O
SAGRADO ENSINAMENTO DE SRI RAMAKRISHNA
8
A
vaidade de discutir
151.
Quando se está enchendo um cântaro, se ouve um “glu glu”, mas uma
vez cheio, o ruído cessa. Do mesmo modo o homem que não encontrou
Deus, se entretém em vãs disputas sobre Sua existência e natureza.
Mas aquele que O viu, goza o silêncio da felicidade Divina. O “glu
glu” é a razão, o discernimento que,
pela vontade de minha Divina Mãe, nos conduz ao verdadeiro
Conhecimento. Esse ruído indica que o cântaro não está cheio e da
mesma forma, o fato de raciocinar demonstra que a meta não foi
alcançada. O “glu glu”, no entanto, é ouvido de novo, ao se verter
a água do pote cheio em outro pote, que é quando o sábio transmite ao
seu discípulo a água da Divina Sabedoria.
152.
Os homens comuns falam “às toneladas” sobre religião, mas não
praticam nem “um grama” dela. O sábio, por outro lado, fala pouco,
mas sua vida inteira é religião expressada em ação.
153.
Quando em uma festa há muitos convidados, ouve-se muito ruído, até
que a comida é servida. Quando os hóspedes começam a comer, três
quartas partes do murmurinho pára. Quando os doces são servidos, o
ruído diminui ainda mais. Finalmente chega o turno da coalhada (o
último a ser servido) e, então, só se ouve o som “sup sup”.
Terminada a festa, a última coisa que resta aos convidados é ir
dormir! Quanto mais você se aproximar de Deus, tanto menos disposto
estará em inquirir e raciocinar. E quando finalmente realizá-Lo e
vê-Lo como uma realidade palpável, então todo o ruído e toda a
disputa cessarão. Chegará o momento de ir dormir, o que quer dizer
gozar em comunhão com a Divindade, no estado de samadhi.
154.
A abelha dá voltas zumbindo, até que pousa sobre a flor e suga a
doçura do mel que há nela. Mas uma vez dentro da flor, degusta o
néctar silenciosamente. Enquanto o homem disputa doutrinas e dogmas,
demonstra que não provou o néctar da verdadeira fé. Uma vez que o
prove, se torna silencioso.
155.
O iniciante de um estudo de língua estrangeira, quando fala, usa
constantemente palavras desse idioma para demonstrar seu adiantamento.
Mas aquele que conhece bem o idioma raramente o emprega quando fala em
sua língua materna. Tal é o caso, realmente, dos que fizeram
verdadeiros progressos na religião.
156.
Á certa distância de um mercado, só se ouve um rumor confuso, mas ao
se entrar nele, vê-se e ouve-se distintamente como as pessoas compram e
vendem. Da mesma maneira, enquanto uma pessoa está longe de Deus, se
encontra em meio ao murmurinho dos sofismas e vãs discussões. Mas
quando se aproxima de Deus, todos os argumentos e discussões cessam e
obtém-se uma clara e vívida percepção dos mistérios de Deus.
157.
Ao se colocar um pastel cru na manteiga fervente, ele faz um certo
chiado. Mas a medida em que frita, o ruído diminui e quando está
completamente frito, o ruído pára. Enquanto o homem tem somente um
pouco de conhecimento, se envaidece por falar e pregar, mas quando
alcança a perfeição do verdadeiro Conhecimento, abandona toda a vã
ostentação.
158.
Quando a graça do Todo Poderoso desce, cada um de nós reconhece seus
erros. Sabendo que é assim, você deveria abster-se de discutir.
A
verdadeira finalidade do saber
159.
Os livros sagrados somente indicam o caminho que conduz a Deus. Quando
se conhece o caminho, de que servem os livros? Vem, então, o momento de
entregar-se à comunhão com Deus na solidão. Uma pessoa recebeu uma
carta de sua casa de campo, na qual seus parentes lhe pediam certas
coisas. No momento de fazer as compras, releu a carta para saber quais
eram os artigos pedidos. Ao fazê-lo, percebeu que a havia extraviado.
Procurou cuidadosamente por todos os lados, até que a encontrou. Tornou
a lê-la com cuidado. A carta dizia: “Por favor, mande cinco quilos de
doces, cem laranjas e tantos metros de tecido”. Tendo-se inteirado de
seu conteúdo, guardou a carta e apressou-se em procurar as coisas
pedidas. Do mesmo modo, os livros sagrados somente nos ensinam os meios
para realizar Deus. Conhecidos os meios, o próximo passo é abrir
caminho para a meta. A Realização é a meta.
O
SAGRADO ENSINAMENTO DE SRI RAMAKRISHNA
160.
Para-vidya, ou conhecimento
supremo, é aquele pelo qual realizamos Deus. Tudo o mais, as
escrituras, a filosofia, a lógica ou gramática, em si, são somente um
fardo e servem para confundir a mente. Os granthas
(livros) são, às vezes, granthis
(nós). Só são bons quando nos conduzem ao supremo conhecimento.
161.
Muitas pessoas pensam que o conhecimento de Deus só pode ser obtido
mediante o estudo dos livros. Mas melhor do que ler é ouvir e melhor
que ouvir é ver e realizar. Ouvir a verdade dos lábios do preceptor
causa mais impressão que a mera leitura dos livros. Mas ver causa a
maior impressão de todas. Melhor que ler sobre Benares é ouvir a
descrição que faz uma
pessoa que a visitou. Mas o melhor de tudo é ver Benares com
nossos próprios olhos.
162.
Há duas espécies de pessoas que podem obter o conhecimento do Ser:
aqueles, cuja mente não está empanturrada de erudição, ou seja,
cheia das idéias alheias e aqueles que, depois de estudar as escrituras
e as ciências, chegam à conclusão de que não sabem nada.
163.
As pessoas falam de erros e superstições e se vangloriam da erudição
adquirida nos livros, mas o devoto encontra o amante Senhor sempre
pronto para atendê-lo prontamente. Pouco importa que no passado tenha
seguido por um caminho equivocado. O Senhor sabe do que ele necessita e,
no final, satisfaz o desejo de seu coração.
164.
Dois amigos entraram em um pomar. Um deles, que possuía sabedoria
mundana, começou imediatamente a contar as mangueiras, a calcular as
mangas que cada uma produzia e a falar do valor aproximado do pomar. Seu
companheiro, por outro lado, foi imediatamente ver o dono, fez amizade
com ele e logo, por seu convite, dirigiu-se a uma mangueira, arrancou
alguns frutos maduros e começou a comê-los. Qual dos dois acredita que
é mais sábio? Coma as mangas! Isso satisfará sua fome! Para que serve
contar as árvores e as folhas e fazer cálculos? O arrogante
intelectual se ocupa em buscar inutilmente o “porquê” e “para
que” da criação, enquanto o humilde homem de sabedoria faz amizade
com o Criador e goza do dom de Sua Suprema Felicidade.
165.
Um raio de luz de minha Divina Mãe, que é realmente a Deusa da
Sabedoria, pode humilhar até o mais versado pandit
e fazê-lo parecer um insignificante verme que se arrasta sobre a
terra.
166.
Repita a palavra Guita (Bhagavad-Guita) dez vezes, em rápida sucessão
– Gui-ta – gui-ta –tagui. Terminará dizendo “Tagui, tagui”,
que indica uma pessoa que renunciou ao mundo por amor a Deus. Assim, em
uma só palavra, o Guita ensina: “Oh homem ligado ao mundo, renuncie!
Renuncie a todas as coisas e fixe sua mente no Senhor!”.
167.
Chaitanya Deva (Encarnação Divina do século XVI), durante Sua
peregrinação pelo sul da Índia, viu um devoto que vertia profusas
lágrimas, enquanto ouvia um brahmin
que lia o Guita, em sânscrito. Aquele devoto não conhecia nem sequer o
alfabeto e não podia seguir um só versículo do Guita. Quando lhe
perguntou por que chorava, respondeu: “Certamente que não conheço
uma só palavra do Guita. Mas durante sua leitura eu via, com meu olho
interior, a bela forma de meu Senhor Krishna, sentado em um carro frente
a Arjuna, no campo de Kurukshetra, compartilhando os sublimes
ensinamentos contidos no Guita. Isto foi o que encheu meus olhos com
lágrimas de plenitude e amor”. Aquele homem, que não conhecia sequer
uma letra, possuía o mais elevado Conhecimento, pelo fato de ter amor
puro para com Deus e pôde realizá-lo.
O
SAGRADO ENSINAMENTO DE SRI RAMAKRISHNA
CAPÍTULO
VI
MESTRES
RELIGIOSOS – FALSOS E VERDADEIROS
AS
ARMADILHAS PARA UM PRECEPTOR.
QUEM
É UM VERDADEIRO MESTRE ESPIRITUAL?
As
armadilhas para um preceptor
168.
Oh você que prega, leva contigo o distintivo da autoridade para
fazê-lo? Mesmo o mais
modesto servidor de um rei é visto com temor e respeito e pode aplacar
o tumulto, mostrando sua insígnia. Antes de pregar, consiga a
inspiração e o mandato de Deus. Você pode pregar por toda sua vida,
mas até chegar a isto, se você não tiver a divisa da Divina
inspiração todas as suas palavras serão mera perda de tempo.
169.
Ninguém tem a paciência ou o desejo de mergulhar profundamente no amor
Divino. Ninguém se exercita no discernimento e na renúncia (viveka e vairagya),
ninguém quer submeter-se às práticas espirituais (sádhana). Mas, por outro lado, todos se apressam a dar
conferências e ensinar tendo somente um grão de conhecimento tirado
dos livros. Que estranho é isso! Ensinar aos demais é a mais difícil
das tarefas. Só pode ensinar aquele que realizou Deus e recebeu seu
mandato direto.
170.
“Que pensa o senhor de um homem que é um bom orador e pregador, mas
cujos poderes espirituais não estão desenvolvidos?”. É como aquela
pessoa que desfalca os bens que outra pessoa lhe confiou em custódia.
Um pregador pode, com essa facilidade, aconselhar aos demais. Isso nada
lhe custa, já que as idéias que expõe não são suas, mas
emprestadas.
171.
Um conferencista muito conhecido foi dar uma conferência em uma Harisabha
(associação religiosa). Durante seu discurso, disse: “O Senhor está
totalmente desprovido de rasa
(doçura); devemos adoçá-lo emprestando-lhe a doçura de nossa
própria natureza”. Por rasa ele quis dizer o amor e outros atributos divinos. Quando ouvi
isso, lembrei de certo rapaz que disse que seu tio tinha muitos cavalos
e tentava convencer seus ouvintes descrevendo o estábulo em que seu tio
guardava os cavalos. Evidentemente os ouvintes mais inteligentes
pensaram, imediatamente, que um estábulo não é exatamente o lugar em
que estão os cavalos e que, portanto, o rapaz estava mentindo e não
tinha nenhuma experiência ou conhecimento sobre cavalos. É absurdo
dizer que Deus carece de rasa,
o qual prova que o orador era completamente ignorante sobre o tema que
tratava. Demonstrou não ter realizado jamais o Ser Supremo, que é a
fonte do amor, da sabedoria e do gozo.
172.
“Qual é sua opinião sobre o método empregado, hoje em dia, pelos
pregadores religiosos?”. É como convidar cem pessoas para almoçar,
tendo comida só para uma. É pretender ser um grande mestre de
religião, quando tem apenas uma pequena experiência da vida
espiritual.
173.
Primeiro instale Deus no templo de seu coração. Depois de ver Deus e
não antes, poderá dedicar-se, se quiser, às pregações aos demais.
As pessoas falam muito facilmente de Deus e Brahman (Ser Supremo), mas
estão todo o tempo apegadas às coisas do mundo. A que se deduz tudo
isto? É como soprar o caracol (sanka)
chamando as pessoas ao culto, sem ter instalado Deus no templo.
174.
Um dia, ao passar por Panchavati, ouvi o espantado coaxar de uma rã.
Pensei que talvez tivesse sido atacada por uma serpente. Quando, depois
de um longo tempo, voltei pelo mesmo lugar, ouvi o mesmo ruído. Olhando
através dos arbustos, vi um cobra d’água com uma rã em sua boca.
Não podia engoli-la, nem soltá-la, e por isso a agonia da rã se
prolongava. Logo pensei: “Se uma rã tivesse caído em poder de uma
cobra, teria sido silenciada depois de coaxar duas ou três vezes,
somente. Agora, por outro lado, o sofrimento da cobra é quase igual ao
da própria rã”. Do mesmo modo, se um homem que não tenha sido
iluminado, toma a seu cargo a responsabilidade de salvar outro, o
sofrimento de ambos não tem fim. O ego do discípulo não desaparece,
nem se cortam suas ligações mundanas. Se um discípulo cai sob a
influência de um mestre incompetente, nunca consegue a liberação. Mas
se tem um mestre verdadeiro, o egotismo de jiva
perece ao terceiro “gemido”.
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