“O HOMEM REAL E O HOMEM APARENTE”  

Swami Vivekananda

(Conferência dada em Nova York)

Parte l  l

 

            Estamos comprovando isto a cada dia no plano físico, no plano mental e também no espiritual. Hoje foi demonstrado que vós e eu, o sol, a lua e as estrelas não são senão nomes diferentes de diversos pontos no mesmo oceano de matéria e que a configuração desta matéria, está mudando constantemente. A partícula de energia que estava no sol há vários meses, pode chamar-se agora de ser humano; amanhã, talvez, esteja em um animal e depois de amanhã em uma planta; está sempre indo e vindo. Tudo é uma massa de matéria infinita, sem solução de continuidade, diferenciada unicamente por nomes e formas. A um ponto o chamamos sol, a outro, lua e a outro, estrelas; a um homem, a outro animal, a outro planta e assim sucessivamente. E todos estes nomes são ficções, não têm realidade, porque tudo é uma massa de matéria que muda continuamente. De outro ponto de vista, este mesmo universo é um oceano de pensamento onde cada um de nós é um ponto, conhecido como mente particular. Cada um de vós é uma mente e eu sou uma mente; o mesmo universo. Visto deste ponto de vista do conhecimento, quando os olhos se livram do engano e a mente se purifica, aparece como o Ser absoluto, inteiro e sempre puro, o imutável, o imortal.

            Que ocorre, então, a toda esta tripla escatologia dos dualistas, de que quando o homem morre vai ai céu ou a esta ou a outra esfera e os malvados se tornam fantasmas e se convertem em animais, etc? Ninguém vem e ninguém vai – diz o monista – como podeis ir e vir? Em certa escola estava-se questionando algumas crianças e o questionador havia feito algumas perguntas difíceis, tais como: “Por que a Terra não cai?”.  Sua intenção era obter das crianças a idéia de gravitação ou de alguma outra intrincada verdade cientifica. A maioria das crianças não podia nem sequer entender a pergunta; assim deram toda espécie de respostas errôneas, mas uma menininha, mais esperta que os demais, respondeu com outra pergunta: “Onde iria cair?”. Ante tal pergunta do questionador, a mesma parecia sem sentido.

            No universo não há em cima, nem embaixo, a idéia é só relativa. A mesma pergunta sobre o nascimento e a morte, em relação à mesma, carece de sentido. Quem vai e quem vem? Onde estamos? Onde está o céu no qual já não estais? O eu do homem é onipresente, onde há de ir? Onde não há de ir? Está em todas as partes. De maneira que todos os sonhos infantis e ilusões pueris de nascimento e morte, de céus superiores e mundos inferiores, se desvanecem imediatamente para os perfeitos; para os quase perfeitos se desvanecem, ao mostrar-lhes as diferentes cenas até o brahmaloka. No entanto, continuam para o ignorante.

            Como é que todo o mundo crê em ir ao céu, em morrer e nascer? Estou estudando um livro, página por página; leio uma e viro outra e vem outra página e viro também, o que muda? Quem vai e quem vem? Não eu, mas o livro. A natureza inteira é um livro ante uma alma, lemos páginas após página e de vez em quando começa um novo capitulo – termina e começa outro – prosseguimos lendo; mas a alma é sempre a mesma e eterna. É a natureza que muda, não é a alma do homem, esta nunca muda. O nascimento e a morte estão na natureza, não em vós. Contudo, o ignorante se engana da mesma forma que nos enganamos ao crer que o sol é que se move, e não a terra; da mesma exata maneira cremos que somos nós os que morrermos e não a natureza. Trata-se, por conseguinte, de alucinações; assim como é uma alucinação crer que são os campos que se movem e não o trem, assim também é uma alucinação o nascimento e a morte.

              Quando os homens se encontram em certo estado mental, vêem esta existência como a terra, como o sol, a lua e as estrelas; todos os que se encontram no mesmo estado mental, vêem as mesmas coisas. Entre vós e eu, pode haver milhões de seres em planos diferentes de existência. Eles nunca os verão, nem nós a eles, pois vemos unicamente a quem se encontra no mesmo estado mental e no mesmo plano que nós. Só vibram, poderíamos dizer, aqueles instrumentos musicais que estão em uníssono; se o estado de vibração que chamam “vibração-homem” mudar, não se verá mais homens aqui; todo o “homem-universo” se desvaneceria e em seu lugar apareceria ante nossos olhos outro cenário; talvez deuses e o universo-deus ou, talvez, para o malvado, demônios e um mundo diabólico; mas só seriam vistas diferentes de um universo único.

            É este universo o que, deste plano humano, se vê como a terra, o sol, a lua e as estrelas e tudo o mais; é este mesmo universo, visto do plano da maldade, como um lugar de castigo. Este mesmo universo é visto como céu por quem quer vê-lo como tal. Quem tem sonhado em contemplar a um Deus sentado em um trono a cantar seus louvores, quando morrer verá simplesmente o que tinham em mente; este universo se converterá em um vasto céu com seres alados de toda espécie, voando e um Deus sentado em um trono. Tais céus são todos criação do homem.

            O que o dualista diz é verdade, pois, segundo a advaita, trata-se unicamente de sua própria criação. As várias esferas, os demônios e deuses, as reencarnações e transmigrações, não são senão mitologia, o mesmo que esta vida humana. O grande erro que os homens cometem continuamente, consiste em pensar que só esta vida é verdade. Compreendem perfeitamente quando se chama a outras coisas de mitologia, mas nunca estão dispostos a admitir o mesmo, tratando-se de sua própria convicção. Tal como aparece, o conjunto total resulta, pois, em mera mitologia; a mentira maior de todas é que somos corpos, pois nunca o fomos e nem podemos sê-lo. É a maior mentira que somos meros homens; nós somos Deus do universo. Ao adorar a Deus, estamos sempre adorando a nosso próprio eu oculto.

            A pior mentira que se diz a si mesmo, é que nasceu pecador ou malvado. Só é pecador quem considera a outro pecador. Suponhamos que haja um menino aqui e que colocais uma bolsa de ouro sobre a mesa; vem um ladrão e leva o ouro. O menino permanece indiferente, como não tem ladrão dentro de si, tampouco o conhece fora de si. Para os pecadores e homens vis, a maldade está fora, mas não para os seres bons. Ao malvado este universo lhe parece um inferno; o parcialmente bom o vê o vê como o céu e os seres perfeitos o realizam como Deus mesmo. Só neste ultimo caso cai dos olhos o véu, o homem purificado e limpo observa, então, que sua visão muda por completo. Os pesadelos que os torturaram durante milhões de anos se desvanecem todos e quem se considera homem, Deus ou demônio; quem acreditava viver em lugares baixos, em lugares elevados, na terra, no céu e assim por diante, descobre que é realmente onipresente; que o tempo está nele e que ele está no tempo; que todos os céus estão nele e que ele não está em nenhum; que todos os deuses que o homem adora está sempre nele e que ele não está em nenhum desses deuses.

            Ele mesmo era o fabricante de deuses e demônios, de homens e plantas, de animais e pedras; para ele agora a natureza real do homem aparece desenvolvida e mais elevada que o céu, mais perfeita que este nosso universo, mais infinita que o tempo infinito, mais onipresente que o éter onipresente. Só assim o homem perde o temor e se torna livre. Então todos os enganos cessam; todas as misérias se desvanecem; todos os temores terminam para sempre. O nascimento desaparece e com ele a morte. As dores se vão e com elas os prazeres; as terras se desvanecem e com elas os céus; os corpos se dissipam e com eles a mente. Para tal homem, o universo inteiro, digamos assim, desaparece. Este contínuo entrechocar-se de forças que superam e lutam constantemente, cessam para sempre; o que se manifestava como força e matéria, como lutas da natureza, como a natureza mesma, como céus e terras, como plantas e animais, como homens e anjos, tudo isso se transfigura em uma existência infinita, contínua, imutável; o homem conhecedor descobre que ele é uno com essa existência. “Assim como as nuvens da variados matizes aparecem no céu, permanecem por um segundo e se desvanecem”, da mesma maneira vêm a esta alma as visões de terras e céus, de luas e deuses, de prazeres e dores; mas todas passam, deixando um firmamento infinito, azul e imutável. Isto nunca muda; as que mudam são as nuvens. É um erro pensar que somos impuros, que somos limitados, que estamos separados. O homem real é a Existência única e una.

            Duas perguntas surgem agora; a primeira é “é possível realizar isto? Até aqui só temos doutrina, filosofia, mas é possível realiza-lo?”. Vedes. Vivem, no entanto, homens para os quais o engano se desvaneceu para sempre. Morrem eles imediatamente depois de alcançar tal realização? Não tão logo como acreditamos. Duas rodas unidas por um eixo giram juntas. Se tomo uma das rodas e com um machado corto o eixo, a roda que quebrei pára, mas a outra que tomou impulso, segue girando durante um tempo e logo cai. Este ser perfeito e puro, ou seja, a alma, é uma das rodas; e esta alucinação externa de corpo e mente é a outra roda, ambas unidas pelo eixo do trabalho, do carma. O conhecimento é o machado que corta o enlace entre os dois; a roda da alma se detém, cessa de crer que vai e vem, que vive ou morre; deixa de pensar que vive e morre; deixa se pensar que é a natureza, que tem necessidades e desejos; e descobre que é perfeita e carece de desejos.

            Mas sobre a outra roda, a do corpo e mente, pesa o impulso de atos passados; de maneira que viverá por algum tempo até que esgote o impulso das ações anteriores e perca a força; então o corpo e a mente caem e a alma fica livre. Já não haverá mais ir ao céu ou vir dele; tampouco ir ao brahmaloka ou a alguma das esferas superiores, porque aonde irá e de onde virá? O homem que alcançou nesta vida tal estado, para quem, nem sequer por um minuto, mudou a visão corrente do mundo e a realidade tem sido aparente, é chamado de “vivente livre”. Tal é a meta do vedantista, ou seja, alcançar liberdade enquanto vive.

            Certa vez, na Índia Ocidental, eu viajava pela região deserta sobre a costa do Oceano Índico. Andava dias e dias a pé pelo deserto e, com surpresa via, todos os dias, belos lagos rodeados de árvores e o reflexo destes, invertidos, oscilantes sobre as águas. Dizia a mim mesmo: “Quão maravilhoso parece tudo isto, e o chamam deserto!”. Durante quase um mês viajei vendo tão maravilhosos lagos, árvores e plantas. Um dia, senti muita sede e quis beber água; dirigi-me a um dos lagos, transparentes e belos, mas ao aproximar-me, desvaneceu-se. Como um relâmpago, surgiu em mim a idéia: “Este é o reflexo sobre o qual tenho lido toda minha vida”, ao mesmo tempo compreendei, também, que durante todo o mês, a cada dia, estive vendo o reflexo, sem dar-me conta disso. Na manhã seguinte recomecei minha marcha, apresentou-se o lago, mas com ele veio também a idéia de que era um reflexo e não um lago verdadeiro.

            O mesmo ocorre com este universo. Viajamos no reflexo do mundo, dia após dia, mês após mês, anos após anos, sem saber que é um reflexo. Um dia desaparecerá, mas voltará outra vez; o corpo há de permanecer sob o poder do carma passado; de maneira que o reflexo se reproduzirá. Este mundo voltará a nós enquanto estivermos ligados pelo carma. Homens, mulheres, animais, plantas, nossos apegos e deveres, todos voltarão a nós, mas não com o mesmo poder; sob a influência de novos conhecimentos, a força do carma se debilita e seu veneno desaparece. Transformar-se á, porque saberemos, então, que o conhecemos; que sabemos a diferença exata entre a realidade e o reflexo.

            Depois disso, este mundo já não será o mesmo de antes. No entanto existe um perigo. Vemos em todos os países pessoas que adotam a filosofia e dizem: “Eu transcendi as virtudes e os vícios, portanto não estou ligado por nenhuma lei moral, posso fazer o que quiser”. Encontrarão neste país e nestes tempos, muitos tolos que afirmam: “Não estou sujeito, sou Deus, deixa-me fazer o que gosto”. Isto não é correto, embora seja verdade que a alma está mais além de todas as leis físicas, mentais ou morais. Dentro da lei há exceções, além da lei, há liberdade. Também é verdade que a liberdade é natural para a alma; é seu direito de nascimento; a verdadeira liberdade da alma resplandece através dos véus da matéria; a percebemos como liberdade aparente do homem. Em todos os instantes de vossa vida sentis que sois livres. Não podemos viver, falar ou respirar nem um momento, sem sentir que somos livres; mas ao mesmo tempo, se refletirmos um pouco, veremos que somos como máquinas, não livres.

            Qual é a verdade, então? A idéia de liberdade é um engano? Uns sustentam que sim, outros dizem que o engano está na idéia de sujeição. Como acontece isto? O homem é realmente livre; o verdadeiro homem não pode ser senão livre; mas ao vir ao mundo de maia, de nome e forma, fica ligado. Livre arbítrio é um termo inapropriado. A vontade nunca pode ser livre. Como pode sê-lo? A vontade só nasce quando o homem real fica ligado e não antes. A vontade do homem está sujeita, mas aquele em que a vontade se aprofunda, permanece eternamente livre. De maneira que o estado de sujeição que chamamos vida humana ou vida divina, na terra e no céu, persiste em nós a recordação da liberdade, que é nossa por direito divino e consciente ou inconscientemente, lutamos por reconquista-la. Quando um homem alcança sua própria liberdade, como pode estar sujeito a alguma lei? Nenhuma lei neste universo pode sujeita-lo, porque este universo é seu.

            Ele é o universo inteiro, podeis afirma-lo assim, ou expressar que para ele não há universo. Como pode, então, ter todas essas míseras idéias sobre o sexo e sobre o país? Como pode dizer: eu sou homem, sou mulher, sou criança? Não são mentiras? Sabe que são. Como pode dizer que estes são direitos do homem e estes outros direitos da mulher? Ninguém têm direitos; nada existe separadamente. Não há nem homem nem mulher; a alma não tem sexo; é eternamente pura. É mentira dizer: “Eu sou um homem ou uma mulher”, ou “pertenço a este país ou a outro”. Todo o mundo é meu país; o universo inteiro é meu porque me revesti dele, tomando-o como corpo. Na obstante, vemos pessoas aceitando esta doutrina e que, contudo, fazem coisas que bem podemos chamar de sujas; se lhes perguntarmos por que as fazem, nos respondem que estamos enganados e que eles não podem fazer nada de ruim. Qual é a prova pela qual temos de julga-los?

            Veja aqui: Embora ambos, o bem e o mal sejam manifestações condicionadas da alma, a alma é o revestimento externo e o bem é o interno, o mal cerca o homem real, ou seja, o Eu. Salvo que o homem trespasse a capa do mal, não pode chegar ao bem e enquanto não transpasse as duas capas, a do bem e a do mal, não pode chegar ao Eu. A quem alcançou o Eu, que lhe fica aderido? Um pouco de carma, uma pequena porção de impulso da vida passada, mas tudo isso é bom impulso. Até que o mau impulso esteja inteiramente gasto e as impurezas passadas estejam queimadas totalmente, nenhum homem pode ver e realizar a verdade. De maneira que o que fica aderido ao homem que chegou ao Eu e viu a verdade, é o resto de boas impressões da vida passada; vale dizer, o bom impulso. Embora viva no corpo e trabalhe incessantemente, sua atividade é só para o bem, seus lábios pronunciam bênçãos para todos, suas mãos executam boas obras unicamente, sua mente só tem bons pensamentos, onde quer que vá, sua presença é uma bênção vivente. Tal pessoa, com somente sua presença, embora não fale, será uma bênção para a humanidade. Pode tal ser fazer algum mal, pode cometer atos de maldade?

            Existe uma enorme diferença, como deveis recordar, entre realização e mero palavreado. Qualquer tolo pode falar; até os papagaios falam; falar é uma coisa e realizar é outra. As filosofias e doutrinas, os argumentos, os livros, as teorias, as seitas, todas estas coisas são boas a seu modo; mas quando se alcança a realização, todas elas desaparecem. Por exemplo, os mapas são bons, mas quando se percorre ao país e olha depois os mapas, encontra uma grande diferença. Assim também quem realizou a verdade não necessita, para compreende-la, do racionalismo da lógica, nem de toda a ginástica do intelecto. Aquele é, para eles, a vida de suas vidas, concretizada, mais tangível. Como dizem os sábios da vedanta; “é como fruto em vossa mão; podeis levanta-los e dizer: ‘Aqui está’. Assim também quem realizou a verdade, se levantará para dizer: ‘Aqui está o Eu’”. Embora discutais com ele um ano inteiro, sorrirão; considerarão tudo como uma falação infantil e deixarão que a criança continue falando; realizaram a verdade e estão satisfeitos.

            Suponhamos que vistes um país e que vem alguém e trata de argumentar que tal país nunca existiu; poderá argüir indefinidamente sem alterar vossa atitude mental, que será a de que tal indivíduo está pronto para o manicômio. Da mesma maneira o homem que realizou disse: “Toda esta falácia mundana sobre as pequenas religiões é vão palavreado; a realização é a alma, a essência da religião”. A religião se pode realizar, estais preparados para isto, o quereis? Alcançareis a realização se os proporeis e então sereis verdadeiramente religiosos. Enquanto não alcançareis tal realização, não há diferença alguma entre vós e os ateus. O ateu é sincero, mas não o é quem diz que crê na religião e nunca intenta realiza-la.

            A pergunta seguinte é: que vem depois da realização? Suponhamos que realizamos esta unidade do universo, que somos esse Ser Uno Infinito; suponhamos, ademais, que realizamos que este Eu é a existência única, que o mesmo Ser que se manifesta em todas estas formas fenomenais, que nos acontece, então? Temos que ficar inativos, sentados em um canto e morrermos? Que beneficio traria isto ao mundo? Veja esta questão! Em primeiro lugar, por que deveria fazer bem ao mundo? Há alguma razão para isto? Que direito tem alguém de perguntar sobre que beneficio trará isto ao mundo? O que se quer dar a entender com isso? Uma criança gosta de doces. Suponha que estais realizando investigações em relação a algum tema de eletricidade e uma criança pergunta: “Se compra doces com isto?”. “Não”, respondeis. “Então, para que serve?”, responde o menino. Assim os homens se levantam e pergunta: “Que beneficio trará isto ao mundo? Nos dará dinheiro?”. “Não”. “Então, que beneficio terá?”. Isto é o que os homens entendem por fazer bem ao mundo.

            Contudo, a realização religiosa é a que mais bem faz ao mundo. As pessoas temem que quando a alcançarem, quando se derem conta de que há só Uno, se secarão os mananciais do amor, que tudo na vida desaparecerá, que tudo o quanto amem se desvanecerá, por assim dizer, tanto nesta vida como na outra. Nunca se detêm a refletir que quem pensa menos em sua própria individualidade, têm sido os maiores obreiros para o mundo. O homem só ama quando descobre que o objeto de seu amor não é uma coisa vil, pequena, nem mortal; só amam quando compreende que o objeto de seu amor não é um torrão de terra, senão o mesmo e verdadeiro Deus.

            A esposa amará mais o esposo quando pensar que este é Deus; o esposo amará mais a esposa quando souber a mesma verdade. A mãe amará mais aos filhos quando pensar e ver Deus neles; o homem amará seu maior inimigo quando souber que tal inimigo é Deus; o homem amará o santo porque saberá que o Santo é Deus e amará também o homem menos santo, porque saberá que no fundo do mais ímpio dos homens, está o Senhor. Tal homem se converterá em propulsor deste mundo; para ele morrerá o pequeno eu e Deus tomará seu lugar. O universo inteiro ficará transfigurado para ele; o doloroso e mísero se desvanecerá completamente, as lutas cessarão. Em vez de um cárcere, onde lutamos, pelejamos e competimos por um bocado de pão, este universo se converterá, para nós, em um campo de jogo. Belo será, então, este universo! Só um homem assim pode levantar-se e exclamar: Quão belo é este mundo! Só tem o direito de dizer que tudo é bom.

            O grande bem resultante para o mundo de tal realização será que, em vez de continuar a fricção e os choques, quando a humanidade compreender que embora só seja parcial esta verdade, o aspecto do mundo inteiro mudará e em vez de lutas e discussões, teremos o reino da paz; se desvanecerá do mundo a indecorosa e brutal pressa que nos impulsiona a adiantarmo-nos aos demais; desaparecerá para sempre toda luta, todo ódio, toda inveja e todo o mal.  

            Então os deuses na terra e ela mesma se converterão em um céu e que mal poderá existir onde deuses julgam, trabalham e se amam com deuses? Tal é a grande utilidade da realização divina. Tudo quanto vedeis na sociedade ficará mudado e transfigurado; já não pensareis que o homem é mau, o qual é uma grande vantagem; já não lançareis uma olhada depreciativa ao pobre homem ou mulher que haja cometido algum erro. Vós, senhoras, já não olhareis com depreciação a pobre meretriz que de noite percorre as ruas, porque vereis até nela Deus; já não pensareis em ciúme e castigos. Tudo isso de desvanecerá e o amor, o grande ideal do amor, será tão potente que já não serão necessários nem o chicote, nem a corda, para conduzir a humanidade pelo caminho reto.

            Se uma milionésima parte dos homens e mulheres que vivem neste mundo se sentarem, silenciosamente, durante uns minutos por dias e disserem: “Sois todos Deus, vós homens e vós animais e seres viventes. Todos sois manifestações da Deidade única vivente”, o mundo inteiro mudaria em meia hora. Em vez de lançar enormes granadas de ódio por todos os cantos, em vez de chamar correntes de ciúmes e de maus pensamentos, as pessoas em cada país pesariam que tudo é Ele. Ele é tudo o que vedes e sentis. Como podeis ver o mal, a menos que o mal esteja em vós? Como podeis ver o ladrão, se não o levais no coração de vosso coração? Como podeis ver o assassino sem ser vós mesmos o assassino? Sois bons e o mal se desvanecerá para vós. Então mudará o universo inteiro; esta é a ganância maior para a sociedade e para o organismo humano.

            Estas idéias foram pensadas e desenvolvidas na Índia em tempos antigos. Diversas razões, tais como os exclusivismos dos instrutores e as conquistas estrangeiras, impediram que se difundissem. Não obstante, são grandes verdades e onde quer que tenham sido aplicadas, o homem chegou a ser divino. Minha vida inteira eu mudei ao contato de um desses homens divinos, acerca do qual vou lhes falar no próximo domingo. Aproxima-se o tempo em que estas idéias se difundirão por todo o mundo; em vez de estar encerradas em monastérios e em livros de filosofia para serem estudadas pelos eruditos; em vez de ser possessão exclusiva de seitas e uns poucos estudiosos, estas idéias serão semeadas aos quatro ventos, de maneira que venham a ser propriedade comum do sábio e do ignorante. Então impregnarão a atmosfera do mundo e o mesmo ar que respiramos dirá em cada uma de suas pulsações: “Tu és Isso”. E o universo inteiro, com suas miríades de sóis e luas, por meio de tudo o quanto fala, exclamará a uma só voz: “Tu és Isso”.

 

 
   
   
   
   
 

          

           
 


 
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