néctar, outras cujo fruto é um veneno. Da mesma forma, entre os homens
existem os bons e os maus, os puros e os impuros, os mundanos e os devotos de
Deus.
Há
quatro tipos de homens. Os homens entravados, os que desejam a libertação, os
que a conseguiram, e os sempre-livres, como Narada29
por exemplo. Os sempre-livres vêm a este mundo para o bem da humanidade, como
instrutores. Os entravados são completamente ligados ao mundo, esqueceram Deus
e jamais pensam no Senhor. Depois há aqueles que buscam a libertação; entre
eles alguns a obtém, outros não. Enfim os libertos, os sadhus, os mahatmas,
que não são mais prisioneiros do sexo e do ouro. Perderam a consciência dos
negócios do mundo, e seu espírito fez morada para sempre aos pés de lótus do
Senhor.
É
como quando se joga uma rede numa lagoa: os raros peixes realmente espertos que
nenhuma rede jamais pegará, podemos compará-los aos sempre-livres. Mas a rede
recolhe muitos peixes; alguns tentam escapar, porém nem todos conseguem. De vez
em quando, um peixe grande pula por sobre a rede e cai do outro lado espirrando
água, e os pescadores gritam: “Olha lá um grandão que está indo embora!”
Mas a maior parte não escapa, sequer tenta. Enfiam o nariz na vasa através da
rede e pensam: “Nada a temer, estamos muito bem aqui”, sem saber que os
pescadores vão arrastar a rede para a terra e jogá-los num balde. Pode-se
compará-los aos entravados.
Eles
estão presos pelo sexo e o ouro, de pés e mãos amarrados! Pensam que o sexo e
o ouro são a vida sadia e normal, e não se preocupam com nada. Não sabem que
a morte vai vir; e mesmo em seu leito de morte, quando sua esposa se queixa
“Você vai me deixar, o que vai ser de mim?”, tudo o que eles têm a lhe
dizer é para baixar a mecha da candeia a fim de gastar menos óleo! Até em seu
leito de morte! Nunca pensam em Deus. Quando têm lazer, usam-no em jogos estúpidos,
tagarelice, trabalho inútil; se lhes perguntamos por quê, dizem: “O que você
quer, eu não consigo ficar sem fazer nada, então estou consertando a cerca”.
Ou então, para matar o tempo, jogam baralho (um momento de silêncio).
7
UM OUVINTE — Mas então, senhor, os mundanos não têm saída?
SR
— Claro que têm! Visitar os santos de vez em quando, retirar-se em solidão
de vez em quando, praticar o discernimento, orar para obter fé e amor. A fé é
tudo. Não há nada maior que a fé! (Dirigindo-se a Kedar30)
— Você conhece o poder da fé? Os puranas contam que Rama, isto é,
Narayana (Deus) em pessoa teve que construir uma ponte para ir ao Ceilão,
enquanto Hanuman31,
por sua fé no Nome de Rama, saltou por sobre o oceano, sem ter necessidade de
ponte! (risos)
Contam
também que Vibhisana escreveu o Nome de Rama numa folha e amarrou-a na roupa de
alguém, dizendo-lhe: “Não receie nada! Com isso você atravessará o oceano
a pé. Mas se perder a fé, você afundará”. Essa pessoa começa a caminhar
sobre a água, mas pouco a pouco vai sentindo curiosidade de ver o que há na
fralda de sua roupa. Abre-a e vê o Nome de Rama, e pensa: “O quê? Só
isso?”, e então afunda.
Aquele
que tem fé, mesmo que cometa enormes pecados — até matar uma vaca, um brâmane,
uma mulher — o Senhor o libertará desses pecados por causa de sua fé. Basta
que ele diga “Não o farei nunca mais”, e nada terá a recear.
Naquele
momento o Mestre cantou:
Quero
morrer pronunciando Teu Nome, Durga32!
Durga!
Como
poderias Tu rejeitar o miserável que eu sou?
Que eu
tenha matado uma vaca, uma criança no ventre de sua mãe,
Um brâmane,
uma mulher, que tenha rolado bêbado pelo chão,
Que
importa, Tu me conduzirás bem aos pés de Brahma!
Vejam
esse rapaz (olhando Noren)! Como ele parece comportado aqui! Está sentado como
uma criança diante de seu pai, mas quando estiver lá fora brincando será
outra coisa! Ele não está amarrado pelas preocupações do mundo, mais um
pouco de tempo e perceberá isso, e ninguém poderá impedi-lo de voltar para o
Senhor. Ele veio a este mundo para ensinar os outros, os bens desta terra não são
nada para ele. O sexo e o ouro não podem cegá-lo.
Nos
Vedas fala-se do pássaro homa. Esse pássaro mora nas alturas do
céu. Põe seu ovo voando, e o ovo cai. O pássaro voa tão alto que o ovo cai
durante dias e dias, e enquanto isso o filhote nasce. O filhote continua a cair,
cair, por tanto tempo que seus olhos têm tempo de se abrir e suas asas de
crescer. Então ele percebe que vai arrebentar-se no chão e, com todas as suas
forças, inicia seu vôo para o céu e vai ao encontro de sua mãe.
Noren
levantou-se e saiu.
No
quarto haviam ficado Kedar, Prankrishno, M e outros.
SR
— Vejam Norendro. Ele sabe fazer tudo: estudar, cantar, tocar instrumentos.
Hoje ele teve uma discussão com Kedar, e despedaçou todos os seus argumentos!
(Dirigindo-se a M) — Os ingleses têm livros para lhes ensinar a discutir?
M
— Sim, senhor, isso se chama lógica.
SR
— Explique mais ou menos para mim o que eles dizem.
Lá
ficou M bem atrapalhado! Tentou explicar o que era passar do particular ao
geral, do geral ao particular, etc33.
Um momento depois o Mestre parou claramente de ouvir e a conversa terminou.
8
A reunião foi interrompida, os ouvintes saíram para passear aqui e ali
pelos jardins. M visitou o panchavati34,
depois voltou para o quarto do Mestre. Ao aproximar-se, viu que algo estava
acontecendo na pequena varanda ao norte do quarto.
Sri
Ramakrishna estava de pé, imóvel; Norendro cantava e três ou quatro discípulos
assistiam à cena. M aproximou-se para ouvir o canto e ficou arrebatado —
nunca ouvira ninguém, com exceção do próprio Mestre, cantar de maneira tão
emocionante como Norendro. De repente, voltou os olhos para o Mestre e ficou
estupefato. O Mestre estava absolutamente imóvel, suas pálpebras não
piscavam. Aparentemente não respirava também. Alguém cochichou que ele estava
em êxtase e que aquilo se chamava samadhi. M nunca vira coisa parecida,
sequer sabia o que era. Pensou consigo: “Quando se toma consciência de Deus,
perde-se assim toda a consciência externa? Quanta fé e amor ele precisou ter
para chegar a isso!” Norendro cantava:
Contempla
Hari, ó minha alma, pura consciência imaculada,
Maravilha
incomparável, imagem feiticeira no coração,
Irradiando
mil cores, resplendor que ultrapassa mil luas!
Fazendo o
espírito tremer de alegria, como um relâmpago fulgurante...
Ouvindo
cantar aquele verso, Sri Ramakrishna estremeceu e os pêlos de seu corpo eriçaram-se.
Lágrimas de alegria saíram de seus olhos. De vez em quando parecia sorrir para
alguém. Como saber que incomparável imagem, mais resplandecente que mil luas,
erguera-se diante de seus olhos, que maravilhosa forma do Senhor? Quanta
disciplina*,
renúncia e esforços haviam sido necessários para chegar a uma visão
daquelas? O canto continuava:
Ramakrishna em samadhi ( êxtase espiritual, sustentado por seu sobrinho)
Oferece-te
a seus pés, vê-O estabelecido no lótus do coração,
Contempla
Sua imagem bem-amada,
Com a
mente tranqüila, com o olhar do amor...
De
novo aquele mesmo sorriso feiticeiro! A rigidez do corpo, as pupilas fixas. Que
visão incomparável deviam estar contemplando, e que felicidade incomparável
pareciam testemunhar! Norendro chegava ao fim:
Fruto da yoga
do amor, quintessência de amor e alegria.
Alcança
essa alegria sem fim, a própria essência da alegria,
A quintessência
do amor.
Levando
em seu coração as maravilhosas imagens do êxtase e da alegria proporcionada
pelo amor a Deus, M tomou o caminho de volta. De vez em quando, ainda
embriagado, reencontrava em seu coração o eco do hino:
Alcança
essa alegria sem fim... a quintessência do amor...
* Original I.1, tradução inglesa 1.
1 A seção 1, omitida aqui, é uma longa descrição dos templos de Dakshineswar.
2 Literalmente Thakur, o Senhor. Em 1882, pelo calendário bengali, seu aniversário caía no dia 18 de fevereiro.
3 Keshav Chandra Sen, o mais popular dos reformadores religiosos em Bengala no fim do século XIX, chefe de uma das ramificações do Brahmosamaj, amigo e admirador de Ramakrishna.
4 Graças a essas indicações, M poderá afirmar mais adiante que o encontro se deu no domingo 26 de fevereiro de 1882. O Sr. Cook era um missionário americano.
5 Inicial ao mesmo tempo do nome do autor (Mahendranath) e de seu apelido Mastar (o professor), sob o qual ele mesmo se designa geralmente.
6 Há duas camas no quarto, uma ao lado da outra; o Mestre se senta de pernas cruzadas na menor para falar e dorme na outra — sendo muito fora do comum um sannyasin dormir numa cama. Notem que o autor sempre “orienta” a cena.
7 M conta, aliás, que havia saído de casa com sua esposa na véspera, depois de um conflito com seu pai e a segunda esposa deste, e se achava numa situação de grande angústia.
8 O narrador do Bhagavata Purana, principal Escritura da devoção a Krishna. Não confundir o Bhagavata com o Bhagavad Guita!
9 Grande místico bengali do século XVI, também chamado Gauranga, Gaur (“o dourado”) e considerado um avatar, uma descida de Deus (Vishnu).
10 Fórmula védica que os brâmanes recitam especialmente ao nascer do sol; como todas essas fórmulas, contém a sílaba OM (ou AUM), que simboliza o Absoluto.
11 Um subúrbio residencial (outrora) a alguns quilômetros ao norte de Calcutá, na vizinhança de Dakshineswar.
12 Denominação respeitosa dada a um “liberto-vivo”; nessa época, diziam “o Paramahamsa, o Paramahamsa de Dakshineswar” para designar SR. Ver o Diálogo 14, nota 44.
13 Abreviaremos muitas vezes o nome de Sri Ramakrishna como SR — Sri (às vezes pronunciado e escrito Sri) corresponde aproximadamente a “senhor” diante de um nome de homem, mas também é usado diante do nome de um deus, uma deusa, um livro sagrado...
14 Shidhu não voltou mais.
15 Esses detalhes têm sua importância: normalmente um renunciante veste um pano laranja (guerua), sem orla, e anda descalço.
16 O uso do termo “senhor”, aqui e em outros momentos, substitui de maneira monótona várias formas respeitosas do bengali.
* Em se tratando de diálogos, usaremos o nível de linguagem do português do Brasil adequado às situações.
17 Talvez se trate de Pratap Hazra (Diálogo 8, nota 21), e seu irmão pode ter vindo procurá-lo, mandado pela família. Nesse caso,“ele” designaria Pratap.
18 Sobrinho de SR, sacerdote do templo, talvez uma testemunha muda da cena.
19 Tradução aproximada de vidyashakti ou avidyashakti; cada um dos grandes deuses tem sua shakti, seu complemento feminino, uma deusa que representa sua “energia”. Assim, Kali, a Natureza toda-poderosa, a Mãe, é o complemento feminino de Shiva, o Absoluto. Da mesma forma, no casal humano, a esposa é a shakti do marido, e pode lhe trazer luz (vidya) ou obscuridade (avidya).
20 Literalmente: “Você é um jñani (alguém que atingiu o conhecimento)?”
21 É importante notar que em bengali a mesma palavra (samsara) é usada para o mundo e para a vida em família. Às vezes é impossível escolher com clareza entre os dois sentidos.
22 A expressão usada é “mulher e ouro”, mas essas palavras não estão em bengali corrente e sim em sânscrito. Trata-se de uma expressão estereotipada: traduzi-la usando a palavra “mulher” traz involuntariamente uma nuance de misogínia que não está na mente de SR. Às vezes a tradução literal se impõe, mas raramente.
23 Outro nome de Kali: “a Mãe de tez azul escuro”, como o céu noturno.
* Bilva (ou bel —Aegle marmelos): marmeleira-da-índia, também chamada marmelos-de-bengala — árvore cujas folhas, consideradas sagradas, são usadas no culto; o fruto dessa árvore (veja também panchavati: Diálogo 1, nota 34).
24 Ou Noren: Narendranath Datta, o futuro Swami Vivekananda. Até então ele havia feito umas poucas visitas e se mantinha muito reservado, contrastando com o amor exuberante de SR para com seus discípulos.
25 O ramo “protestante” do Brahmosamaj, desligado do de Keshav Sen.
26 Um nome de Vishnu.
27 Literalmente, “dar mostra de tamas”, o modo obscuro e brutal do ser, em oposição a rajas, o modo do vigor e do brilho, e a sattva, o modo da doçura e da paz.
28 Literalmente, sattva.
29 Sábio legendário. Atribuem-se-lhe os Bhakti Sutras, que ensinam o caminho do amor.
30 Um discípulo que se verá pouco, pois mora em Dacca.
31 No Ramayana, chefe do exército dos macacos e o companheiro mais fiel de Rama. Mais abaixo, Vibhisana é outro fiel de Rama.
32 Um dos aspectos da “Mãe”.
33 Trecho levemente resumido.
34 Grupo de árvores sagradas de cinco espécies diferentes, lugar de ascese de SR muitos anos antes. Ou:
Pequeno bosque no qual se praticam disciplinas espirituais, composto de cinco árvores sagradas — uma ashvattha (ou pipal), um baniano, um bel (ou bilva), um amalaki e uma ashoka — plantadas em círculo, de acordo com as indicações das Escrituras, e com um altar no centro. O panchavati do jardim de Dakshineswar foi plantado por Sri Ramakrishna e Hriday. (cf. RamakrishnaVedanta Wordbook, Vedanta press, EUA, 1978)
* sadhana: disciplina espiritual, ascese.