Livro: Sri Sarada Devi – A Santa Mãe – 1968
Conversações
Coleção Horus
Editora Kier, S.A – Buenos
Aires
Sugestiva
mensagem de força espiritual, fé, devoção e amor para a humanidade toda.
Neste segundo tomo nos aproximamos
mais de Sri Sarada Devi, a Santa Mãe; suas conversações e suas palavras nos
farão sentir intimamente sua presença. As suas palavras, seus conselhos,
esclarecem todas as nossas perguntas e dúvidas. Cheias de ternura e vigor, suas
conversações nos estimulam e atuam como um verdadeiro incentivo. Lendo-as
podemos sentir que a Mãe está conosco. Em seu coração sempre flui o divino
amor; uma gota desse amor é suficiente para nos purificar e
nos livrar de todos os erros, equívocos, ignorância e escravidão que nos
somam às aparências que constituem o mundo.
Como todos os seres muito grandes
no campo espiritual, como as Encarnações Divinas, a Mãe falou na linguagem do
povo, com toda simplicidade e recorrendo a simples relatos e parábolas. Não
condenava ninguém; era a figura da paciência e da simpatia cristalizadas, e
milhares de pessoas, um grande número de mulheres entre elas,
acorreram a Santa Mãe. Todos encontraram a solução de seus problemas, o
modo de corrigir seus erros e o poder de abandonar os maus hábitos.
Radicalmente mudados, progressivamente iluminados, cheios de novos conceitos
acerca do sentido da vida, com renovado ânimo para se dedicar a Deus, seus
filhos se aproximaram mais e mais dela e alguns, muito
afortunados, durante sua própria vida, a reconheceram como Brahmashakti.
Força do Supremo ou Divindade em ação.
A respeito das Encarnações Divinas,
existem duas classes de opiniões; uma, dos racionalistas e a outra, de seus
devotos. Rama, Krishna, Buddha, Jesus Cristo, Ramakrishna foram e são estimados
e, às vezes, venerados por pessoas que opinam que essas grandes personalidades,
por seu próprio esforço humano, escalaram alturas excepcionais; tiveram
extraordinária compaixão e amor para com seus semelhantes; tinham poderes
psíquicos sobrenaturais, fizeram grandes milagres; fundaram escolas religiosas
e conduziram a muitos para uma vida moral, ética e
espiritual. Mas, segundo os racionalistas, todos aqueles que são considerados
como Encarnações Divinas pelos devotos, eram positivamente, seres humanos. Mas
mesmo alguns dos intelectuais que pretendem saber de tudo, por seu prejuízo ou
crença, opinam que, entre estes grandes, há algum melhor que outro, ou melhor que todos os demais!
Os devotos, por sua vez, crêem que
Deus descende. Movido pela compaixão, toma forma humana; fala conosco; sofre na
carne humana para o nosso bem e por sua vida exemplar, nos ensina como
podemos vencer todas as fraquezas e debilidades; como, pela dedicação a Ele,
podemos superar o medo, a vida de apego e a morte. Os devotos também têm suas
razões e sua lógica, baseados em suas próprias experiências íntimas e que estão
mais além de todas essas conjecturas e deduções relativas, que somente procedem
de dados parciais e transitórios. Os verdadeiros devotos são pessoas de
caráter; são verazes, intrépidos e firmes. Disse o devoto: como enumeráveis
mentiras ou mesmo verdades parciais jamais constroem a verdade, assim, milhões
de opiniões errôneas não podem elaborar o conhecimento real. Todo conhecimento
que seja produto do contato de objetos ou idéias com os órgãos dos sentidos,
embora tenha eco em mentes e intelectos afins, é passageiro e mutável. Todo
conhecimento, exceto o proveniente da percepção direta, quando se realiza o
conhecimento de um mesmo como ser e eternamente relacionado com Deus,
pertence à consciência do ego que, normalmente, parece uma bolsa de “pequenos
sujeitos” bem coloridos por distintas impressões. Nossa individualidade não
pode ser homogênea e íntegra; por isso, nosso racionalismo meramente
intelectual, nunca está firme. Ademais, milhares de distintas ações e milhões
de idéias que vão e vem, fazendo-nos dançar constantemente, mantendo-nos em um
estado de perturbação, não nos facilita, em primeira instância, conhecer nossa
natureza real, íntima e logo, poder alcançar a capacidade de sentir que, embora
tivessem formas densas de homens e depois de milhares de anos, contudo aparecem
por Sua própria inexplicável misericórdia, em forma sutil, Rama, Krishna,
Buddha, Jesus Cristo e Ramakrishna eram e são Encarnações Divinas; são as
formas humanas mais puras que o único Deus tomou, segundo a necessidade da
época, para “restabelecer a Eterna Religião” de Amor Puro, Verdade e
Universalismo.
Quem era Sri Sarada Devi? Minha
primeira resposta é que cada leitor, depois de ler os dois tomos, o de sua
biografia e estas “Conversações”, e meditar sobre sua vida e seus ensinamentos,
forme sua própria opinião. Agora, direi minha opinião. Como não posso separar o
sol de sua luz, a água de sua umidade, o fogo de seu poder de
queimar, assim eu não posso separar a Santa Mãe – a Divina Shakti
– de Sri Ramakrishna – a Encarnação Divina. Ouvi dos lábios do Swami
Shivananda que, em certa ocasião, quando Sri Ramakrishna sabia que Seu corpo
iria durar pouco, chamou a Santa Mãe e lhe disse: “Deixo todos em tuas mãos”. A
Mãe quis também deixar seu corpo, mas Sri Ramakrishna insistiu, dizendo: “Desta
vez, tens que trabalhar; o mundo necessita de ti”.
Do mesmo modo que as Encarnações
Divinas, a Santa Mãe tinha o poder de outorgar a salvação. De muitos de seus
filhos ouvi que Santa Mãe, em diversas ocasiões dizia: “Todos os meus filhos
serão salvos”.
Hoje, o mundo moral e espiritual
tem, aparentemente, um aspecto muito pouco alentador. Parece que toda a escória
subiu à superfície e ocultou o puro, cristalino elixir da vida. Parece que o
homem se esqueceu de amar a Deus, a seu próximo, a verdade, a vida de pureza e
dedicação ao Ideal. Mas tudo isso é mera aparência; uma série de aparências
como sombras que passam rapidamente.
Durante séculos o homem, em geral,
foi perdendo a fé em si mesmo e o desejo de se conhecer intimamente, tratando
somente de se convencer que cada um é simplesmente a soma total das opiniões
alheias. O homem afundado na ignorância foi esquecendo que ele mesmo é a
Felicidade; que sua natureza real é a plenitude e buscava, por onde quer que fosse, migalhas de prazeres evanescentes. Esquecendo sua
vida de “Ser” para levar somente uma vida de “parecer” e, assim, ocultando seus
naturais dons de amor, compaixão, inegoísmo, veracidade, vida de controle e
respeito, adquiriu e praticou: arrogância, afã de domínio, egotismo, hábito de
mentir e propensão a levar uma vida licenciosa.
Porém, o afã de continuar uma vida
embasada no ensinamento de idéias relativas ou que não servem ao verdadeiro
progresso, amparado por falsos brilhos de luxo e comodidade, está caminhando
para o fim. Sobretudo a mulher está despertando e se livrando do efeito
produzido pela falsa adoração à sua forma; ela quer ser respeitada. Não somente
deseja saber e participar de tudo o que está relacionado com os aspectos
externos da vida, mas também quer sentir que ela é um Ser e como tal, está
eternamente conectada a Deus. Por seu próprio esforço e dedicação, pelo
discernimento puro entre o que é relativo e o Real, pelo amor limpo de apegos
instintivos, as shaktis de todas as partes do mundo, em lugar de seguir
aceitando que sejam utilizadas, querem ser úteis para o mundo
inteiro.
Segundo meu modo de interpretar os feitos, o mundo necessitava de um exemplo vivente da
mais pura manifestação da mulher e, por isso, descendeu a Divindade e tomou a
forma da Santa Mãe.
Todos os que lerem este livro,
gozarão da viva bênção da Santa Mãe e, se puserem em prática seus conselhos,
ficarão transformados em seus filhos, em seres já próximos a alcançar sua
libertação.
Swami
Vijoyananda
Ramakrishna
Ashrama
Gaspar
Campos 1149
Bela Vista
Buenos
Aires
República
Argentina
Nas páginas seguintes publicamos,
pela primeira vez em inglês, a tradução das conversações da Sri Sarada Devi,
consorte de Sri Ramakrisna, conhecida entre os milhares de devotos do grande
Mestre como a “Santa Mãe”. É quase uma tradução literal de uma obra publicada
em Bengali em dois volumes pelo Swami Arupananda, que serviu e atendeu
pessoalmente a Santa Mãe durante muitos anos. O conteúdo foi tomado de diários
e relatos de seus discípulos, sendo omitidas as partes que, provavelmente,
seriam de pouco interesse para o leitor não iniciado.(1)
(1) Tal como se
publicam aqui, as conversações foram consideravelmente abreviadas, sem
sacrificar nunca, o fundamental ou instrutivo.
A tradução começou há seis anos, a
pedido de uma estudante norte-americana, que desejava conhecer as atividades
diárias dessa mulher hindu, a Santa Mãe, que havia tido tanta influência na
vida espiritual de centenas de saniasines (monges) da Ordem de
Ramakrishna. Gradualmente outros estudantes, ao lerem o manuscrito, mostraram o
mesmo profundo interesse nessa vida singular e extraordinária de Sri Sarada
Devi. Eles também ficaram impressionados pela vida singela e natural daquela
mulher que transformou seus atos diários em culto devocional, que percebeu o
Divino até nas tarefas rotineiras consideradas fastidiosas, que mostrou
cuidadoso afã de uma mãe para oferecer bem-estar aos que buscavam sua
inesgotável ajuda no desenvolvimento espiritual e que atraía a todos pelo
magnetismo de sua imaculada pureza e esse seu amor que nunca buscou
reciprocidade.
Sri Ramakrishna conferiu à Santa
Mãe a mais alta dignidade ao considera-la como
representante da última palavra em perfeição da mulher hindu. Nascida em um
plácido ambiente de uma aldeia da Índia e criada entre aldeões comuns, que nada
sabiam das artes da civilização moderna, no entanto foi considerada, durante
sua vida, como o protótipo acabado e perfeito da mulher da Índia. Pessoas de
todas as esferas sociais a visitavam e se sentiam felizes. Ela viajou muito e
se encontrou com mulheres e homens com os quais a troca de idéias, pelo meio
direto de uma mesma linguagem, era impossível; no entanto, a
aceitavam como guru (mestre espiritual), o qual ensina mais que
com palavras, por sua silenciosa influência. E ela não era um guru do
tipo comum. Sua vida diária se desenvolvia entre o cumprimento incessante de
deveres, não só para com seus numerosos discípulos, mas também para seus
parentes; estes últimos faziam o quanto podiam para encher sua vida de dissabores.
Como exemplo, citaremos um desses parentes: sua sobrinha Radhu. Era uma
deficiente mental a quem, apesar de seus defeitos, a Santa Mãe aceitou
humildemente como um benéfico dom de Deus. Podemos observar que, em meio a
todas essas provas e tribulações e também dos mal-estares próprios das doenças
que sofreu nos últimos anos, ela continuava firmemente estabelecida num estado
de serenidade e contentamento, o que demonstra sua constante comunhão com o
manancial da felicidade interior.
Durante os anos em que cumpriu sua
missão espiritual, mostrou tanta desenvoltura e naturalidade, força e
sabedoria, porque estes anos haviam sido precedidos por outros de austeras
disciplinas espirituais cumpridas durante a vida de Sri Ramakrishna e depois de
seu desaparecimento. Ramakrishna, para ela, era Deus encarnado em forma humana.
As conversações da Santa Mãe serão
uma revelação para os leitores da Índia, assim como também para os do Ocidente.
Para a mulher hindu, sua vida sinalizou a derrota,
a seguir em sua etapa atual, para alcançar, no futuro, uma elevada posição
dentro da sociedade. E a mulher de qualquer parte do mundo saberá que a Índia
respeitou sempre a mulher como manifestação da Divina Shakti (Energia
Divina) e que o segredo de seu poder reside em considerar todos os homens como
seus próprios filhos, filhos cuja mais elevada homenagem a render à mulher, é
reconhecer nela sua divindade.
Pela contemplação da vida da Santa
Mãe, a mulher ocidental aprenderá que, para ser igual ao homem e ser por ele
respeitada, não tem que imitar suas aventuras, nem competir cruamente em todas
as atividades da vida. Porque a mulher foi agraciada com certas qualidades
inatas, que são sua herança divina. A doçura não
denota falta de coragem, nem a simplicidade, falta de sabedoria. Ela leva sua
cruz, como a leva todo verdadeiro homem, para a redenção de todos. Tanto o
homem como a mulher, pelo cumprimento de seus respectivos deveres, alcançam a
mais alta perfeição. Todos os caminhos da vida desembocam no horizonte infinito
da Divindade.
Swami
Nikhilananda
Centro Ramakrishna – Vivekananda
Nova Yorque, EE. UU.
Fevereiro, 14 de 1939.
CAPÍTULO I
(Tirado das páginas
de um diário escrito por uma discípula)
CASA DE
UDBODHAN – KOLICATA (CALCUTÁ)
Numa sexta-feira pela manhã, Sriman
K. veio a minha casa, no bairro de Patalgana, em
Calcutá e disse-me: “Amanhã à tarde iremos a Baghbazar para saudar a Santa Mãe.
Prepare-se com tempo”. Finalmente, teria a boa fortuna de prostrar-me aos pés
da Santa Mãe! Tão grande era minha alegria, que quase não dormi durante toda a
noite. Fazia quatorze ou quinze anos que eu vivia em Calcutá. Depois de tanto
tempo a Mãe, por sua graça, me concedia a oportunidade de apresentar-lhe meus
respeitos.
No dia seguinte à tarde, alugamos
uma carruagem e fomos buscar Sumati na escola Brahmo para senhoritas e nos
dirigimos à casa da Santa Mãe, em Baghbazar. Seria difícil descrever a
ansiedade e o fervor que sentia durante esta peregrinação. Ela estava de pé na
porta do templo de Baghbazar. Não tinha véu em sua cabeça. Pela maneira de
olhar, parecia que esperava alguém. Eu me prostrei a seus pés
e ela, em seguida, inquiriu Sumati acerca de mim. Sumati, que visitava a
Santa Mãe desde algum tempo, me apresentou como sua irmã mais velha. A Mãe,
dirigindo-se a mim, disse: “Olha, filha, quantos incômodos me ocasionam esta
gente daqui! Minha cunhada e sua filha Radhu, estão com febre. Queres esperar
um minuto? Vou lavar meu shari e volto”. Esperamos e depois de alguns
minutos, voltou. Logo me deu um punhado de doces e me disse que eu repartisse
com minha irmã. Como Sumati teria que voltar à escola, não ficamos
mais tempo. Nos despedimos e a Mãe nos disse: “Venham
outra vez”. Esta entrevista de cinco minutos não pôde saciar esse desejo pouco
comum nascido em meu coração. De maneira que voltei ao meu lugar com a alma
mais sedenta que antes.
12 de
fevereiro de 1911
Hoje fui à Casa de Udbodhan e me
inteirei que a Santa Mãe havia ido à casa de Balaram Bose. Ela regressou logo.
Tão logo a saudei, perguntou-me sorrindo: “Quem está te acompanhando hoje?”.
Respondi: “Um de meus sobrinhos”.
Mãe: Como te sentes hoje?
Como está tua irmã? Deixaste passar muito tempo sem vir. Estava preocupada
contigo e pensei que poderias não estar bem.
Fiquei surpresa, porque ela havia
me visto só uma vez, por uns poucos minutos; mas não nos havia esquecido.
Brotaram em meus olhos lágrimas de alegria.
A Mãe disse com grande ternura: “Tu
estavas aqui e eu me sentia intranqüila na casa de Balaram”.
Eu estava muito emocionada. Minha
irmã Sumati me havia dado dois gorros de lã para Radhu, a sobrinha da Santa
Mãe. Apesar do pouco valor, os entreguei e a Mãe ficou muito contente.
Sentou-se na cama e me disse: “Sente-se ao meu lado”. Assim eu fiz. Com muita
ternura, a Mãe me disse: “Filha, parece como se já te tivesse visto muitas
vezes antes de agora e que nos conhecemos há muito tempo”. Respondi: “Não sei;
eu estive aqui somente uma vez, por uns poucos minutos”.
A Mãe sorriu e começou a elogiar
muito minha devoção e sinceridade e a de minha irmã. Mas eu não sei até que
ponto mereço tais apreciações. Em pouco tempo, foram
chegando muitas devotas. Com desejosos olhares, contemplavam o rosto sorridente
e compassivo da Santa Mãe. Eu nunca havia visto antes cena semelhante. Minha
mente estava deleitando-se em gozo espiritual, quando alguém me lembrou que
havia chegado o coche que devia levar-me de volta a minha casa. Em seguida, a
Mãe levantou-se e me ofereceu prasad. Disse-me: “Come isto!”. Eu sentia
vergonha de comer sozinha, na presença de outras pessoas, mas a Mãe falou: “Por
que vacilas? Toma estes doces”. Eu tomei a oferenda em minhas mãos e,
inclinando-me com reverência, me despedi. Ela me disse: “Vem novamente. Podes
descer só ou queres que te acompanhe?”. Acompanhou-me até a escada. Eu disse:
“Posso descer sozinha; não se incomode”. Ao despedir-se, a Mãe disse-me: “Vem
outro dia, pela manhã”. Eu regressei com uma sensação de plenitude e pensei:
“Que maravilhoso amor!”.
14 de
março de 1911
Ao prostrar-me hoje diante da Santa
Mãe, ela disse-me: “Que bem fizeste em vir! Todo este tempo estive pensando em
ti. Por que não viestes nestes dias?”.
Devota: Não estava em
Calcutá. Estive na casa de meu pai.
Mãe: Que se passa com
Sumati? Faz tempo não aparece por aqui. Está muito ocupada com seus estudos?
Devota: Seu marido está
ausente.
Mãe: Sumati vai a escola. Cumprem eles seus deveres para com o mundo?
Devota: Mãe, nós não sabemos
o que é realmente o mundo e quais são seus deveres. Somente a senhora sabe
disso.
A Mãe sorriu e disse: “Que dia
quente!”, e me deu um abano. Ah! Querida, tu comes muito depressa e vem aqui
correndo. Recosta-te agora ao meu lado”.
Puseram um colchão sobre o piso. Eu
estava indecisa, mas a Mãe disse-me: “Por que titubeias? Recosta-te! Faça o que
te digo!”. Tive que faze-lo. Parecia que a Mãe estava
para dormir e eu guardei silêncio. Chegaram algumas devotas e duas monjas. Uma
das monjas era mulher de idade e a outra, jovem. Com os olhos fechados, a Mãe
disse: “Quem chegou? Gauridasi?”. A moça jovem disse: “Como sabes,
Mãe?”. A Mãe disse que o sentia. Depois de uns minutos, sentou-se. A monja
jovem disse: “Tivemos no Monastério de Belur. Swami Premananda nos deu de comer
magnificamente. Quando o swami está ali, ninguém nunca sai sem antes ter
comido assim”. A Mãe repreendeu suavemente a uma das devotas por não levar a
sua frente a marca vermelha que toda mulher casada
deve levar enquanto vive com seu esposo (1).
(1) Esta
distingue a mulher casada da solteira e a viúva.
Gauri-Ma,
a quem a Mãe havia falado de mim, convidou-me a ir a sua escola, onde
freqüentavam umas sessenta mulheres. Perguntou-me se sabia costurar. Disse-lhe
que sabia algo e me pediu que ensinasse o que sabia às estudantes do ashrama.
Com permissão da Santa Mãe, certo dia visitei a escola de Gauri-Ma. Foi muito carinhosa
comigo e pediu-me que comparecesse a escola todos os
dias, por uma ou duas horas, para ensinar as moças. Eu contestei: “É um absurdo
que eu possa fazer-me de professora, com minha pouca capacidade. Mas se a
senhora insiste, posso ensinar as meninas o alfabeto”. Gauri-Ma se manteve
inflexível e tive que aceitar.
Um dia, na saída da escola da
Gauri-Ma, fui ver a Santa Mãe. Era verão e sentia-me
muito cansada. A Mãe estava sentada em seu quarto, rodeada de um grupo de
devotas. Logo que me prostrei ante ela, olhou-me e, em seguida, tomou um
pequeno abano que estava sobre o mosquiteiro. Começou a abanar-me e disse
solicitamente: “Tire a blusa e estarás mais fresca”. Que amor sem precedentes!
Começou a acariciar-me diante de todas as devotas. Senti vergonha. Todos os
olhos estavam fixos em mim. Vendo sua preocupação, tive que tirar a blusa.
Pedi-lhe o abano, mas ela continuou abanando-me e disse com grande ternura:
“Está bem. Refresca-te um pouco”. Trouxe-me um copo d’água e alguns doces.
Estava feliz a ver-me comer. Como o coche que me havia trazido da escola estava
me esperando, tive que me ir em seguida.
3 de agosto de 1911
Nesta manhã, fui cedo a Baghbazar.
Tinha o desejo de receber neste dia a iniciação da Santa Mãe, de maneira que
levei algo como oferenda, com esse propósito. Gauri-Ma me indicou a oferenda
que devia levar e me acompanhou. Quando cheguei, vi que a Mãe estava absorta em
adoração. Por sinais, indicou-me que me sentasse. Quando terminou o culto,
Gauri-Ma tocou no assunto de minha iniciação. Eu também havia falado do mesmo á
Mãe, em outra ocasião. Havia levado algumas bananas de boa qualidade; ao ver as
frutas, mostrou-se satisfeita e disse: “Ah! Vejo que trouxe muitas bananas”. Um
dos monges presentes expressou seu desejo de comer uma. Logo, ela disse: “Tomes
esse tapete e sente-se a minha esquerda”. Eu repliquei: “Ainda não tomei meu
banho no Ganges”.
Mãe: “Não importa. É
suficiente que hajas trocado tua roupa”.
Sentei-me ao seu lado. Meu coração
batia aceleradamente. A Mãe pediu aos presentes que saíssem da habitação e logo
disse: “Agora, diga-me que mantram te foi revelado durante um
sonho?”.
Devota: Devo dizer ou
escrever?
Mãe: Podes
dize-lo a mim...
No momento da iniciação, a Mãe
explicou-me o significado do mantram que havia recebido nesse sonho. No
princípio, me pediu que repetisse o mantram e logo me deu um novo mantram.
Sua instrução foi de que devia repetir o primeiro mantram e depois,
seguir com o segundo, a meditar.
Antes de explicar-me o mantram,
vi que a Mãe ficou absorta em meditação por uns minutos. No momento da
iniciação, todo meu corpo começou a tremer e comecei a chorar sem motivo algum.
A Mãe colocou a minha frente uma grande marca vermelha, de pasta de sândalo.
Dei-lhe umas poucas rúpias para as oferendas que se faziam no templo e ela as
entregou a Golap-Ma.
Notei que a Mãe apresentava um
aspecto muito grave durante a meditação. Logo se levantou, deixando o lugar do
culto. Pediu-me que repetisse o mantram por certo tempo e que meditasse
e orasse. Assim o fiz. Quando me prostrei a seus pés,
bendisse-me com essas palavras: “Que possa alcançar devoção a Deus!”. Mesmo
agora recordo aquelas palavras e rogo a ela: “Recorda tua bênção. Que não me
veja privada de seus efeitos”.
A Santa Mãe ia tomar seu banho no
Ganges. Golap-Ma a acompanhou. Eu também me uni a elas, levando a toalha e o shari
da Mãe. Chuviscava. Quando terminou seu banho, a Mãe deu ao sacerdote que
estava no ghat (escadas para descer ao rio ou tanques), uma moeda e uma
manga (fruta). Ao oferecê-las, disse: “De dou esta frutas, mas é o fruto
dessa oferenda que você desfrutará”. Ah! O sacerdote dificilmente poderia
imaginar quem lhe havia feito a oferenda! Dificilmente compreenderia o
significado dessas palavras! Tampouco nós podíamos sabe-lo,
pequenas criaturas que somos, atormentadas por milhões de pequenos desejos
egoístas!
A Santa Mãe trocou-se e deu-me para
levar sua roupa molhada. Golap-Ma caminhava adiante; a Santa Mãe a seguia e eu
ia atrás. A Mãe levava água do Ganges em uma pequena jarra e como oferenda,
lançou um pouco dela aos pés da cada baniano que beirava o caminho.
Perto da torneira da cisterna, na andar térreo da
casa, havia um vaso cheio de água. A Mãe lavou seus pés com a água e disse-me:
“Teus pés estão enlameados; lava-te”. Como eu buscara água, disse-me: “Há água
no vaso. Por que não a usas para lavar-te?”. “A água foi tocada pela senhora,
como posso usa-la?” – disse – não desejando faze-lo (1). “Borrife
um pouco sobre tua cabeça” – replicou a Mãe. Eu vacilei e disse: “Não posso
usar essa água”. Levei outra jarra de água para a cisterna e lavei as mãos e os
pés. A Mãe me aguardou todo esse tempo. Logo subimos ao primeiro andar. Ela pôs
alguns doces e frutas sobre as folhas que haviam de vez em quando no prato e
pediu-me que me sentasse ao seu lado. Com grande ternura me pediu prasad,
do qual também ela comeu.
(1)
Segundo os costumes hindus, a água que foi tocada por
alguém a quem se reverencia, não pode ser usada para lavar os pés.
Pouco a pouco foram chegando as devotas. Eu não
as conhecia. Vinham almoçar com a Mãe e depois de se fazer o culto, todas nos
sentamos para comer. Também a Mãe ocupou seu lugar. Comeu três porções e me deu
um pouco de prasad, o qual também foi repartido entre as demais. Então a
Mãe retornou a seu estado habitual, mostrando-se novamente alegre. No momento
da iniciação, sua disposição de ânimo havia sido completamente diferente: grave
e introspectiva. Parecia uma verdadeira deusa, disposta a conceder dons ou
castigar a iniqüidade. Eu tremia, sacudida por reverente temor. Mais tarde, em
outras ocasiões, a vi dar iniciação a muitas devotas,
mas nunca a havia visto assumir um aspecto tão grave. Sorridente e alegre, a vi iniciar muitas pessoas, as quais também se mostravam
satisfeitas e felizes. Atormentada pela curiosidade, perguntei a algumas
devotas como se mostrava a Mãe durante a iniciação. Uma viúva de idade madura,
disse-me uma vez: “Tal como a vemos sempre; não notei diferença. Eu havia sido
iniciada pelo guru de minha família. Logo ouvi falar da Santa Mãe e vim
pedir sua iniciação. Disse-me que repetisse dez vezes o mantram que
havia recebido do preceptor de minha família. Logo me iniciou, indicando-me que
Sri Ramakrishna fosse meu guru e assinalando uma deidade, disse que era meu ishtam
(aspecto Ideal da Divindade). Seguidamente ensinou-me esta oração a Sri
Ramakrishna: “Oh! Senhor, liberta-me de todos os
pecados cometidos nesta e em minhas vidas anteriores!...”,
e outras orações deste gênero. Mas atualmente, estou muito intranqüila. Pode-me
explicar a senhora, a razão? Não posso repetir o mantram mais de meia
hora; parece que alguém me empurra do assento. Sente a senhora também a mesma
coisa? No entanto, tenho o propósito de falar sobre isso a Mãe. Mas não posso
faze-lo. A senhora tem mais intimidade com ela. Acaso a Mãe me enganou?”. Eu
não tinha o desejo de conhecer todos os detalhes, mas a senhora disse tudo isso
com muita franqueza. Disse-lhe, então: “Abra seu coração à Mãe. No princípio,
pode ser que sinta temor, mas pouco a pouco sentirá mais confiança. Mesmo nós,
no principio nos sentíamos muito cômodas na sua presença. Mas agora, ela se põe
tão séria que não podemos nos aproximar”.
Ao entardecer, uma a uma as devotas
foram se despedindo da Mãe. Ela pediu às suas sobrinhas que meditassem ou
rezassem. Como não de decidiam, disse com desgosto: “Já escurece. Em vez de
meditar, estão tagarelando!”. Golap-Ma, Yoguin-Ma e outras devotas se
prostraram a seus pés. Ela abençoou a todas, pondo
suas mãos sobre suas cabeças, tocando-lhes o manto ou beijando-os. Inclinou-se
logo ante a imagem de Sri Ramakrishna e sentou-se a meditar. Terminada a
meditação, despedi-me dela e fui para casa.
Por alguns dias, não pude visitar a
Santa Mãe, devido as inumeráveis tarefas que tinha que
cumprir na escola. Quando fui vê-la, em seguida começou a expressar seu amor de
muitas maneiras. Bhudev estava lendo o “Mahabharata”. Era só um menino e não
sabia ler com fluidez. A Mãe tinha que atender a seus deveres. Já escurecia.
Disse a Budev, indicando a mim: “Dá o livro a ela. Lerá mais facilmente. A
leitura não deve ser deixada antes de terminar esse capitulo”. Era sua ordem,
assim comecei a ler o ‘Mahabharata’. Nunca havia lido antes um livro ante sua
presença. No princípio, senti certa timidez, mas de qualquer modo terminei o
capítulo. Juntando suas mãos, a Mãe fez uma reverência ao livro. Fomos ao
templo para tomar parte do culto vespertino. A Mãe se sentou no lugar de
costume e logo ficou absorta em meditação.
A Mãe completou seu yapam pronunciando
o “nome de Deus” em voz alta e se prostrou ante a imagem de Sri Ramakrishna.
Logo deu a todas uma porção do prasad. Depois a
conversa girou para o tema de nossos deveres diários. Fazendo referência à vida
muito ocupada que levou em Yairambati, a Mãe nos aconselhou que nos
mantivéssemos sempre ocupadas em um ou outro trabalho, porque isso dava saúde
ao corpo e a mente.
Vivendo o bem mesmo no mal
Justamente em um terreno baldio que havia em frente à casa da Santa Mãe, viviam umas pessoas que eram de outra parte da Índia, que não era de Bengala. Ganhavam sua vida fazendo duros trabalhos manuais. Um deles tinha uma concubina. Viviam juntos. Certa vez, a concubina caiu seriamente enferma. Referindo-se a sua enfermidade, a Santa Mãe disse: “Com quanta devoção ele cuidou dela! Nunca vi algo parecido. Demonstrou verdadeiro espírito de serviço”. E seguiu falando, em tom elevado, da devoção deste homem.
Isto que havia acontecido com a
concubina nos chocou e desgostou. Ah! Quão somos incapazes de reconhecer a
bondade, quando nos aparece velada com a aparência do mal!.
Uma pobre aldeã, que vivia em
frente, foi ver a Santa Mãe, levando um filho doente em seus braços. Pediu-lhe
sua bênção e a Mãe mostrou uma grande compaixão por essa criança. Disse que
logo se curaria e o abençoou. Duas grandes romãs e uns ramos de uva haviam sido
oferecidos ao templo. Todas essas frutas foram entregues a pobre mulher,
dizendo-lhe: “Dê a seu doentinho”. A mulher estava cheia de alegria ante a
generosidade da Mãe e se inclinou muitas vezes, saudando com reverência.
11 de
fevereiro de 1912
Hoje, quando fui saudar a Santa
Mãe, enquanto me sentei, começou a dizer-me com grande pesar: “Ai! Guirish Babú
está morto. Hoje faz quatro dias. Seus parentes me convidaram para ir a sua
casa, mas é possível para mim, voltar ali? Quanta fé e
devoção tinha Guirish Babú em Sri Ramakrishna! Ouviu isto? Rogava a Sri
Ramakrishna que nascesse como filho dele e Thakur (Sri Ramakrishna) disse-lhe:
‘Por que hei de preocupar-me em nascer como teu filho?’. Mas quem conhece,
filha minha, os inescrutáveis modos de atuar do Senhor! Certo tempo depois que
Sri Ramakrishna deixou seu corpo, nasceu um filho de Guirish. Era um menino
estranho de verdade! Havia chegado a idade de quatro anos e nunca havia trocado
uma palavra com ninguém. Só se fazia entender por sinais. Seus pais consideravam
que o filho era Sri Ramakrishna. Guardavam aparte tudo o que lhe pertencia:
seus vestidos, pratos, taças, vasos, etc. Nada, fora disto, ele usava!”.
“Um dia, o menino mostrava grande
ansiedade por ver-me. Havia uma fotografia minha no primeiro andar da casa.
Levou ali a todos os da casa e dando um grito, apontou minha fotografia. No
princípio, não compreenderam o que queria. Logo me trouxeram ali. Embora fosse
um menino de apenas quatro anos, prostrou-se ante mim. Depois, sob a escada,
aproximou-se de seu pai e ele disse: ‘Eu não posso, querido, ver a Santa Mãe.
Eu sou um grande pecador’. Mas o menino se mostrou inexorável; e Guirish teve
que ceder. Tomou o menino em seus braços e com o corpo tremendo de emoção e com
lágrimas correndo por sua face, subiu e se prostrou diante se mim, dizendo:
‘Mãe, esta criatura me fez ver seus santos pés!’. Mas,
na idade de quatro anos, o menino morreu”.
“Certa vez, Guirish e sua esposa
estavam tomando ar fresco no terraço de sua casa. Eu estava passando uns dias
na casa de Balaram. As duas casas estavam próximas. Naquele dia, eu também subi
ao terraço. Não me dei conta de que Guirish podia ver-me do seu terraço. Sua
esposa lhe disse: ‘Olha, a Santa Mãe está passeando no terraço daquela casa’.
Imediatamente Guirish deu a volta e disse a sua esposa: ‘Não, não; eu não posso
olhar a Santa Mãe furtivamente. Meus olhos são viciosos!’.
Em seguida deixou o terraço. Isto me contou a esposa”.
15 de
junho de 1912
A Santa Mãe estava sentada em companhia de
algumas devotas. Eu conhecia algumas entre elas. A Mãe estava muito alegre em
minha companhia. Deu-me as boas-vindas com um sorriso. Pedi a Gauri-Ma que
trouxesse os livros da biblioteca; um sobre a vida de Sister Nivédita e outro,
com as conferências pronunciadas na Índia por Swami Vivekananda. Eu desejava
ler algo acerca da vida de Sister Nivédita. A Mãe assentiu e disse: “Por favor,
leia a vida de Sister Nivédita. Eu também recebi este livro há muitos dias, mas
não o abri”. Sentia-me um pouco coibida ao ter que ler diante de tanta gente.
De minha parte, tinha muito desejo de ler a Mãe na parte da biografia, escrita
por Saralabala. Assim, cumpri com o agrado seu pedido. A Mãe e as outras
devotas, começaram a escutar com enlevada atenção.
Seus olhos se umedeceram ao ouvir o que dizia acerca da maravilhosa devoção de
Nivédita. Pelas faces da Mãe, iam deslizando as lágrimas. Disse: “Quão sincera
era a devoção de Nivédita! Sempre considerava pouco tudo o que fazia para mim.
No entanto, vinha ver-me todas as noites. Vendo que a luz feria meus olhos, a
suavizava, pondo um papel ao redor da lâmpada. Prostrava-se ante mim e muito
ternamente, tirava o pó de meus pés com seu lenço. Eu sentia que ela quase não
ousava tocar meus pés”. A recordação de Nivédita abriu a comporta de sua mente
e logo a Mãe assumiu um aspecto grave.
As devotas
presentes começaram a relatar suas reminiscências de Sister Nivédita.
Durga-Didi disse: “Tem sido um infortúnio para a Índia que ela tenha-se ido em tão precoce idade”. Outra disse: “Considerava a Índia
como sua própria pátria. Ela mesma disse isso muitas vezes. No dia de Sarasvati
Puya, costumava caminhar descalça, marcando sua frente com as sagradas
cinzas do fogo aceso para o sacrifício”. Eu terminei a leitura. A Mãe, a
intervalos, expressava seu sentimento para com Sister Nivédita. No final,
disse: “O intimo da alma percebe a sinceridade do devoto”.
Já era hora para o culto
vespertino. A Mãe trocou sua roupa e sentou-se sobre um tapete, diante da
imagem de Sri Ramakrishna. Com suas próprias mãos, havia feito guirlandas de
flores para decorar a imagem. Rash Behari, um jovem brahmachari, havia
posto, perto das guirlandas, uns doces para serem ofertados. Sobre os doces,
juntaram-se formigas, que também subiram pelas guirlandas. A Mãe disse, rindo:
“Olhem o que fez Rash Behari! As formigas vão picar Sri Ramakrishna”. Tirou as
formigas e, ternamente, adornou sua imagem com as guirlandas. Vendo-a como
decorava com flores o retrato de seu consorte diante de outras pessoas,
Surabala, sua cunhada, riu. Mais tarde distribuiu-se, entre todas,
o prasad.
(1) Esta é a cunhada da Mãe, que era mentalmente insana e figura nestas conversações. No primeiro tomo, “Sri Sarada Devi – A Santa Mãe”, que contém a biografia da Mãe, faz-se referencia a ela.
Sobre a educação e matrimônio das jovens.
Uma senhora, entre as presentes, disse: “Mãe, eu tenho cinco filhas e não posso
encontrar maridos convenientes para elas. Isso me tem preocupado”.
Mãe: Por que se aflige tanto
pelo casamento delas? Se não podes achar bons maridos, pode
manda-las à escola de Sister Nivédita. Ali serão educadas, instruídas e
se sentirão muito felizes.
Outra devota: Se a senhora
tem fé na Santa Mãe, então faça o que ela lhe pede. Será para o teu bem. Se
segue seu conselho, não terá motivo de aflição.
Não é necessário dizer, a mãe das
cinco moças dificilmente poderia apreciar o conselho.
Uma terceira devota: É muito
difícil encontrar, hoje em dia, maridos que tenham os requisitos desejados.
Muitos jovens não querem casar-se.
Mãe: Sim, os rapazes aprenderão
a discernir. Pouco a pouco se darão conta que a felicidade do mundo é
transitória. Quanto menos alguém se apega ao mundo, tanto mais se desfruta da
paz mental.
Era já bastante tarde quando me
despedi da Mãe, naquela noite.
Outro dia, fui a Beghbazar e
encontrei a Mãe descansando depois do almoço. Imediatamente, como se estivesse
falando consigo mesma, disse: “Bem, todas as senhoras estão aqui. Mas onde está
Sri Ramakrishna?”. Eu disse, como uma resposta: “Não podemos nos encontrar com
Ele nesta vida. Quem sabe em qual de nossas vidas futuras o veremos? Porém,
para nós, a maior fortuna que pudemos ter, foi ter tocado seus pés”. Sua breve
resposta foi: “Isso é realmente certo”. Fiquei surpresa, pois ela raramente
falava dessa forma, ao referir-se a si mesma.
Naquele tempo, dificilmente eu
chegava a compreender que podia haver gente que necessitava confiar seus
segredos a Santa Mãe. Por isso, quando a encontrava em sua casa, a buscava por toda casa; não podia esperar até que ela
voltasse. Numa tarde, duas formosas jovens estavam fazendo certas confidências
à Santa Mãe, na galeria do lado norte de sua habitação, quando eu, que a
procurava, repentinamente apareci ali. A Mãe lhes dizia: “Depositem ante Sri
Ramakrishna as aflições que magoam suas mentes. Contem a Ele todos os seus
pesares, com lágrimas nos olhos. Verão como Ele porá em vossos braços, o objeto
desejado”. Compreendi, em seguida, que estas senhoras imploravam sua bênção
para ter filhos. Ao ver-me, ficaram desconcertadas. Meu estado mental ficou ainda pior. Mas
naquele dia aprendi uma grande lição. Fiz voto de que, daquele dia em diante,
nunca me apresentaria ante a Santa Mãe, sem adverti-la de minha chegada. Uns
poucos meses depois, vi novamente aquelas senhoras na
casa da Santa Mãe. Alegrei-me de saber que o que elas esperavam, iria
cumprir-se em breve.
Gauri-Ma estava ali presente. A
nosso pedido, nos falou de algumas lembranças suas de Sri Ramakrishna. Disse:
“Por longo tempo eu visitava Sri Ramakrishna, muito antes que Seus devotos chegassem
a Ele. Vi Naren (Swami Vivekananda) e Kali, quando eram muito jovens”. Estava
entardecendo. A conversa teve que se abreviar. Gauri-Ma se despediu da Santa
Mãe. Eu também tive que ir. No momento de sair, a Mãe chamou-me na galeria e
deu-me prasad. Disse-me: “Volta. Tu nunca ficas aqui muito tempo. Vem
uma manhã às sete horas e fica aqui para almoçar”.
8 de setembro de 1912
Eu estava ocupada com certo
trabalho na escola para moças de Gauri-Ma. Por essa razão, não podia ir ver a
Santa Mãe, apesar de meu desejo. Fui vê-la numa manhã cedo. Era um dia
propício. Ela estava preparando-se para tomar um banho no Ganges. Quando me
viu, disse-me com evidente júbilo: “Alegra-me que tenhas vindo. Hoje é o
aniversário de Radhika. Este é um dia muito propício. Espera-me voltar do
Ganges”. Eu expressei meu desejo de acompanha-la e,
primeiramente, ela assentiu. Estava chovendo e Golap-Ma se opôs firmemente que
eu fosse me molhar. A Mãe apoiou Golap-Ma, dizendo: “Espera aqui. Voltarei em
seguida”. Notávamos que seu comportamento era como de uma amável jovenzinha.
Nunca fazia pressão para que seu ponto de vista prevalecesse sobre o dos
demais. Tão logo ela saiu a rua, deixou de chover.
Quando voltou de seu banho, disse: “Bom, já viram que a chuva parou quando pus
os pés na rua. Tu desejavas acompanhar-me; eu pensei que lindo teria sido,
assim tu poderias contemplar o sagrado Ganges”. Para dizer a verdade, eu não
tinha tanto desejo de ver o Ganges como o de desfrutar de sua santa companhia,
pois, envoltos como estamos em mil e um deveres mundanos, apenas podemos achar
o tempo necessário para visitá-la. E naqueles poucos dias em que podemos, afortunadamente ir vê-la, não gostamos de ficar
longe dela nem sequer um só minuto. Golap-Ma ouviu as palavras da Santa Mãe e
disse: “Que importa que ela não foi ver o Ganges? Só
de tocar teus santos pés, todos os desejos se cumprem”. Eu assenti com um
gesto, a estas palavras. Mas, num instante, a Mãe replicou: “Não digas isto!
Ah” É a Mãe Ganges depois de tudo!”. A Mãe raramente,
por suas palavras e ações, revelava sua divina grandeza. Sempre agia de modo
que as pessoas a considerassem como um ser humano comum, semelhante aos demais.
Só em muitas poucas ocasiões, concedia sua graça a alguns afortunados devotos,
revelando-lhes seu aspecto divino. Entrou em sua casa, sentou-se sobre a cama e
disse: “Olha, terminei meu banho no Ganges!”. Senti
que ela havia chegado a conhecer meu mais íntimo desejo de adorar o loto de
seus pés. Pensei, em meu interior: “Tu és sempre pura. Não é
necessário, para ti, banhar-se no Ganges para se purificar”. Quando
sentei-me a seus pés, com flores e a pasta de sândalo, disse-me: “Não ponhas
folhas de tulasi, se trouxeste algumas”. Adorei a seus pés, com flores e
pasta de sândalo, prosternando-me. Depois ela começou a tomar seu
café-da-manhã. Fez-me sentar ao seu lado e com infinito amor, foi dando-me a
metade de cada coisa que comia. Comi o prasad com grande satisfação. Ao
comer na folha que havia, às vezes, no prato, recordei o santo Durga Charan Nag
e disse a Santa Mãe: “A folha me faz recordar com freqüência a Nag Mahasaya”.
Mãe: Que maravilhosa devoção
tinha! Olha esse prato de folha seca. Quem poderia comê-lo? Mas ele tinha uma
enorme devoção e comia a folha só porque havia tocado o prasad. Ah! Que
expressão de divino amor tinha seus olhos! Sempre avermelhados e umedecidos
pelas lágrimas! Quando vinha aqui, apenas podia subir as escadas. Pelas
tremendas austeridades, seu corpo tremia como uma folha, e seu passo era vacilante. Nunca vi em ninguém tamanha devoção.
Devota: Eu li em sua
biografia que abandonou sua profissão de médico e que passava absorto dia e
noite meditando em Sri Ramakrishna. Um dia, o pai, com desgosto, lhe disse: “És
tão indiferente pelo mundo que qual será sua sorte? Não terás um pedaço de pano
com que cobrir teu corpo? E para aplacar a fome, terás que comer sapos!”. Havia
um sapo morto no pátio. Nag Mahasaya desnudou-se, atirou ao lado sua roupa e
comeu o sapo. Logo disse a seu pai: “Foram cumpridos teus dois presságios.
Desterra toda a ansiedade a respeito de comer e vestir, e dedica teu pensamento
a Deus”.
Mãe: Que maravilhosa devoção
para com seu pai! Ele não via nenhuma diferença entre o puro e o impuro. Isto
demonstra sua elevada realização espiritual.
Devota: Certa vez, em um dia
muito propício, voltou a sua casa depois de ter estado em Calcutá. O pai o
repreendeu, dizendo-lhe: “Tu estavas em Calcutá, perto do Ganges. Que
insensatez de teu pai ter voltado a casa, afastando-te do Ganges em um dia como
este! Deverias ter ficado em Calcutá e ter-se banhado no rio sagrado”. Mas
aquele dia, justamente no momento mais propício, todos viram que o pátio
começou a brotar água, como de um manancial, inundando todas as coisas. Nag
Mahasaya, louco de êxtase, exclamou: “Vem, Mãe Ganges!”, e jogava água sobre
sua cabeça. As pessoas da localidade se banharam naquela água e se sentiram
como se tivessem se banhado no Ganges.
Mãe: Na verdade, pela
devoção até o impossível se faz possível. Uma vez, dei-lhe um pedaço de tecido.Sempre costumava leva-lo atado ao redor da cabeça.
Sua esposa também era muito boa e devota. Durante o verão, veio ver-me. Ela é
viva, todavia.
Chegaram algumas devotas e a
conversa não pôde seguir. As devotas se prosternaram ante a Mãe. A Mãe pediu-me
que trouxesse alguns rolos de folhas de betel. Preparei dois e o
entreguei; comeu um e me devolveu o outro; e eu fui preparar o resto das folhas
de betel. Depois de um instante, a Mãe com dois devotos vieram a casa
onde eu estava e começaram a me ajudar, terminando o trabalho muito rápido. A
Mãe separou algumas folhas para oferecer, mostrando-se muito feliz e dizendo:
“Oh! Minhas boas meninas terminaram o trabalho tão rápido!”.
A Santa Mãe retirou-se da casa de
Golap-Ma, no segundo andar. Fui ali uns minutos depois e vi que estava descansando
sobre o piso, com a cabeça apoiada no umbral. Por isso, não me atrevi a entrar.
Ela olhou-me e disse: “Entra, entra”. Levantou a cabeça e eu entrei,
sentando-me ao seu lado; e logo comecei a abaná-la. Perguntou-me várias coisas
a respeito da escola de Gauri-Ma, que procurei responder adequadamente.
Chegaram as devotas e uma delas começou a arrumar os
cabelos da Mãe, arrancando alguns dos cabelos grisalhos e atando-os em uma
ponta do vestido. Logo disse: “Os conservarei como recordação”. A Mãe se sentia
um pouco desconsertada e disse com certo vacilo: “Por que fazer isto? Tirou
tantos cabelos!”. Depois subiu ao terraço para tomar sol e nós a seguimos. Como
havia muita roupa estendida no terraço, me pediu que as levasse para baixo.
Mais tarde, uma vez que havia
terminado o culto, a Santa Mãe pediu-me que fizesse os preparativos necessários
para a comida do meio-dia. Na hora de comer, nos sentamos todas juntas. A Mãe
comeu um ou dois bocados. O prasad foi repartido entre nós. As duas
senhoras mencionadas ficaram para almoçar; uma delas era casada, porém já anciã
e tinha visto Sri Ramakrishna. A outra era sua nora.
A anciã disse: “Sri Ramakrishna nos
deu muitas instruções, mas muito poucas são as que pusemos em prática. Se
houvéssemos seguido seus conselhos, não teríamos sofrido
tanto neste mundo. Estamos apegados ao mundo e sempre corremos detrás de uma ou
outra ação”.
A Mãe acrescentou, dizendo: “Alguém
deve fazer algo. Só por meio do trabalho, pode-se eliminar a ligação do
trabalho, e não o evitando. O desapego total vem mais tarde. Não se deve ficar
inativo nem um momento sequer”.
Depois do almoço, a Mãe recostou-se
para descansar um pouco. Todas as devotas desejavam vivamente prestar-lhe algum
serviço pessoal. Mas ela lhes pediu que descansassem por alguns momentos. Mais
tarde, as devotas foram aos seus respectivos lugares para atender seus deveres.
Eu fiquei ali com uma viúva anciã que havia sido contemporânea de Sri
Ramakrishna. Comecei a fazer massagem na Santa Mãe. Sentada a seu lado, a viúva
ia narrando algumas ocorrências de sua vida familiar. “Mãe – disse – a senhora
escusa minhas faltas, no entanto, minha família é tão exigente!”. Eu
perguntei-lhe se havia visto Sri Ramakrishna. “Sim, querida – respondeu-me – eu
o vi”. Acrescentou: “Com freqüência visitava nossa casa. A Santa Mãe era muito
jovem, então”.
Devota: Por favor, diga-nos
algo de Sri Ramakrishna.
Senhora viúva: Oh, não! Peça
a Mãe que nos diga algo Dele.
A Mãe estava descansando com os
olhos fechados, de modo que não disse nada. Mas depois de um momento, ela
disse: “Quem ora a Deus com desejo, O verá. Noutro dia, um dos nossos devotos,
Tej Chandra, faleceu. Quanta sinceridade tinha! Sri Ramakrishna costumava
visitar sua casa. Uma vez alguém deu a Chandra duzentas rúpias para que ele as
guardasse. Enquanto viajava em um bonde, um ladrão lhe roubou todo o dinheiro.
Depois de certo tempo, ao dar-se conta do roubo, Tej Chandra começou a sofrer
de uma terrível agonia mental. Foi a margem do Ganges
e implorou a Sri Ramakrishna, com lágrimas nos olhos: “Oh! Senhor, que fizeste
comigo?”. Não era abastado o bastante para repor essa
soma de seu próprio bolso. Enquanto chorava, Sri Ramakrishna apareceu diante
dele e lhe disse: “Por que choras assim? O dinheiro está lá,
debaixo daquele ladrilho na margem do Ganges”. Em seguida, Tej Chandra
levantou o ladrilho e encontrou um rolo de notas. Narrou o ocorrido a Sarat (Swami Saradananda), que lhe
disse: “És um afortunado, pois tiveste a visão de Ramakrishna ainda agora. Nós, por outro lado, não O vemos”. Por que devem continuar a
vê-lo? Já não viram o bastante e todos seus desejos ficam satisfeitos. Aqueles
que não o virem com os olhos físicos, estão mais ansiosos para alcançar Sua
visão. Quando Sri Ramakrishna vivia em Dakshinesvar, Rakhal e outros devotos
eram então muito jovens. Um dia Rakhal disse a Sri Ramakrishna que tinha muita
fome. Sri Ramakrishna foi a margem do Ganges e começou a gritar: “Oh! Gauridasi
venha aqui! Meu Rakhal tem fome!”. Naquele tempo não
havia em Dakshinesvar nenhum armazém onde conseguir alimentos. Pouco mais
tarde, chegou um bote que ancorou perto do templo. Saiu dele Balaram Bose,
Gauridasi e outros devotos, trazendo alguns doces. Sri Ramakrishna ficou muito
contente e chamou em voz alta a Rakhal. “Venha aqui. Trouxeram
doces; disseste que tinhas fome”. Rakhal respondeu, zangado: “Por que
está anunciando minha fome em voz alta? “. Sri
Ramakrishna disse: “Que mal há nisso? Tu tens fome e
necessitas comer algo”. Sri Ramakrishna tinha a natureza de um menino.
Bhudev, o sobrinho da Santa Mãe,
acabara de chegar da escola. Tinha febre e a mãe pediu-me que arrumasse a cama
para ele. Enquanto isso, ela estava preparando-se para ir à casa de Balaram
Babú, para ver se o filho dele estava com disenteria. Quando foi concluído o
culto da tarde, ofereceu-me prasad. Eu disse que comeria logo e ela
assentiu, pedindo a sua sobrinha Nalini, que me desse o prasad mais
tarde. Vieram busca-la em um coche. Pediu-me que
esperasse até o seu regresso; Golap-Ma a acompanhou. Após uma hora,
regressaram. A Santa Mãe se alegrou ao me ver e
disse-me? “Voltei logo por ti. Comeu o prasad?”. Ao negar, disse:
“Nalini, por que não lhe deste o prasad como eu havia lhe pedido?”.
Nalini: Me
esqueci. Trarei em seguida.
Mãe: Não te preocupes,
agora. Eu mesma o darei. (Dirigindo-se a mim). Por que não pediste o prasad?
Esta é a tua casa.
Devota: Não tinha muita
fome, senão eu o teria pedido.
Depois de um momento, a Mãe trouxe
uns doces que haviam sido ofertados no altar e me deu. Eu os comi gostosamente.
Prostrei-me ante ela e me despedi. Disse-me: “Vem outra vez, filha querida.
Durga, Durga! Descerei contigo ou podes ir só? Já é noite”. Respondi: “Posso ir
só, Mãe”. Repetindo um “nome de Deus”, me acompanhou até a escada. Disse-lhe:
“Não se incomode mais”, acrescentando: “me será fácil encontrar o caminho”.
Era o dia de Akshaya Tritiya – um
dia muito propício para os hindus. Fui visitar a Santa Mãe. A senhora anciã com
sua nora – de quem falei antes – também estavam ali. Como é costume nas
festividades religiosas, a senhora ofereceu a Santa
Mãe algumas frutas e um cordão sagrado. A mãe a interrompeu, dizendo: “Por que
dá essas coisas a mim? As dê a Bhudev”. Logo, durante a conversação,
dirigindo-se a nós, disse: “Neste santo dia, os bendigo para que alcanceis a
libertação nesta vida. Nascimento e morte são extremamente penosos.
Oxalá que não voltem mais a passar por eles!”.
Era o dia do festival do Carro
Sagrado (festividade religiosa dos hindus, em que o Senhor Vishnu de Yagannath
era levado em procissão em um carro). As sete da manhã, fui ao ashrama
de Gauri-Ma, que havia
convidado-me a almoçar. Meu desejo era ir à casa da Santa Mãe o
mais rápido possível; mas terminamos de almoçar perto das duas da tarde. Quando
Gauri-Ma e eu chegamos a casa da Santa Mãe, eram já
quatro horas. Ela já havia terminado o culto da tarde, no templo. Nos prosternamos ante ela e Gauri-Ma disse-lhe algo ao
ouvido. Logo me uni a elas, depositando aos pés da Mãe um corte de seda que
havia levado, e disse-lhe: “Mãe, a senhora o usará?”. Respondeu sorridente:
“Oh! Sim querida!”. Nesse momento chegaram alguns devotos para entregar suas
oferendas à Mãe e nós nos retiramos para a galeria. Um dos devotos havia
trazido flores de hibisco, rosas, uma guirlanda de jasmins, frutas e doces. Pus
a oferenda a seus pés e comecei a adorar a Mãe. Oh! Como ficava plena de gozo
ao contemplar esse quadro! A Mãe estava sentada imóvel e um suave sorriso
brincava em seus lábios. A guirlanda de jasmins pendia graciosamente de seu
colo e as flores eram os adornos de seus pés. Depois da adoração, o devoto
pegou um pouco de cada fruta e doce e rogou para que a mãe os comesse.
Gauri-Ma, sorrindo, disse: “Estás agora nas garras de um devoto difícil de se conformar. Deves comer um pouco de cada
coisa”. A Mãe também estava sorridente e disse: “Não tanto! Eu não posso comer
tanto!”. Comeu um pouquinho de cada coisa e logo o devoto tomou o prasad
de sua mão e o tocou com sua frente. Seu rosto refletia uma indescritível
felicidade e, ao final, se prosternou ante a Mãe e saiu. A Mãe pegou a grinalda
do colo e a deu para Gauri-Ma. As flores da oferenda foram distribuídas entre
as devotas.
Como já havia dito, era o dia do
festival de Carro Sagrado. Bhudev improvisou um carro para a ocasião e fizeram
preparativos para levar nele a imagem de Sri Ramakrishna. Gauri-Ma tinha um
compromisso importante na escola e teve que ir embora. A Mãe disse: “Gauri-Ma
dedica todas as suas energias para educar as moças de sua escola e cuida delas
quando estão doentes. Ela não tem família própria e todo seu carinho maternal
acha sua causa nessas meninas. Esta é sua ultima vida; por isso está passando
por todas essas experiências”.
A imagem de Sri Ramakrishna foi
levada no carro. Desde sua cama, a Mãe olhava absorta a imagem, notando-se que
estava muito feliz. O carro foi conduzido para baixo e a procissão percorreu as
ruas e a margem do Ganges, voltando ao anoitecer. As devotas levaram o carro
para a galeria do primeiro andar. A Mãe, suas sobrinhas e eu, nos unimos à
comitiva. Quando a procissão ia pela rua, a Mãe havia observado: “Nem todos
podem ir a Puri para participar do festival do Carro (1). Aqueles
que viram Sri Ramakrishna neste carro, realizaram a
Deus”.
(1)
É crença popular dos hindus que, vendo a imagem de
Vishnu, em Puri, realiza a Deus.
Um dia, durante a festividade de
Durga-Puya, fui visitar a Santa Mãe. A encontrei muito
ocupada. Mandou buscar um devoto que vinha desde Ranchi e que trazia com ele
muitas flores, frutas, um corte de tecido e uma guirlanda de flores de linho.
Pediu a Mãe que pusesse a guirlanda de flores no colo. Quando a colocou,
Golap-Ma repreendeu o devoto, porque o arame da guirlanda poderia ferir o colo
da Mãe; porém, ela disse com ternura: “Não; coloque a guirlanda sobre meu
vestido”. Eu também havia levado algumas frutas e doces e a Mãe me pediu que as
ofertasse ao Senhor. Provou uma uva e disse que era muito doce.
A Mãe tinha posto um shari
que eu havia dado uns dias antes e me disse: “Vê? Eu o usei e agora está sujo”.
Fiquei maravilhada e pensei quanta infinita ternura tinha a Mãe para comigo,
que estava muito longe de ser uma verdadeira devota.
Nalini, sua sobrinha, estava
mal-humorada. A Mãe a repreendeu e disse: “As mulheres não devem incomodar-se
tão facilmente. Devem praticar a doçura. Sua única proteção, na infância e
puberdade, são os pais, e na juventude, seus esposos. As mulheres geralmente
são muito sensíveis. Uma simples palavra pode altera-las.
E as palavras são tão baratas, hoje em dia! Elas deveriam ter paciência,
agüentar e dissimular os erros de seus pais e esposos, apesar de quão penoso
isto lhes possa parecer”.
Radhu estava sentada perto de nós,
com seu vestido acima dos joelhos. A Mãe a repreendeu, dizendo-lhe: “Minha
querida, por que uma mulher deve subir seu vestido acima dos joelhos?”. E citou
um verso: “Quando tens o vestido por cima dos joelhos, é o mesmo que estar
desnuda”.
Nesse momento, chegou a irmã de Chandra Babú. Durante a conversação, perguntou:
“Vive o esposo da Santa Mãe? São estes seus filhos e noras?”. Disse-lhe: “Que
pergunta! A senhora não tem lido os ensinamentos de Sri Ramakrishna? Ele sempre
exortava as pessoas a renunciar à sexualidade e ao ouro”. A senhora ficou
desconcertada e disse: “Desculpe-me, eu os havia tomado por seus filhos”.
Estavam-se
realizando cultos a Durga. A Mãe tinha diante de si uma trouxa de roupas novas
e separou as que estavam destinadas aos esposos de suas três sobrinhas. Logo
pegou um vestido em suas mãos e disse: “G. colocará esta roupa nova durante
Durga Puya e irá ao Monastério de Belur”.
Depois da adoração do meio-dia,
comemos nosso almoço e logo a Mãe foi descansar. Eu me sentei a seu lado e me
pus a abana-la; mas ela me disse com grande ternura:
“Ali há um travesseiro; traga-o e recosta-te perto de mim. Não é necessário que
me abanes agora”. Eu não me decidia a usar seu travesseiro e trouxe outro dos
pés de Radhu. A Mãe, sorrindo, disse: “Esse travesseiro é da mãe de Radhu, que
está louca. Armará um escândalo. Usa meu travesseiro, esse não prejudicará a
ninguém”. Logo, disse a Radhu: “Vem aqui e recosta-te ao lado de tua irmã”.
A conversação derivou para o que
havia dito anteriormente a irmã de Chandra Babú. A Mãe disse-me: !Bem, tu poderias ter-lhe respondido, simplesmente, que o esposo
está em seu templo e que todos nós somos Seus filhos”. Eu acrescentei:
“Todos os homens e mulheres do mundo são seus filhos!”.
A Mãe, sorrindo, seguiu: “As pessoas vêm aqui com muitos variados desejos
egoístas. Alguém, por exemplo, vem com um pepino, o oferece a Sri Ramakrishna e
reza para que se cumpram seus desejos egoístas. Tal é a
natureza da gente comum”.
Depois de um breve descanso, nos
levantamos. Umas poucas devotas estavam na habitação contígua; duas delas,
vestidas de cor ocre, se prostraram diante da Santa Mãe. Haviam trazido alguns
doces para a oferenda e nos inteiramos que elas eram discípulas de Sri Narayan
Paramahamsa, de Kalighat. Seu mestre estava, então, realizando uma grande cerimônia
religiosa.
Uma das monjas perguntou: “Há algo
de verdade na adoração das imagens? Nosso mestre não aprova. Ele instrui a
gente na adoração do fogo e do Sol”.
Mãe: Não deveria haver
duvidas nas palavras de seu mestre. Se ouviram a
opinião de seu mestre, por que me perguntam sobre isto?.
Monja: Queremos saber sua
opinião.
A Mãe se recusou a dar opinião
alguma; mas a monja era tenaz e começou a pressiona-la
para conseguir a resposta. Por fim a Mãe disse: “Se seu mestre fosse uma alma
iluminada, e eu peço perdão pela minha observação, então não faria tal
declaração. Desde tempos imemoriais, as pessoas rendem cultos às imagens e alcançam, desse modo, o conhecimento espiritual. Quer negar
este fato? Sri Ramakrishna nunca sustentou essas idéias paroquiais, limitadas e
unilaterais. Brahman (Deus) existe em todas as partes. Os profetas e as
Encarnações Divinas nascem para mostrar o caminho da extraviada humanidade, que
se debate em sombras. Eles dão diferentes instruções, de acordo com os
diferentes temperamentos. Há muitos modos de realizar a verdade, por isso, têm
um valor relativo todas as instruções. Tomemos o exemplo de uma árvore. Há
muitos pássaros em seus ramos. Têm diferentes cores: branco, negro, amarelo,
vermelho, etc. e seus cantos também são diferentes. Mas nós dizemos que esse
canto é o canto dos pássaros e rechaçamos todos os outros sons como tal”.
Depois de um tempo, as monjas
desistiram de seu argumento. Logo pediram a direção da Santa Mãe em Calcutá e
expressaram seu desejo de voltar a vê-la. Depois que se foram,
a Mãe disse: “Não fica bem que uma mulher discuta dessa maneira. Nem um sábio
pode realizar, intimamente, a natureza de Brahman por meio da argumentação.
Acaso Brahman é um objeto de discussão?”.
Uns dias depois, a Mãe foi para
Benares, de modo que não poderia vê-la por algum tempo. Quando me despedi,
esteve muito carinhosa comigo e eu fiquei tão abrumada por seu amor que,
durante essa noite, não troquei palavras com ninguém.
31 de
janeiro de 1913
A Santa Mãe regressou de Benares.
Fui à sua casa uma manhã e a encontrei absorta em adoração.
Depois que terminou sua adoração, levantou-se de seu lugar e disse-me:
“Alegra-me ver-te, filha minha. Estava pensando em ti, temia não poder ver-te
outra vez. Logo iremos para nossa casa, no campo”.
Estava
muito avançada, a manhã. Radhu, sua sobrinha, estava pronta para ir à escola
dos missionários cristãos, que ficava na vizinhança. Chegou Golap-Ma e disse a
Mãe: “Radhu já é uma menina grande. Por que deve continuar indo à escola?”.
Pediu a Radhu que não fosse. Esta começou a chorar e a Mãe disse: “Ela não é
tão grande; deixe-a ir a escola. Se for educada e
aprender ofícios úteis na escola, poderá fazer muito bem aos outros. Se casará em
um povoado atrasado; com a educação não só ela melhorará, como poderá ajudar os
demais”. Assim, pois, permitiu que Radhu fosse à escola.
A Mãe de Annapurna trouxe consigo
uma moça para que a Santa Mãe a iniciasse e disse: “Mãe, esta moça pediu-me
insistentemente que a trouxesse aqui para ser iniciada por ti. Eu não pude
reusar-me, assim a trouxe”.
Mãe: Como posso
inicia-la hoje? Já tomei o café da manhã. (1)
(1) É costume geral que
o mestre dê a iniciação antes do desjejum.
Mãe de
Annapurna: Mas a moça está em jejum. Não tem importância que tu hajas
comido algo.
Mãe: Ela está na lista para
a iniciação?
A Mãe assentiu. Depois que a
iniciação havia sido concluída, a Mãe de Annapurna começou a falar da moça,
dizendo: “Não é uma moça comum. Depois de ler sobre Sri Ramakrishna, sentiu o
veemente desejo de praticar austeridades espirituais. Cortou os cabelos,
vestiu-se como homem e empreendeu uma peregrinação. Chegou até Baidyanath, a
mais de trezentos quilômetros de Calcutá; entrou em um bosque e enquanto estava
nele, passou por ali o guru de sua mãe e perguntou por ela. E quando
supôs saber onde se encontrava, informou ao pai; enquanto isso a jovem ficou
aos cuidados do guru. Tempo depois o pai veio e a levou para casa”.
A Mãe escutou em silêncio e logo
disse: “Ah! Que devoção!”. Outras devotas que estavam presentes, disseram: “Oh!
Deus! Tão formosa moça! Como pode ter-se ido, por maior desejo que se tenha?”.
Nalini disse: “Em nosso povo, isso teria sido um motivo de escândalo”.
Depois do almoço, fomos todas
descansar numa habitação contígua. A Mãe pediu a nova discípula que também
descansasse um pouco; porém, esta contestou que não tinha o costume de
descansar durante o dia. Eu lhe disse que devia obedecer a Santa Mãe e aceitou;
mas depois de alguns minutos, deixou a cama e foi para a galeria. A Santa Mãe
observou: “Ela está muito intranqüila; por isso deixou o lar”. Logo perguntou a
servente que a acompanhava: “Em que ocupa seu marido? Por que não a tem perto
dele?”. A mulher respondeu: “Ele ganha um salário reduzido e, ademais, não tem
nenhum parente. Não pode deixar a moça sozinha em casa. Por isso, ela vive com
seu pai. O marido visita a casa do sogro aos sábados e domingos”. A Mãe de
Annapurna disse: “Ela disse ao marido: tu não és meu marido. O Senhor do mundo
é meu Senhor”. A Mãe permaneceu em silêncio.
As devotas estavam conversando na
galeria em frente ao templo, que produzia muito ruído. A Mãe disse a alguém:
“Vai e diga que falem em voz baixa; estão incomodando a Swami Sarananda”. Eu
estava só com a Mãe e fiz algumas perguntas sobre as práticas espirituais.
Disse-me: “Não faças nenhuma
distinção entre Sri Ramakrishna e eu. Medita e ora no aspecto da Divindade que
tenha sido revelado a ti. A meditação começa no coração e termina na cabeça.
Nem o mantram, nem as escrituras ajudam muito; o bhakti ou
devoção fazem tudo. Sri Ramakrishna é ambas as coisas:
guru e Ishtam (1). Ele é “tudo em tudo”.
(1)
Guru: mestre espiritual. Ishtam:
aspecto do nome da Divindade que o aspirante elege como ideal a realizar
intimamente, em espírito, no devocional.
A conversa recaiu depois sobre Gauri-Ma e sua discípula D. A Mãe elogiou muito a ambas, dizendo: “Escuta, filha. Depois que tuas mentes ficarem insensíveis pela influência contaminadora do mundo, muitos tomam logo o “nome de Deus”. Mas bendito é aquele que pode dedicar-se a Deus desde sua meninice. A jovem D. é pura como uma flor. Gauridasi moldou com esmero, seu caráter. Os irmãos fizeram todo o possível para consertar seu matrimônio; mas Gauridasi a levou de um lugar para outro, ocultando-na. Finalmente a levou a Puri, onde a jovem intercambiou guirlandas com Yagannath, fazendo-se monja. Quer dizer que se casou com Yagannath, o Senhor do Universo. Que moça tão bela e pura! Recebeu uma boa educação e ouvi dizer que está se preparando para fazer um exame de sânscrito”. Também me inteirei de muitos incidentes que ocorrerem a Gauri-Ma em sua tenra idade e pelo que cheguei a saber, ela teve uma vida tormentosa.
Um pouco mais tarde, chegaram umas quatro ou cinco devotas e ofereceram à Mãe cocos verdes e outras frutas. Uma delas aproximou-se para tocar-lhe os pés. A Mãe disse: “Por favor, saúde-me de uma certa distância”. Ofereceram-lhe algumas moedas, mas a Mãe advertiu que não deviam fazer esse tipo de oferta. Logo pediram instruções espirituais. A Mãe respondeu com um sorriso: “Que ensinamentos posso dar-lhes? Já estão registradas nos livros as palavras de Sri Ramakrishna. Se podeis seguir um só de seus ensinamentos, alcançarão tudo nesta mesma vida”. Quando elas se foram, a Santa Mãe disse: “Onde está o discípulo apto para entender os ensinamentos espirituais? Antes de nada, deve estar capacitado para isso; do contrário, os ensinamentos espirituais são insubstanciais”.
A Mãe de Annapurna entrou na casa e disse: “Mãe, eu te vi em sonho e disseste que comesse o prasad (1), o qual me curaria de minha enfermidade. Mas Sri Ramakrishna me havia proibido de tomar o prasad de modo algum. Contudo, me alegraria que tu me desse um pouco de prasad”. A Mãe recusou, mas a mulher começou a insistir.
(1)
Alimento que se oferece a Deus; os devotos consideram purificador participar
dele.
Mãe: Queres desobedecer a Sri Ramakrishna?
Mãe de Annapura: As palavras de Sri Ramakrishna tinham sua aplicação, mas eu fazia diferença entre tu e Ele. Mas agora eu percebi a realidade de que ambos são idênticos. Assim, pois, faz-me o favor de dar-me de teu prasad.
A Mãe teve que ceder. Pouco depois, nos despedimos.
Outro dia, quando fui ver a Santa Mãe, perguntou-me sobre meu marido. Disse-lhe que não estava muito bem de saúde. Logo me pediu que escrevesse uma carta, que ela ditou-me. Depois do almoço, enquanto a Mãe estava descansando, chegaram algumas devotas. Depois das saudações, uma delas disse: “Tenho uma linda cabra que me dá quatro litros de leite por dia. Também tenho três passarinhos. Eu estou bastante velha e passo quase todo o tempo com eles”. Em seguida, recordei as palavras de Sri Ramakrishna: “Mahamaya, o Supremo Poder Cósmico Ilusionante, nos faz cuidar de um gato, e assim esquecemos de Deus. Deste modo, o mundo segue o seu curso”. A Santa Mãe simplesmente assentia com a cabeça, às palavras das devotas. Ai, por amor a nós, quantas angústias tinha que suportar! Nem sequer permitíamos que desfrutasse de algum descanso. A incomodávamos continuamente com nosso inconsistente falatório. Ao entardecer, me despedi.
Sattwa, qualidade
que conduz à renúncia
Certa noite, fui ver a Santa Mãe. Estava em sua cama; uma mulher a acompanhava. Ao ver-me, sentou-se na cama para que eu pudesse saudá-la. Durante a conversação disse: “No momento da criação, as pessoas nasciam com a qualidade sattwa (luz). Tinham sabedoria desde seu nascimento. Por isso, compreendiam e realizavam, num instante, a condição transitória do mundo. Renunciavam ao mundo e praticavam austeridade. Logo se libertavam. O Criador viu que o propósito de sua criação iria ser frustrado. Esses sábios que se libertavam, não estavam aptos para participar do jogo do mundo. Então, Ele começou novamente a tarefa de criar, e mesclou as qualidades rayas (atividade) e tamas (inércia), com sattva. Assim, pôde completar seu propósito”. Logo citou um popular verso, referente ao tema da criação e disse: “Em nossa meninice, nos chegavam essas idéias por meio das representações que faziam os povos. Mas agora é muito raro”. Algumas moças, parentes da Mãe, estavam lendo em voz alta na peça contígua. A Mãe disse: “Escutem como lêem em voz alta! Esquecem que há muita gente no andar térreo”.
As devotas estão sobre as regras da casa
Sua insana cunhada, a mãe de Radhu, entrou na casa e disse: “Lakshmimani (sobrinha de Sri Ramakrishna) vai em peregrinação a Navadvip. Eu queria ir com ela, mas tu me impediste”. Dito isso, saiu magoada. A Mãe disse: “Como podia lhe permitir ir com Lakshmi? Lakshmi é devota. Ela canta e dança com outros devotos. Não observa a distinção de casta e come em companhia dos outros. Mas a mãe de Radhu não compreende isso. Dificilmente poderia entender que os devotos não necessitam guardar regras de casta entre eles. Assim que ela voltar eu criticarei a conduta de Lakshmi ante todos os demais. Tu conheces Lakshmi?”.
Devota: Não, Mãe.
Mãe: Ela vive em
Dakshineswar. Vá visitá-la algum dia. Foste a Dakshineswar?
Devota: Sim, Mãe. Eu visitei o lugar algumas vezes, mas não sabia que Lakshmi vivia ali.
Mãe: Viste em Dakshineswar o Nahabat, onde eu vivia?
Devota: Sim, Mãe; eu o vi.
Mãe: Quando visitares o lugar de novo, entra na peça. Quando eu estava ali, todo meu mundo consistia nessa pequena habitação... Assistiu os festejos que fazem no aniversário de Sri Ramakrishna, em Belur?
Devota: Não, Mãe. Nunca visitei o monastério de Belur. Eu ouvi dizer que os monges que vivem ali não gostam de ver mulheres no monastério. Por isso, vacilei em ir.
Mãe: Vá alguma vez para assistir a celebração do aniversário de Sri Ramakrishna.
Era de tarde quando fui Baghbazar ver a Santa Mãe. Com ternura, disse-me que estendesse no chão um pequeno tapete e trouxesse seu rosário. Logo caiu absorta em sua meditação. Perto da casa, cruzando a calçada, havia um lugar aberto. Ali viviam alguns trabalhadores e suas famílias. Um dos homens começou a castigar rudemente uma mulher que parecia ser sua esposa. Cacetadas e socos choviam sobre a infeliz mulher. Logo lhe deu um pontapé com tal força, que a atirou longe, com uma criatura em seus braços. A Mãe não pode seguir com sua meditação. Embora ela fosse extremamente humilde e, no geral, nunca falava em voz alta para não ser ouvida no andar térreo, naquela oportunidade saiu ao balcão do primeiro andar e, apoiando-se nele, gritou forte, em tom de cortante reprimenda: “Eh, malvado! Queres matar essa pobre mulher? Temo que já esteja morta!”. Apenas o homem a olhou e ficou quieto como uma serpente diante de um encantador e soltou a mulher. Ante a simpatia da Santa Mãe, a mulher irrompeu em fortes soluços. Ouvimos que toda sua falta havia sido em não preparar a tempo a comida. Depois, o homem serenou e quis fazer as pazes com a mulher. Em vista disso. A Santa Mãe voltou a sua casa.
Mais tarde ouviu-se da rua, a voz de um mendigo. Gritava: “Radha-Govinda! Glória a Deus! Sejam compassivos com o cego!”. A Mãe disse: “Esse mendigo passa pela calçada quase todas as tardes. Antes gritava: ‘Sejam compassivos com este pobre cego!’ Mas um dia Golap-Ma disse-lhe: ‘Por favor, acrescenta Radha-Govinda – nomes de Deus Pessoal – a teu pedido. Assim servirás o duplo propósito de repetir o santo nome e fazer com que os chefes de família lembrem de Deus. Do contrário, dia e noite só estarás pensando em tua cegueira’. Desde então o cego, enquanto vai percorrendo os diferentes lugares, repete em voz alta o nome de Deus. Golap-Ma lhe deu um corte de tecido, mas ele também recebe outras esmolas”.
Como servir a
Imagem Divina no templo
Fui a Baghbazar uma tarde e escutei a Santa Mãe que dizia: “Aos novos devotos, deve-se lhes conceder o privilégio de servir no templo. Como é algo novo, põem muito zelo nisso e assim, fazem seu serviço ao Senhor cuidadosamente. Os outros já estão cansados de faze-lo. O serviço, no real sentido da palavra, não é um mero passatempo. Deve-se cuidar que o mesmo seja feito sem nenhuma falha. Mas, a verdade é que Deus conhece nosso escasso juízo e, por isso, nos perdoa”. Uma devota estava perto da Mãe. Não sei se estas palavras foram dirigidas a ela. A Mãe lhe estava pedindo que tivesse cuidado ao cortar e selecionar as flores e ao preparar a pasta de sândalo para o culto, assim como também não tocasse nenhuma parte do corpo, vestido ou cabelo, enquanto fazia o culto no templo. Acrescentou: “Deve-se atuar no templo com grande atenção. As oferendas e tudo o demais, deve ser feito a seu devido tempo”.
Eram oito e meia da noite, quando cheguei ao lugar onde vivia a Santa Mãe. Absorta em sua meditação estava na galeria do lado norte do templo. Esperamos um pouco em outra casa. A Mãe veio ali e, sorrindo disse: “Me alegro de ver-te, filha minha”.
Devota: Mãe, trouxe comigo minha irmã. Já terminou o culto da tarde?
Mãe: Não. Agora pode assistir. Eu me unirei a vocês mais tarde.
O culto começou em seguida. Havia no templo muitas senhoras. Todas começaram a rezar. Quando terminou o serviço, nos prosternamos ante a imagem e nos fomos à casa contígua para ficar com a Santa Mãe. Enquanto estávamos nesse lugar, não queríamos perde-la de vista nem um só instante.
Como cantava Sri
Ramakrishna
Depois de alguns minutos, a Mãe chegou. Uma senhora anciã tratava de aprender um cântico devocional de outra. A Mãe observou: “Temo que ela não seja capaz de ensinar-lhe o cântico corretamente. Ah! Que grande cantor era o Mestre! Sua voz era tão doce! Quando cantava, se identificava completamente em seu canto. Todavia tenho Sua voz em meus ouvidos. Quando a recordo, todas as demais vozes me parecem opacas. Narem (Swami Vivekananda) também tinha uma voz melodiosa. Antes de deixar Calcutá, veio me ver e cantou alguns cânticos. Ao despedir-se, disse-me: ‘Mãe, se puder me converter em um homem, no verdadeiro sentido, voltarei a ver-te; do contrário, adeus!’. Disse-lhe: ‘Que quer dizer, filho meu?’. Replicou: ‘Bem, por tua graça voltarei’. Guirish Babu tinha, também, uma doce voz”.
Radhu entrou na peça e pediu a Santa Mãe que se recostasse com ela. A Mãe disse: “Vem e te recoste. Estas devotas vieram de longe; desejo estar um pouco com elas”. Como Radhu insistia, eu disse: “Vamos todas a teu dormitório; assim, poderás recostar-se”. A Mãe nos pediu que a seguíssemos. Recostou-se e começou a falar de várias coisas. Eu a abanava. Depois de alguns minutos, disse-me: “Está fresco, agora. Não te incomodes mais”. Fiz-lhe massagens nos pés. Uma senhora anciã começou a explicar a outra como eram os seis centros descritos no raya yoga. Golap-Ma não lhe permitiu continuar, mas ela insistiu. Ao ouvir suas palavras, com um sorriso, a Mãe disse-me: “Com sua própria mão, Sri Ramakrishna desenhou para mim a kundalini e os seis centros yóguicos”. Perguntei se ela conservava o desenho. Respondeu: “Não, filha, eu o perdi. Eu não tinha, então, a menor idéia de que nos visitariam tantos devotos”.
Os casados e a
vida espiritual
Eram onze da noite; nos prosternamos ante ela e nos despedimos. A Mãe sentou-se sobre a cama e nos abençoou. Chamando-me à parte, disse-me: “O progresso espiritual se faz mais fácil se, esposo e esposa, concordam em seu modo de ver sobre as práticas espirituais”.
Reverência para
com o guru
Um dia depois, quando visitei a Santa Mãe, a ouvi dizer: “Mesmo ao guru pode-se dizer o que é correto. Está perfeitamente conforme as normas que o discípulo faça isso. Porém, o discípulo deve ter inalterável devoção para com seu guru. A devoção ao guru, qualquer que seja o caráter desse, capacita o discípulo a alcançar a liberdade. Olha a devoção que têm os discípulos de Sri Ramakrishna por seu Mestre. O amor para seu Mestre lhes faz amar todas as coisas conectadas com a família de Sri Ramakrishna. Eles querem até o gato do povo onde Ele nasceu”.
Novembro de 1913
Nós tínhamos muitas flores em nossa casa de Balligungui. A Santa Mãe gostava das flores. Um dia, cortei uma boa quantidade delas e fui vê-la. Encontrei-a pronta para fazer o culto; arrumei as flores e ela sentou-se sobre o tapete, diante da imagem. Esqueci de deixar de lado algumas flores para adorar os pés da Santa Mãe. Por isso, estava aflita, pensando que esse dia não podia render-lhe culto. Mas, logo me dei conta que meu desejo havia se antecipado a meu desejo. Depois que o culto foi terminado, disse: “Minha querida filha, essas flores que estão na bandeja, separei-as para ti; traga-as aqui”. Nesse momento chegou um devoto que trazia uma grande quantidade de frutas. A Mãe se alegrou muito ao vê-lo. Pôs uma pasta de sândalo a sua frente e tocou-lhe o manto com a mão, fazendo o gesto de beija-lo. Nunca eu a tinha visto demonstrar, dessa maneira, seu amor a nenhum devoto (homem). Logo me pediu que lhe desse algumas flores. Ele aceitou. Vi que todo seu corpo tremia de devocional fervor. Com grande júbilo, fiz a oferenda das flores aos pés da Mãe. Depois se foi, após ter recebido o prasad.
A Mãe sentou-se e muito ternamente me convidou para me aproximar. Rendi culto a seus pés. Com grande amor, pôs sua mão sobre minha cabeça e beijou-me. Eu me sentia profundamente tocada com sua bênção.
Depois de um tempo, sobre o terraço, a Mãe estava secando seu cabelo. Chamou-me para perto dela e me disse: “Descobre tua cabeça e seca teu cabelo; do contrário, tua saúde pode ser afetada”. Golap-Ma veio pedir a Santa Mãe que oferecesse comida ao templo e a Mãe desceu. Mais tarde fui também ao templo. Uma tímida jovem esposa estava dizendo a Sri Ramakrishna, em voz baixa: “Vem agora; tua comida está pronta”. Logo foi ante a imagem de Golapa (Krishna menino) e disse-lhe: “Oh! Meu Golapa! Venha comer”. Eu estava por detrás dela e, de repente, viu-me e sorrindo, disse-me: “Estou os convidando para o almoço”. Dizendo estas palavras, a Santa Mãe entrou na casa onde a comida estava sendo oferecida. Sua solicitude e devoção me fizeram sentir como se as Divinas imagens escutassem suas palavras e a seguissem ao lugar da oferenda. Eu estava maravilhada, como cravada no piso!
Nem mesmo as
pequenas coisas devem ser mal gastas ou desperdiçadas
Quando terminou a oferenda, nos sentamos todas juntas para almoçar. Logo a Mãe pediu-me que descansasse um momento. Chegou um homem com um cesto de frutas para serem oferecidas e perguntou aos monges o que devia fazer com o cesto, já que estava vazio. Eles disseram que o jogasse fora. Nesse momento a Mãe se levantou da cama, foi à galeria, olhou para a rua e disse-me: “Olha, lhe disseram que jogasse fora este lindo cesto! Todos eles são monges e, por tanto, completamente desapegados; mas nós não podemos permitir tal coisa. Poderíamos utilizar o cesto para colocar as verduras desperdiçadas”. Pediu a alguém para que fosse buscar o cesto e o lavasse. O cesto foi, então, destinado a um futuro uso. Suas palavras foram uma lição para mim, porém, somos demorados para aprender!
Cumpramos nossa
dívida com todos
Na porta ouviu-se o pedido de um mendigo. Os monges sentiram-se molestados e disseram, com rudeza: “Vá-se, não nos incomode agora”. A Mãe disse: “Ouviste suas palavras? Expulsaram esse pobre homem. Não puderam sacudir sua preguiça e dar algo ao mendigo; só queria um punhado de arroz. E eles não puderam se dar ao incômodo de cumprir tão insignificante ato. É justo privar um homem do que a ele devemos? Até às vacas devemos estas folhas, cascas e demais sobras. Temos que coloca-las perto de sua boca”.
Depois de muitos dias, voltei a ver a Santa Mãe. Ela tinha isso ao seu povo natal e voltou a Calcutá no outono, poucos dias antes da festividade de Durga Puya. A visitei a tarde e vi que uma mulher, ajoelhada a seus pés com lágrimas nos olhos, pedia-lhe sua iniciação. A Mãe estava sentada em sua cama e recusou-se a aceitar o rogo daquela mulher, dizendo-lhe: “Já te disse que não posso inicia-la agora; não me sinto bem”. A mulher insistia. A Mãe se enfastiou e lhe disse: “A senhora considera a iniciação muito ligeiramente. Ficará satisfeita se receber o mantram, mas nem remotamente pensa em suas conseqüências”. A mulher não cedia em seu empenho. Todos os presentes de sentiam incomodados. A Santa Mãe, por fim, disse-lhe que voltasse outro dia. Então a mulher rogou que pedisse a um dos monges que a iniciasse.
Mãe: Eles podem não me fazer caso.
Mulher: Que quer dizer, Mãe? Eles devem obedece-la.
Mãe: Nesse assunto, podem recusar-se a cumprir meu pedido.
Vendo que a mulher não cedia, a Mãe disse-lhe: “Bem, se eu pedir a Swami S., Ele a iniciará”. Porém, ela começou novamente a insistir, dizendo: “Eu me sentiria feliz se a senhora me iniciasse. Certamente, se a senhora quisesse, poderia cumprir meu desejo”. Tirou dez rúpias e lhe disse: “Com esse dinheiro, posso comprar o necessário para a iniciação”. Todos nos sentimos mortificados por sua imprudência. Desta vez a Mãe zangou-se e disse, com severidade: “O quê, a senhora quer tentar-me com dinheiro? Não pode a senhora seduzir-me com essas moedas. Guarde-as”. Imediatamente a Mãe saiu da casa. Mas logo, ao ser pressionada de novo por esta mulher, convidou a dar-lhe a iniciação no sagrado dia de Mahashtami (segundo dia do culto da Divina Mãe). A mulher então se foi e a Mãe teve um pouco de tempo para falar comigo.
Fui visitar a Mãe depois de dois meses e meio. Ao ver-me, exclamou: “Oh! Faz quase um século que não te vejo!”. Durante a conversação, perguntei-lhe sobre aquela mulher a quem havia concedido iniciar.
Mãe: Ela não pode vir no dia fixado. Eu havia lhe dito: “Agora estou doente; deixe que eu sare e então a iniciarei”. Minhas palavras estavam certas. Não pôde vir no dia de Mahashtami porque ela também caiu enferma. Veio aqui muitos dias depois e recebeu sua iniciação.
Devota: É verdade; as palavras que saem de tua boca não podem senão cumprir-se. Nós sofremos porque vamos de encontro de teus desejos. Muitas vezes tu és condescendente com a as pessoas e lhes dá a iniciação mesmo estando enferma e, assim, sofres muito mais, tomando sobre ti seu sofrimento.
Mãe: Sim, filha querida. Sri Ramakrishna também costumava dizer: “Se não fosse por isso, por que este corpo haveria de sofrer?”. No dia seguinte fiquei com diarréia.
Minha cunhada estava comigo. Referindo-se a ela, a Mãe disse: “É uma moça muito boa e tranqüila. Há só um prato de legumes. Se o mesmo não é saboroso, então a comida se perde”. Quis dizer que tendo eu uma só cunhada na família, minha vida havia sido desafortunada se ela não fosse boa comigo.
Fevereiro de 1914
Fui a Baghbazar numa manhã, com uma cesta de flores, que ofereci a Santa Mãe. Ela estava muito contente e começou a adornar com as flores, a imagem de Sri Ramakrishna. Algumas delas eram de cor azul. Tomando-as em suas mãos, disse: “Ah! Que formosa cor! Havia em Dakshineswar uma menina que se chamava Asha. Um dia, veio ao jardim do templo e arrancou uma flor vermelha de uma planta com folhas escuras. Oh! A graça Divina! Que singular criação de Deus!”. Sri Ramakrishna a viu e disse: “Minha querida filha, que tens? Por que estás chorando assim?”. Mas ela não podia pronunciar nenhuma palavra. Chorava incessantemente. Sri Ramakrishna, por fim, conseguiu acalmá-la”.
A Santa Mãe estava em um estado de ânimo muito especial e disse: “Olhem estas flores de cor azul! Ah! Que formoso adorno se pode fazer a Deus com flores tão belas!”. Dizendo isso, tomou várias delas e as ofereceu a imagem de Sri Ramakrishna. Umas flores caíram a seus pés, antes de serem oferecidas. A Mãe exclamou: “Deus meu! Como caíram a meus pés antes de serem oferecidas ao Senhor?”. Eu disse: “Isto é muito bonito!”. Então pensei: “Para ti, Sri Ramakrishna será um ser muito grande, mas para nós não haverá nenhuma distinção entre tu e ele”.
Entrou na casa uma senhora viúva. Perguntei a Santa Mãe sobre ela e me respondeu: “Foi iniciada por mim a cerca de um mês. Havia aceitado outro guru antes. Mais tarde se deu conta que havia sido um erro e veio aqui para ser iniciada. Não pude convence-la de que todos os mestres são os mesmos. O poder de Deus trabalha através de todos eles”.
Recordando Sri
Ramakrishna
À tarde, recaiu novamente a conversação sobre as flores. A Mãe disse: “Um dia, quando vivia em Dakshineswar, fiz uma grande grinalda de sete fileiras com alguns jasmins e flores vermelhas. Mergulhei a guirlanda na água de uma fonte de pedra e rapidamente os botões abriram-se totalmente. Levei a guirlanda ao templo de Kali, para adornar com ela a imagem da Divina Mãe. Tiraram os ornamentos do corpo de Kali, deixando só a guirlanda como adorno. Sri Ramakrishna foi ao templo. Num instante, entrou num extático modo de ver a beleza de Kali, tão intensificada pela beleza das flores. Uma e outra vez, disse: “Ah! Estas flores ficam tão formosas sobre a cor escura da Divina Mãe! Quem fez a guirlanda?”. Alguém mencionou meu nome. Sri Ramakrishna disse: “Vá e a traga ao templo”. Ao chegar perto da escadaria, vi que havia ali alguns devotos. Balaram Babú, Surem Babú e outros. Me senti sumamente coibida e tratei de me esconder. Amparei-me atrás de Brinda, que era do pessoal de serviço e tive a intenção de subir ao templo pela escada da porta traseira. Instantaneamente Sri Ramakrishna notou isto e me disse: “Não vás por aí. Essa escada não é segura. Noutro dia uma pescadora, subindo por ela, resvalou. Houve um terrível golpe; teve fratura de ossos e morreu. Sobre pela escada da frente”. Os devotos ouviram essas palavras e me abriram caminho. Entrei no templo e Sri Ramakrishna começou a cantar com uma voz trêmula de amor e devoção.
A realização de
Deus e a graça Divina
Entraram, então, outras devotas na casa e a conversação terminou. Para mim havia chegado a hora de me despedir. Outra vez a Mãe começou a falar da realização de Deus. Disse: “Sabes, filha, o que parece? É como um doce nas mãos de um menino. Alguns lhe pedem que ele o dê, mas ele não dá. Porém, com a maior soltura o entrega a quem lhe cai nas graças. Um homem pratica austeridades durante toda sua vida para realizar Deus e não O alcança; no entanto algum outro, talvez sem esforço algum, alcança sua realização. Isso depende da graça de Deus. Ele outorga Sua graça a quem lhe agrada. A graça é a coisa mais importante”.
Ano 1917
Fui ver a Santa Mãe à tarde. Eu vivia, então, em nossa casa de Baghbazar e visitava a Mãe quase todos os dias. Como a encontrei só, lhe contei um sonho. Disse: “Mãe, esta noite vi Sri Ramakrishna em um sonho. Tu estavas, então, em Yairambati. Saudei-O e perguntei: ‘Onde está a Mãe?’ Disse-me: ‘Segue por essa calçada e encontrarás uma cabana com um teto de palha. Ela está sentada sob o beiral em frente’”. A Mãe estava em sua cama. Sentou e com grande entusiasmo disse-me: “Está certo. Teu sonho é verdadeiro”. Eu disse, surpresa: “Então é exato? Tinha a idéia de que tua casa de Yairambati estava construída com ladrilhos. Mas no sonho vi o piso de terra, o teto de palha, etc. e por isso pensei que meu sonho havia sido mera ilusão”.
No curso de uma conversa acerca das austeridades indicadas para a realização de Deus, disse: “Golap-Ma e Yoguin-Ma dedicaram muito tempo na meditação e repetição do nome de Deus. Yoguin-Ma praticou austeridades muito severas. Houve um tempo em que vivia só de leite e frutas. Mesmo agora, dedica a maior parte de seu tempo às práticas espirituais. A mente de Golap-Ma dificilmente é afetada pelas coisas exteriores. Não vacila em comer hortaliças cozidas, das que se compram no mercado e que uma viúva brahmin não deveria tocar”.
Foi decidido que naquela tarde, haveria cânticos em louvor à deusa Kali, na casa da santa Mãe. Os monges do Monastério de Belur fariam parte da reunião. A música começou as oito e meia; muitas devotas foram à galeria para ouvir. Eu estava fazendo massagens nos pés da Mãe, com azeite e podia ouvir os cânticos da sua habitação. Muitas vezes antes tinha ouvido esses cânticos, mas naquele entardecer, cantados pelos devotos, tinham um novo encanto. Estavam impregnados de força e emoção. Meus olhos se umedeceram. Nesses momentos a Santa Mãe exclamava com entusiasmo: “Sri Ramakrishna costumava cantar esses cânticos!”. Começaram a cantar um cântico que começava: “A abelha de minha mente fica fascinada pelos azuis lotos dos pés da Divina Mãe!”. A Santa Mãe não pôde ficar por mais tempo encostada. Algumas lágrimas corriam por suas faces. Disse-me: “Vem, querida, vamos à varanda”. Depois que terminaram os cânticos, saudei a Santa Mãe e regressei a minha casa.
22 de junho de 1918
Eram sete e meia: entardecia quando cheguei a casa da Santa Mãe. Fazia dois meses que ela havia voltado de seu povo natal. Estava muito magra por haver sofrido longamente de impaludismo. Saudou-me com seu habitual sorriso, dizendo: “É um dia muito quente; descanse um pouquinho e refresca-te. Que notícias têm de tua irmã? Ela regressou a sua casa?”.
Devota: Sim, Mãe; quando eu parti, ela estava em casa.
Mãe: Leve-lhe este abajur a Radhu e logo unte meus ombros com este azeite medicinal. Tenho bolhas por todo o corpo.
Quando comecei a passar o azeite, soou uma campainha anunciando o culto vespertino. A Santa Mãe sentou-se na cama e saudou a Deus, juntando as mãos. As outras devotas foram ao templo para assistir o culto.
Significado do
sofrimento
A Mãe disse: “Todos se lamentam dizendo: ‘Há tanto infortúnio no mundo!’. Temos rogado tanto a Deus e, contudo, não tem fim nossos sofrimentos!. Porém, o sofrimento é só um dom de Deus. Ele é o símbolo de Sua compaixão, não é assim?”.
Naquele dia, minha mente estava muito intranqüila. Acaso ela sabia e por isso me dirigiu estas palavras? Logo falou: “Quem não teve pesares neste mundo?”. Brinde, a devota de Krishna, disse: ‘Quem disse que é compassivo? Em tua encarnação de Rama, fizeste chorar a Sita durante toda a sua vida. E em tua presente encarnação de Krishna, Radha verteu muitas lágrimas por amor a ti. Teus pais padeceram tremendas angústias na prisão de Kamsa e choraram dia e noite pronunciando teu nome. Então, por que eu repito teu nome? Porque teu nome tira totalmente o medo da morte’”.
Referindo-se a certa mulher, a Santa Mãe disse: “As pessoas com uma aparência assim, em geral, carecem de bhakti, devoção a Deus. Isso eu ouvi de Sri Ramakrishna”.
Devota: Sim, Mãe, li no “Evangelho de Sri Ramakrishna” que as pessoas que não são francas, não podem fazer real progresso espiritual.
Confissão e
absolvição dos pecados
Mãe: Oh! Tu te referes ao que eu disse na casa de um devoto chamado Naren. Um homem tinha uma concubina. Certa vez, a mulher foi ver Sri Ramakrishna e, arrependida, disse-lhe: “Esse homem me arruinou. Ademais, roubou todo meu dinheiro e jóias”. Sri Ramakrishna era plenamente consciente e conhecia tudo o que se abrigava profundamente na mente de todos. Contudo, gostava de escutar as coisas tal como lhe eram ditas. Disse a mulher: “É verdade? No entanto, ele costumava nos dar elevadas práticas sobre devoção”. Então, Ele mencionou aquelas coisas que nos atraem ao caminho espiritual. Ao final, a mulher confessou todos seus pecados e, assim, ficou livre de seus maus efeitos.
Nalini: Como é possível, Mãe? Como é possível que alguém fique absolvido de seus pecados pelo simples motivo de expressa-los de viva voz? É possível lavar o pecado dessa maneira?
Mãe: Por que não, filha querida? Sri Ramakrishna foi um ser perfeito. Certamente alguém pode livrar-se do pecado se o confessa a alguém que seja como Ele. Escuta, se em certo lugar alguém fala da virtude e do vício, aqueles que estão presentes devem ter sua parte de tais qualidades.
Nalini: Como é possível?
Mãe: Te explicarei. Imagine que um homem confessa-te seus vício e virtudes. Cada vez que tu pensar neste homem, recordará seus atos virtuosos ou pecaminosos. E isto deixaria uma impressão em tua mente, não é verdade, filha minha?
Novamente voltou-se a falar do sofrimento, aflição e infelicidades do ser humano. A Mãe disse: “Muita gente vem aqui e me confia seus pesares. Eles dizem: ‘Não temos realizado a Deus, como podemos alcançar a paz?’. Num instante surge em minha mente a idéia: ‘Por que eles falam assim? Então, sou eu um ser sobre-humano? Nunca soube o que é o sofrimento. E a visão de Deus, poderia dizer, a tenho na palma de minha mão. Cada vez que desejo, posso tê-la...’”.
Continuou dizendo: “O Evangelho de Sri Ramakrishna, escrito por M., é muito formoso. Isso se deve ao fato de que foram anotadas as palavras exatas do Mestre. Quão doces são essas palavras! Ouvi que M. tem suficiente material para editar quatro ou cinco volumes mais do que o já publicado. Mas já está velho e duvido que possa cumprir a tarefa de colocar tudo isso no livro. Houve muito dinheiro com a venda do livro. Grande soma foi depositada. Ele me deu mil rúpias para a construção de minha casa em Yairambati, incluindo outros gastos ocasionais. Também me envia dez rúpias todos os meses; e quando estou em Calcutá, manda vinte ou mais. Anteriormente só me dava duas rúpias por mês. Era, então, mestre da escola.
Devota: Ouvi que Guirish Babú, no começo, contribuiu com uma importante soma de dinheiro para a manutenção dos monges.
Mãe: Não foi uma grande soma, Suresh Mitra é quem foi mais dadivoso em sua contribuição. Guirish também dava dinheiro de vez em quando. Em uma ocasião, pagou todos os meus gastos por um ano e meio. Como posso saber se foram feitas grandes contribuições? Nunca foi rico. A primeira parte de sua vida não foi muito limpa; tinha más companhias e atuava no teatro. Mas era um homem que tinha uma fé maravilhosa. Por isso, teve a graça de Sri Ramakrishna. Nesta encarnação, Sri Ramakrishna redimiu Gurish. Em cada Encarnação de Deus, se destacam feitos similares. Gauranga salvou os irmãos Yagay e Madhai. Por outro lado, Sri Ramakrishna disse, certa vez, que Guirish tinha intimamente alguns traços de Shiva. Que há no dinheiro, filha minha? Sri Ramakrishna não podia toca-lo. Sua mão se contraía em um movimento de rechaço frente ao dinheiro. Ele disse: “Este mundo é ilusório. Se fosse o contrário, eu cobriria teu Kamarpukur com lágrimas de ouro. Mas sei que o mundo é impermanente. Só Deus é real”.
Maku, sua sobrinha, queixando-se disse: “Não posso conseguir um lugar estável para ficar!”. A Mãe replicou: “Por que isso? Onde quer que vivas, deves sentir-te como em tua casa. Tu pensas que serás feliz no lugar onde vive teu marido. Como isso é possível? Ele ganha muito pouco. Como poderás arrumar-te com seu pequeno salário? Agora estás comigo; é o mesmo que tu estivesses na casa de teu pai. As moças casadas não vivem, as vezes, com seus maridos. Não podes praticar um pouco de renúncia?”.
Logo eu falava com Yoguin-Ma, que estava perto da janela. A Mãe disse: “Entra. Agora é um pouco difícil ver-te”. Yoguin-Ma sorriu e entrou na casa. Seu pé tocou meu corpo. Como ela fez o gesto de saudar-me juntando as mãos, a interrompi e prosternei-me diante dela. “Que é isso, Yoguin-Ma – disse – eu não sou sequer digna de tocar o pó de seus pés. Acaso deve saudar-me só porque seu pé tocou meu corpo?”. Em contestação, Yoguin-Ma disse: “Por que não? Uma cobra sendo pequena ou grande é sempre uma cobra. Todas vocês são devotas e merecem, por isso, nosso respeito”. Olhei para a Mãe. O mesmo sorriso compassivo iluminava seu rosto. Quando me despedi dela, já era noite.
28 de julho de 1918
À tarde fui visitar a Mãe em sua casa de Baghbazar. Pouco antes do serviço vespertino, chegou uma viúva anciã e saudou a Santa Mãe, colocando a cabeça sobre seus pés. A Mãe se aborreceu muito e disse: “Por que toca meus pés com sua cabeça? Não estou bem de todo e isto me faz piorar”. Quando a viúva se foi, a Mãe lavou seus pés.
Mais tarde, enquanto eu fazia massagens no corpo da Mãe com azeite medicinal, a conversação derivou acerca do grande devoto Lalit Babú. Ele disse: “Certa vez estive gravemente enfermo. Mas ouvi dizer que se curou pela tua graça”.
Mãe: Ele tinha muitos desejos insatisfeitos. Estava seriamente doente de hidropisia, a ponto de morrer. Disse-me com lastimada voz: “Mãe, tenho um grande desejo de construir templos e hospitais em Kamarpukur e Yairambati. Mas esse meu grande desejo não vai se cumprir”. Ah! Sri ramakrishna salvou sua vida, dessa vez! Agora ele quer cumprir seus planos. Que o faça. Comprou um reservatório de água para mim”.
29 de julho de 1918
Acerca de Swami
Premananda
Swami Premananda, um discípulo de Sri Ramakrishna, havia deixado seu corpo mortal durante a tarde. Ao anoitecer, eu fui ver a Santa Mãe. A Mãe disse-me: “Vem, filha minha, sente-se. Esta tarde meu Baburam (Swami Premananda) se foi. Estive chorando desde a manhã”. E outra vez começou a chorar. Continuando disse: “Baburam era o mais querido de meu coração. A força, a devoção, a razão e todas as demais virtudes do Monastério de Belur, estavam encarnadas nele. Era realmente a luz do Monastério. Sua mãe era uma mulher pobre. Havia herdado a propriedade de seu pai e isto fez com que ficasse um pouco orgulhosa. Ela mesma me confessou, dizendo: ‘Eu tinha alguns enfeites de ouro e pensava que o mundo era como um lodaçal’. Havia deixado quatro meninos, pois o quinto morreu pouco antes dela morrer”.
Depois de um tempo, vi a Santa Mãe pôr sua cabeça aos pés do retrato de Sri Ramakrishna, que estava pendurado na parede que dava para o sul, dizendo em um tom que partia o coração: “Senhor, levaste meu Baburam”. Eu não pude conter minhas lágrimas.
30 de julho de 1918
Quando fui ver a Mãe, eram sete e meia da noite. Hoje também sua conversação versou sobre Swami Premananda, que acabara de falecer. A Mãe disse: “Filha, no corpo de Baburam, depois de sua última doença, não havia ficado nem carne, nem sangue. Era só um esqueleto”. Chandra Babú entrou no cômodo e disse à Mãe que alguns devotos haviam dado madeira de sândalo, manteiga, flores, incenso, etc. pelo valor de quatrocentas ou quinhentas rúpias, para a cremação do corpo do Swami. A Mãe disse: “Esse dinheiro é, na verdade, bendito. Eles o gastaram para um devoto. Deus lhes deu abundantemente e lhes dará mais!”. Chandra Babú saiu da casa.
Contraste entre um grande ser e um homem comum
Ela continuou: “Escuta, filha, por mais espiritual que seja um homem, deve pagar sua taxa pelo uso do corpo até o último centavo. Mas a diferença que há entre um grande ser e um homem comum é: este último, quando tem que deixar o corpo, chora: em troca, o primeiro ri. A morte aparece para ele como um mero jogo.
Ah! Meu Baburan veio a Sri Ramakrishna quando era nada mais que um menino. Sri Ramakrishna costumava divertir-se muito com os meninos. Narén (Swami Vivekananda) e Baburam costumavam jogar-se ao chão, arrebentado-se de tanto rir. Um dia, quando vivíamos na quinta de Cossipore, enquanto subia uma escada levando um cântaro cheio de leite, senti náuseas e o leite se derramou no chão. Narén e Baburam correram para me ajudar. Eu havia torcido o tornozelo e meus pés estavam muito inflamados. Sri Ramakrishna se inteirou do acidente e disse a Baburam: ‘Bem Baburam, estou agora metido numa bela trapalhada. Quem cozinhará? Quem me dará de comer?’. Estava então com câncer na garganta e só podia comer pudim de sêmola. Eu o preparava e dava para que comesse, em sua habitação, que estava no segundo andar da casa. Tinha eu, então, um aro em meu nariz. Sri Ramakrishna para me indicar, tocou o nariz e fez um sinal de um aro, descrevendo um círculo com seu dedo e acrescentou: ‘Baburam, podes coloca-la num cesto e traze-la sobre teus ombros aqui?’. Naren e Baburam se puseram a rir. Assim, costumava fazer troça e pilhéria com eles. Depois de três dias, meus pés se desincharam, então os meninos me ajudaram a subir a escada com a comida”.
“Baburam costumava dizer a sua mãe: ‘Quão pouco me queres! Acaso me amas como a Sri Ramkrishna?’. ‘Que besteira’ – contestava sua mãe – ‘Que quer dizer com isto? Sou sua mãe e não te quero?’. Tão profundo era o amor de Sri Ramakrishna! Quando tinhas quatro anos, Baburam costumava dizer: ‘Eu não me casarei; antes prefiro morrer’. Na época em que Sri Ramakrishna sofria de câncer na garganta e não podia engolir a comida, disse um dia: ‘Comerei em meu corpo sutil por um milhão de bocas’. Baburam replicou: ‘Não me importa tuas milhões de bocas, nem teu corpo sutil. O que me interessa é que comas por essa boca e que eu possa ver teu corpo denso’”.
“Sri Ramankrishna nuca aceitava ninguém com numerosos filhos. Um homem que havia gerado vinte e cinco filhos! Que vergonha! Pode-se chamá-lo de homem? Não há nenhum controle de si mesmo? É uma verdadeira besta!”.
Golap-Ma tinha disenteria. Hoje se sentia melhor. O médico disse que passaria uns três meses para que se curasse completamente. A Santa Mãe disse: “A disenteria, quando há muita perda de sangue, não é uma doença qualquer. Sri Ramakrishna sofria com freqüência dessa doença, especialmente durante as estações das chuvas. Uma vez, Seu estado era muito sério e eu o atendia. Chegou a Dakshineswar uma mulher de Benares, que me indicou um remédio; segui suas instruções e logo o Mestre se curou. A mulher desapareceu e nunca mais voltei a vê-la. Ela, realmente, prestou-me uma grande ajuda. Quando fui a Benares, tratei de encontra-la, mas não consegui. Temos notado que, freqüentemente, quando Sri Ramakrishna necessitava de algo, chegava alguém a Dakshineswar sem ser chamado e logo desaparecia como por encanto”.
“Eu também sofri de disenteria, filha. Meu corpo ficou como um esqueleto. Eu estava perto do tanque e, um dia, vi na água tudo o que ficara de meu corpo; eram somente ossos. Pensei: ‘Deus meu! De que me serve este corpo? Deixa-me abandona-lo. Vou deixa-lo aqui!’. Nisso chegou uma mulher e me disse: ‘Olá, Mãe! Que estás fazendo aqui? Vamos pra casa’. Então me levou pra casa”.
Já se havia feito noite quando despedi-me da Santa Mãe.
31 de julho de 1918
Os discípulos monásticos de Sri Ramakrishna
Hoje encontrei a Mãe sozinha e pude ter com ela uma longa conversa. Falamos principalmente dos discípulos monásticos de Sri Ramakrishna. Embora a causa da morte de Swami Premananda, a Santa Mãe estivera pensando continuamente nestes monges. Referindo-se a eles, disse: “Sri Ramakrishna aceitava Seus discípulos só depois de um exame completo deles. Que vida austera levaram eles no Monastério de Baranagore, depois que morreu Sri Ramakrishna! Mas Niranyan e outros chegaram ao ponto da iniciação, por não ingerir quase nenhum alimento. Passavam todo seu tempo em meditação e oração. Um dia, falando entre eles, esses jovens monges disseram: ‘Temos renunciado a tudo por Sri Ramakrishna. Vemos se Ele nos provêm de comida, se só dependemos Dele. Não diremos nada de nossas necessidades. Não iremos mendigar!’. Cobrindo seus corpos com seus mantos, se puseram a meditar. Passou o dia todo. Já era bem tarde da noite. Ouviu-se golpes na porta. Narén levantou-se e disse a um dos monges: ‘Anda, veja quem chama a porta. Mas, antes, veja se não traz algo nas mãos’. Que milagre! Ao abrir a porta, apareceu um homem que trazia uma deliciosa comida do templo de Gopala, situado na margem do Ganges. Os monges estavam realmente contentes e ficaram convencidos da mão protetora de Sri Ramakrishna. Nessa hora avançada da noite, ofereceram a comida a Sri Ramakrishna e participaram desse prasad. Coisas semelhantes ocorreram mais de uma vez... agora os monges não passam por nenhuma dessas dificuldades. Ah! Por que tremendas austeridades passaram Narén (Swami Vivekananda) e Baburam (Swami Premananda)! Até meu Rakhal (Swami Brahmananda), que agora é presidente da Missão Ramakrishna, muitos dias teve que limpar caçarolas e potes. Uma vez, Narén percorria o norte da Índia como monge errante. Fazia dois dias que não conseguia nenhum alimento e se encontrava recostado debaixo de uma árvore. Veio para perto um homem trazendo uma deliciosa comida e uma jarra de água e disse-lhe: ‘Aqui te trago prasad de Rama. Por favor, aceite-o!’. Narén respondeu: ‘Você não me conhece, meu bom amigo. Deves estar errado. Talvez o senhor tenha trazido esta comida para alguma outra pessoa’. Com maior humildade, o homem disse: ‘Não, reverendo senhor: trouxe esta comida para o senhor’. Eu estava desfrutando de uma pequena sesta, quando me apareceu um homem em sonho e disse-me: ‘Levanta-te agora. Lá em frente, debaixo de uma árvore, está recostado um santo. Leva-lhe algo para comer’. Considerando tudo como um mero sonho, eu não fiz caso e voltei a dormir. Outra vez sonhei com aquele homem que se aproximou e, dando-me um empurrão, disse: ‘Te pedi que te levantasses e segues dormindo? Faz o que eu te ordenei sem demora!’. Então pensei que isso não era um mero sonho. Era um mandato de Rama. É por isso que, obedecendo a sua ordem, te trouxe esta comida’. Narén compreendeu que tudo se devia a graça de Sri Ramakrishna e aceitou alegremente a comida”.
“Algo similar ocorreu num outro dia. Narén andava pelos Himalaias; fazia três dias que não conseguia nenhum alimento. Estava a ponto de cair extenuado, quando apareceu um faquir muçulmano e lhe deu um pepino. Isso salvou sua vida, aquela vez. Quando voltou da América do Norte, Narén estava dando uma conferência em Almora. Viu aquele muçulmano sentado a um canto. Narén foi em seguida até ele, tomou sua mão e levou-o para sentar no centro da reunião. Todos ficaram surpresos. Narén disse: ‘Este cavalheiro, uma vez, salvou-me a vida’. Logo narrou o ocorrido. Também deu ao faquir algum dinheiro. Mas esse, no princípio recusou, dizendo: ‘Que fiz para o senhor ficar tão ansioso par dar-me um presente?’. Mas Narén insistiu e colocou o dinheiro em seu bolso”.
“Narén levou-me a Belur Math na primeira vez em que se celebrou a festividade de Durga. Por meu intermédio, deu ao sacerdote vinte e cinco rúpias como honorários. Naquela magna ocasião, gastaram-se mil e quatrocentas rúpias. Compareceu uma multidão e os monges trabalharam duramente. Narén disse-me: ‘Mãe, concede-me que caia na cama com febre’. Tão logo acabou de dizer isso, teve um ataque febril e precisou deitar. Eu pensei: ‘Que é isto? Como se curará agora?’ Disse-me: ‘Não te preocupe, Mãe. Eu pedi esta febre e a razão é esta: os rapazes estão trabalhando vigorosamente; mas se vir a mais ligeira falha, me zangarei e os repreenderei. Quem sabe até lhes dê algumas palmadas. Isso seria tão penoso para eles como para mim. Por isso pensei que seria melhor cair de cama com febre por certo tempo’. Quando terminaram os festejos, fui para ele e lhe disse: ‘Meu querido filho, já está concluída a tarefa; levante-se agora”. Narén disse que se sentia muito bem e deixou a cama”.
“Narén levou também a sua mãe ao Monastério, durante Durga-Puya. Ela começou a colher na horta e arrancou pimentões, berinjelas, etc. Talvez se sentisse orgulhosa, pensando que tudo aquilo era devido a seu filho Narén. Ele foi onde ela estava e disse-lhe: ‘Que estás fazendo? Por que não vais ver a Santa Mãe? Só te pões a cortar estas coisas e acaso pensas que é teu filho quem fez todo este trabalho. Não, mamãe, estás equivocada. É Ele quem fez tudo isto. Narén não é nada’. Narén quis dizer que o Monastério havia sido fundado pela graça e Sri Ramakrishna. Que grande devoção!... Meu Baburam se foi. Ai! Quem se encarregará da celebração de Durga Puya este ano?”.
8 de junho de 1918
Quando fui ver a Santa Mãe, encontrei-a na galeria, absorta em meditação. Depois de certo tempo, chegaram para oferecer-lhe seus respeitos, cinco ou seis mulheres. Entraram no templo e prosternaram-se ante a imagem de Sri Ramakrishna. Nalini as apresentou; uma delas havia vindo a Calcutá para seguir um tratamento. O médico havia diagnosticado um tumor no abdômen e teria que se operar. Estava excessivamente nervosa, com a idéia da operação. A Santa Mãe não permitiu a nenhuma das mulheres que tocassem seus pés; mas a Mãe lhes pediu com firmeza, que a saudassem de certa distância. Indicando a moça doente, disseram: “Abençoe-na para que se cure e possa voltar aqui para oferecer-lhe seus respeitos”. A Mãe contestou, dizendo: “Inclinem-se diante de Sri Ramakrishna e orem a Ele sinceramente. Ele é tudo”. A Mãe parecia estar inquieta. Logo disse: “Adeus, filhas; está tarde para as senhoras”.
Depois que elas se foram, a Mãe disse: “Por favor, varram a casa e joguem de água do Ganges. Já é hora de oferecer a comida ao Senhor”. Seu pedido foi cumprido de imediato.
Sofrimentos no
ministério espiritual
Encostou-se na cama; alcançando-me um abano, me disse: “Filha, abane-me um pouco. Tenho todo o corpo ardendo. Minhas saudações a vossa Calcutá! As pessoas vêm aqui e me mostram o catálogo de seus pesares. Entre eles, há quem cometeu muitos atos pecaminosos. Há outros que conceberam vinte e cinco filhos e choram porque dez deles estão mortos! São eles seres humanos? Não, são verdadeiras bestas! Nenhum domínio de si mesmo! Sem controle de nenhuma espécie! Por isso, Sri Ramakrishna costumava dizer: ‘Um litro de leite mesclado com cinco litros de água! É tão difícil engrossar este leite. Meus olhos estão inchados de tanto soprar o fogo para que se mantenha aceso. É tão árdua a tarefa de engrossar este tipo de leite! Onde estão meus sinceros filhos, prontos para renunciar a tudo por Deus? Que venham; quero falar com eles. Do contrário, a vida é insuportável!’. São tão certas estas palavras e Sri Ramakrishna. Por favor, abane-me. Filha querida. Desde as quatro da tarde tem estado gente aqui sem nenhuma interrupção. Não posso suportar o sofrimento de pessoas por mais tempo”.
“Também veio hoje a esposa de Balaram. Ela é irmã de meu Baburam. Chorou amargamente por ele e disse: ‘Era acaso um irmão como qualquer outro para mim? Ele é um verdadeiro Deus’”.
4 de agosto de 1918
Encontrei a Santa Mãe conversando com uma viúva, irmã do doutor B. Tinha ficado viúva muito jovem e tinha algumas dificuldades a respeito da propriedade que seu marido havia deixado. Não conseguira a certificação do testamento. Falaram dessas coisas e finalmente a Mãe disse à viúva: “Como a senhora não tem direito de vender a propriedade, te aconselho que a dê para administrar a um homem de sua confiança. um homem com mentalidade mundana nunca é de se confiar em assuntos de dinheiro. Mas não te aflija tanto, filha. Confie na vontade de Deus; a senhora tem trilhado o caminho reto. O Senhor não a porá em nenhuma dificuldade. Adeus. Escreva-me de vez em quando e apareça por aqui”.
Depois que saiu a viúva, veio Shymadas, um médico ayur-védico para ver Golap-Ma. A Mãe o atendeu por um instante e quando ele de foi, disse-me: “Agora, cumpre com tua tarefa”. Comecei a untar seu corpo com azeite medicinal e a Mãe disse: “A irmã de Guirisk Gossh queria-me muito. Separava um pouco de cada coisa que cozinhava e o mandava aqui por uma mulher brahmin. Seu amor por mim era profundo. Havia se casado em uma família aristocrática e era bastante rica. Mas seus parentes gastaram mal seu dinheiro. Atualmente, seu irmão começou um negócio com mil rúpias. Ademais, ela gastou uma grande quantidade de dinheiro na enfermidade de seu marido, que durou um ano. Em seu testamento ele expressou o desejo de deixar-me cem rúpias. Mas ela, enquanto viveu, tinha vergonha de dar-me só essa quantidade. Pensou que era uma quantia tão insignificante! Quando ela morreu, seu irmão veio aqui e me entregou o dinheiro. Ela tinha vindo me ver, pela última vez, no dia de Durga Puya. Enquanto estava aqui, não se separou de mim nem um segundo. Eu tinha planejado ir a Benares imediatamente depois de Durga Puya; por isso estava um pouco atarefada arrumando minhas coisas e tinha que ir de uma a outra casa. Por fim, ela disse: ‘Posso ir-me agora?’. Eu estava um pouco distraída e contestei: ‘Sim, se vá’. Ela desceu apressadamente as escadas. Em seguida a sua ida, disse a mim mesma: ‘Que tolice que fiz! Eu lhe disse: se vá (1). Nunca disse isso antes para ninguém. E ai! Ela nunca mais voltou (2). Não sei porque saiu de minha boca essa palavra”.
(1)
É costume na Índia as pessoas dizerem quando se despedem: “Volte”, não “Se vá”.
(2)
Faleceu nesta mesma noite.
A Mãe estava descansando. Radhu estava descansando a seu lado em outra cama e pedia-lhe com insistência que lhe contasse um conto. A Mãe pediu que eu o contasse. Encontrei-me em um aperto; não sabia o que dizer. Contei, por fim, um relato de Mirabhai, que termina com o verso: “Deus não pode ser realizado sem amor”, a Mãe exclamou com grande emoção: “Sim, é muito certo. Nada pode ser alcançado sem um amor sincero”. Mas Radhu não apreciou a maioria do relato. No fim, Sarala foi minha salvação. Contou um conto de hadas. Desse Radhu gostou. Sarala era muito querida pela Santa Mãe. Ela cuidava de Golap-Ma. Depois de um tempo, saiu da habitação. Radhu me pediu que lhe fizesse massagem nos pés. Mas, não estando de acordo com minha massagem, disse-me que friccionasse com mais força. A Mãe me disse: “Sri Ramakrishna ensinou-me a arte e fazer massagem. Dá-me tua mão”. Estendi minha mão e ela me ensinou como fazer a massagem, logo Radhu dormiu. A Mãe disse-me: “Passa suavemente tuas mãos sobre meus pés. Os mosquitos estão me picando”. Ficou quieta por um momento e logo disse: “Este é um mal ano para o Monastério de Belur. Foram-se Baburam, Devavrata e Sachin”.
Eu tinha ouvido dizer que Swami Brahmananda tinha visto espíritos desencarnados no edifício de Udbodhan, poucos dias antes da morte de Devavrata Maharaya e perguntei a Mãe sobre esse assunto. Ela disse-me: “Por favor, fale em voz baixa, filha; do contrário, as pessoas que te ouvirem se assustarão. Sri Ramakrishna via com freqüência muitos desses espíritos. Um dia, estava na quinta casa de Benipal, em companhia de Rakhal (Swami Brahmananda). Enquanto passeava pelo jardim, um espírito se aproximou e disse-lhe: ‘Por que veio aqui? Não podemos suportar tua presença; nos sentimos queimar. Deixa logo este lugar’. Como poderiam suportar Sua pureza e fulgente santidade? Com um sorriso, Sri Ramkrishna deixou aquele lugar, mas não contou a ninguém o ocorrido”.
“Imediatamente depois da cena, pediu a alguém para chamar uma carruagem, embora já tivesse sido anteriormente combinado que Sri Ramakrihna passaria a noite ali. Regressou a Dakshineswar. Eu ouvi o ruído da carruagem, quando se aproximava do portão. Agucei o ouvido e escutei a voz de Sri Ramakrishna, que falava com Rakhal. Me alarmei porque pensei: “Não sei se já havia tomado sua ceia. Se não havia ceado, onde conseguirei comida a estas horas da noite?”. Eu sempre guardava algo na despensa para Ele, pelo menos sêmola. Ele costumava pedir comida fora das horas habituais. Eu estava completamente segura que aquela noite não regressaria, de maneira que minha despensa estava vazia. Todas as portas estavam fechadas, pois era uma hora da manhã. Sri Ramakrishna golpeou com as mãos e começou a repetir os nomes de Deus. Alguém abriu a porta da entrada. Eu pensei, com muita ansiedade, o que podia dar-lhe de comer, no caso de ter fome. Mas eu o ouvi gritar: “Não te preocupes com a comida; eu já ceei”. Logo contou a Raklhal do espírito que lhe havia aparecido. Rakhal se assustou e disse: “Deus meu! Que prudente foi ao não me contar enquanto estávamos na casa de Benipal, pois, do contrário, teria batido os dentes de medo. Agora mesmo estou assustado”. A Mãe terminou o relato rindo cordialmente.
Devota: Mãe, aqueles espíritos deviam ser tolos. Em vez de pedir a Sri Ramakrishna a libertação, pediram-Lhe que se fosse.
Mãe: Sem dúvida, eles se libertariam. A presença do Mestre não pode ser em vão. Uma vez Narén libertou um espírito desencarnado, em Madrás.
Narrei a Mãe um de meus sonhos. Disse; “Mãe, uma vez sonhei que ia por certo lugar, com meu marido. Chegamos a um amplo rio, cuja margem oposta não se via. Enquanto caminhávamos por um caminho sombreado ao longo do rio, uma trepadeira cor dourada envolveu de tal maneira meus braços, que não pude me safar. Então, do outro lado do rio, em um bote, veio um jovem de pele escura e me disse: ‘Corta a trepadeira que te aprisionou e então me leve a outra margem’. Eu cortei quase toda a trepadeira, exceto um de seus ramos, do qual não podia me livrar. Entretanto, meu marido também desapareceu. Desesperada, disse ao rapaz: ‘não posso livrar-me deste ramo. Deves me levar ao outro lado’. Dizendo isto, saltei do bote. Este se pôs em marcha e meu sonho se desvaneceu’”.
Todas as coisas
mundanas são ilusórias
A Mãe disse: “O rapaz que viste não é outro senão a Mahamaya, a grande Ilusionista cósmica. Ele te levou para mais além das águas do mundo, nessa forma. Tudo, marido, esposa e até o corpo, são ilusórios. Esses são os grilhões da ilusão. A menos que te libertes dessas ligações, nunca poderás cruzar a outra margem do mundo. Até o apego ao corpo, a identificação do ser com o corpo, deve desaparecer. Que é este corpo, minha querida? Não é mais do que três libras de cinzas, uma vez cremado. Por que deve ser motivo de tanta vaidade? Por mais forte e formoso que seja o corpo, ao final consistirá nesses três punhados de cinzas. E todavia, as pessoas estão tão apegadas a ele. Glorificado seja Deus!
O almiscareiro e a
imanência de Deus
“Uma vez passei dois meses em Kailwar, no distrito de Arah. É um lugar muito santo. Estavam comigo Golap-Ma, a esposa de Balaram e a mãe de Baburam. Na região, abundavam os almiscareiros. Um rebanho costumava pastar perto e assumia forma de um triângulo. Tão logo nos viram, corriam como pássaros; pareciam voar. Nunca tinha visto antes animal algum correr tão rápido. Sri Ramakrishna costumava dizer: ‘O almíscar se forma sob do ventre do almiscareiro. Fascinado pelo perfume, corre daqui pra lá. Não sabe de onde vem a fragrância. De mesma maneira, Deus reside no corpo humano, mas o homem não sabe. É por isso que busca a felicidade por todas as partes, sem saber que a tem dentro de si mesmo’. Só Deus é real. Tudo o mais é enganoso. Que dizes tu, filha minha?”.
A Santa Mãe tinha espinhas por todo o corpo. Disse-me: “Faz três ano que estou sofrendo disto. Não sei pelos pecados de quem estou sofrendo neste corpo. De outra maneira, como é possível para mim ter enfermidade alguma?”.
21 de agosto de 1016
Era de tarde quando fui ver a Santa Mãe. Estava recostada sobre uma esteira, estendida no chão. Prosternei-me ante ela e disse-lhe: “Faz muito tempo que estou longe de meu lar, em Kalighat. Agora posso ir lá?”.
Mãe: Por que não ficas aqui uns dias mais? Uma vez que vás a Kalighat, não poderás vir aqui com freqüência. O dia que tu não vens fico muito preocupada. Ontem não vieste e eu comecei a pensar que tu não estavas bem. Se tu não viesses hoje, certamente haveria mandado alguém perguntar por ti. Mas se teu marido está indisposto, e se credes que necessita de ti, então terás que ir a Kalighat.
Disse-lhe que não havia tal dificuldade; que a única coisa que temia, era a crítica das pessoas, por ficar demasiado tempo na casa de minha irmã. A Mãe me pediu que não lhes fizesse caso e me aconselhou que ficasse em Calcutá um mês mais.
Um brahmachari veio dizer a Santa Mãe que havia chegado uma devota que queria vê-la. A Mãe sentia-se muito cansada e estava recostada. Disse: “Ai de mim, tenho que ver outra pessoa. Vou morrer!”. Sentou sobre a cama e um momento depois, entrou uma senhora bem vestida que se inclinou e tocou os pés da Santa Mãe com a cabeça.
“Por que tocas meus pés? Podia saudar-me de certa distância”, disse a Mãe. Logo lhe perguntou como se sentia.
Devota: Mãe, a senhora sabe que meu marido está doente desde algum tempo.
Mãe: Sim, assim ouvi dizer. Como se encontra agora? Que enfermidade tem? Quem o trata?
Devota: Tem diabetes. Seus pés incham e os médicos dizem que é uma enfermidade perigosa. Mas eu não faço caso dessas opiniões; a senhora deve cura-lo, Mãe. Por favor, diga-me que se curará.
Mãe: Eu não sei nada, filha. O Mestre é tudo. Se Ele quer, então teu marido ficará bem. Ora ao Mestre por ele.
Devota: Agora me sinto muito feliz, Mãe. Sri Ramakrishna não pode nunca passar por alto tuas súplicas.
Começou a chorar, pondo sua cabeça aos pés da Santa Mãe.
A Mãe a consolou e lhe disse: “Reza ao Mestre. Ele curará teu marido. Qual é sua dieta agora?”.
Devota: Toma luchi e algumas outras coisas que foram prescritas pelo médico.
Logo se despediu da Santa mãe e foi ver Swami Saradananda.
“Dia e noite estou queimando-me com a dor e sofrimento das pessoas”, disse a Mãe; e tirou a roupa. Eu ia unta-la com o azeite medicinal, quando entrou na casa uma parenta da senhora que acabara de sair. A mãe teve que levantar-se de novo.
Quando a visitante se foi, a Santa Mãe voltou a deitar-se e disse: “Que entre qualquer pessoa. Não vou me levantar mais para quem quer que venha. Que incômodo, filha, levantar-se uma e outra vez, com meus doloridos pés! Ademais, devido a estas espinhas, tenho uma sensação de queimadura nas costas. Por favor, passe-me bem o azeite”.
Enquanto eu a friccionava com o azeite, a Mãe se referiu a senhora que havia estado ali e disse: “Seu marido está gravemente doente. Ela veio aqui rogar a Deus para sua melhora. Em vez de mostrar um espírito de oração e penitência, cobre-se de perfumes. Isso cai bem a alguém que vem a um templo? Ah! Tal é a natureza de nossa gente moderna!”.
Quando eu estava me despedindo, a Mãe disse a alguém que me desse prasad.
23 de agosto de 1918
Fui visitar a Mãe, à tarde. Referindo-se a uma devota, disse: “Ela impõe à sua nora uma disciplina demasiado restrita. Não deveria chegar a tal extremo. Embora deva ter um olho posto nela, também deveria dar-lhe certa liberdade. É só uma jovenzinha. Naturalmente gosta de desfrutar de algumas coisas lindas. Se ela se faz muito severa, pode abandonar o lar e até chegar ao suicídio. Que faria ela, então?”. Olhando-me disse: “A moça pintou um pouco os pés. É acaso um crime? Ai, nem sequer pode ver seu marido, porque se fez monge. Eu via meu marido com meus próprios olhos; cuidava Dele e cozinhava para Ele e estava a Seu lado toda vez que me permitia”.
Prática espiritual
e realização de Deus
Outro dia, eu me encontrava na casa da Santa Mãe, quando chegou um monge que se prosternou ante ela e disse: “Mãe, por que a mente, de vez em quando, fica inquieta? Por que não posso meditar constantemente em ti? Muitos pensamentos inúteis perturbam minha mente. As coisas comuns, podemos tê-las em só deseja-las. Não realizarei nunca ao Senhor? Mãe, diga-me, como posso alcançar a paz? Atualmente, raras vezes tenho alguma visão. De que serve esta vida se não posso realizar Deus? Melhor seria morrer que levar uma vida tão inútil”.
Mãe: Por que falas assim, filho? Não permitas que essas idéias ocupem tua mente. Pode alguém ter todos os dias a visão de Deus? Sri Ramakrishna costumava dizer: “Pode um pescador pescar uma grande carpa (peixe de rio) cada vez que se senta para pescar? Põe tudo em ordem, tira o anzol e com seu caniço na mão, se concentra. De vez em quando uma grande carpa fisga o anzol. Mas muitas vezes não pesca nada”. Não afrouxe tuas práticas por essa razão. Aumenta o yapam (repetição do mantra).
Yoguin-Ma: Sim, está certo, o “Nome” é idêntico a Brahman. Embora a mente não se concentre a princípio, no final terás êxito.
Monge: Por favor, Mãe, indique-me quantas vezes devo repetir o Santo Nome. Isso pode me ajudar a alcançar a concentração.
Mãe: Dez mil vezes, até vinte mil; ou tantas vezes puder.
Monge: Mãe, um dia eu estava ajoelhado no templo, chorando, quando de repente te vi de pé ao meu lado. Disseste-me: “Que queres?”. Respondi: “Quero tua graça, Mãe, como se a concedesse ao rei Suratha”. Logo acrescentei: “Não Mãe, isso foi feito por ti como Durga (1). Não me interessa essa forma. Quero ver-te como és agora”. Com um sorriso, desapareceste. Minha mente ficou mais inquieta e nada me satisfaz. Às vezes penso: “Se não posso realizar a Mãe, então de que serve esta vida?”.
(1)
Referência a um relato contido no “Devimahatmya” – um grande texto
devocional do culto a Divina Mãe – no qual um rei de nome Suratha e um mercador
chamado Samadhi, ambos exilados de sua pátria e fora do lar, adoraram a Divina
Mãe e receberam Sua graça.
Mãe: Por que estás tão inquieto, filho? Por que não te agarras firmemente ao que alcançaste? Lembre sempre: “Se não tenho nada mais, pelo menos tenho a Mãe”. Recorda das palavras de Sri Ramakrishna? Ele disse que se revelaria a todos os que tomam refúgio Nele, embora estivessem no último dia de suas vidas. Ele levará a todos.
Monge: Tenho vivido como um grande devoto. Sua esposa é de família aristocrática e gasta muito dinheiro comigo.
Mãe: Diga-lhe que não gaste tanto dinheiro contigo. O dinheiro dos devotos que vivem no mundo, se bem beneficia os monges, só serve para que eles tenham albergue e comida durante os quatro meses que dura a estação das chuvas. Durante esse tempo, há muita dificuldade para sair a mendigar.
O monge se prosternou ante a Mãe e saiu da casa.
3
de setembro de 1918
Recordações de Sri Ramakrishna
Fazia alguns dias que eu não andava muito bem de saúde. Quando me senti melhor, uma tarde fui visitar a Santa Mãe. No curso da conversação, a Mãe começou a falar de Sri Ramakrishna.
Mãe: (dirigindo-se a mim). Que dia agradável passamos ontem! Sarala nos leu algo sobre Sri Ramakrishna. Que formosas eram aquelas palavras! Como podíamos saber, então, o rumo que tomariam as coisas! Que grande alma havia nascido! Quanta gente é iluminada por suas palavras! Ele foi a personificação da Bem-aventurança. As vinte e quatro horas do dia eram dedicadas a música devocional, saudável alegria, risos, ensinamentos, formosos relatos. Até onde eu recordo, nunca vi o Mestre incomodado por coisa alguma. Com freqüência dava-me conselhos, ditos todos eles com belas palavras. Se eu soubesse escrever, os teria anotado. Bem, Sarala, leia algo hoje.
Sarala começou a ler algo do “Evangelho de Sri Ramakrishna”.
Mãe: Notem as palavras que dirigiu o Mestre ao pai de Rakhal: “Uma boa macieira só produz boas maçãs”. Com estas palavras deixava satisfeito o pai de Rakhal (Swami Brahmananda). Quando ele vinha a Dakshineswar, Sri Ramakrishna dava-lhe coisas deliciosas. Temia que o pai levasse o menino. Rakhal tinha madrasta. Quando vinha o pai, o Mestre dizia a Rakhal: “Mostre-lhe tudo e seja muito atencioso com ele”.
Sarala estava agora lendo sobre Brinde, a servente. A Mãe disse: “Não era ela uma mulher dócil. Era costume deixar de lado certa quantidade de luchis para seu desjejum. Chegava-se a notar sua falta, era tremendamente abusada. Dizia: ‘Olhem e estes filhos de cavaleiros! Comeram também minha parte. Não tenho sequer um pouco de doces para mim’. Sri Ramakrishna temia que as palavras da servente pudessem chegar aos ouvidos dos jovens devotos. Uma manhã cedo, o Mestre veio a Nahabat e disse-me: ‘Bem, foi dado a outros os luchis de Brinde. Prepare alguns para ela, pois, do contrário, começará a gritar. Deve-se evitar embrulhadas com gente torcida’. Quando Brinde chegou, lhe disse: ‘Olhe Brinde, não há desjejum para ti hoje. Vou preparar-te alguns luchis’. Ela respondeu: ‘Está bem, não se incomode; dê a mim os ingredientes’. Então lhe dei a farinha, manteiga, batata e alguns vegetais”.
Depois de terminar o capítulo, Sarala foi atender Golap-Ma, que estava doente.
O ideal monástico
A Mãe começou a falar em voz baixa: “Vês este corpo humano? Hoje está e amanhã não estará. E este mundo está cheio de miséria e sofrimento. Por que deve alguém se preocupar com um novo nascimento? O corpo nunca fica livre de ser acompanhado de mal-estares! Outro dia Bilas disse-me: ‘Mãe, temos que estar sempre alertas. Sempre temos temor de ter algum mal pensamento’. Isso é muito certo. Um monge é como um pano branco recém lavado, enquanto que o chefe de família é como um pano negro. As manchas não se notam tanto no pano negro; mas até uma só mancha de tinta se destaca notavelmente na roupa branca. Esta vida está sempre rodeada de perigos. O mundo todo está submergido na sensualidade e no ouro. O monge deve praticar sempre desapaixonamento e renúncia. Por isso Sri Ramakrishna dizia: ‘Um monge sempre deve estar alerta e ter cuidado’”.
Necessidade de autocontrole para os chefes de família
Entretanto, o Maharaya Harahar, entrou no templo para fazer a oferenda de comida à imagem. Referindo-se a ele, a Mãe disse: “Olha esse jovem que renunciou ao mundo. Deixou tudo em nome de Sri Ramakrishna. Os homens mundanos concebem filhos sem limite, como se esse fosse o único dever no mundo. Sri Ramakrishna costumava dizer: ‘Depois de ter um ou dois filhos, deve-se praticar austeridade’. Ouvi dizer que os ingleses têm filhos de acordo com o montante de seus bens. Depois do nascimento dos filhos que desejam ter, o marido e a mulher vivem separados, ocupando-se cada um de suas tarefas. Por outro lado, olha a nossa raça!”.
A Mãe continuou, com um sorriso: “Ontem veio ver-me uma jovem. Tinha uma quantidade de filhos; uns suspensos em suas costas e outros em seus braços. Apenas podia manejar todo o grupo. Pode imaginar o que disse? Disse-me: ‘Mãe, não encontro nenhum deleite nesta vida mundana’. E eu respondi-lhe: ‘Como, filha? Tu tens tantos pequeninos!’. Ela respondeu: ‘Já se acabou; não terei mais filhos’. Disse-lhe: ‘Seria bom que cumprisse tua intenção’”. A Mãe começou a rir.
Devota: Bem, Mãe, de acordo com a concepção hindu, o marido é para nós, o mais adorado guru. As escrituras dizem que o servindo, a esposa pode ir ao céu e até alcançar a união com Deus. Agora bem, se a esposa, mesmo contra a vontade de seu marido, trata de praticar autocontrole por meio da oração e disciplina espiritual, por isso, comete um pecado?
Mãe: Com toda segurança que não. Tudo o que fazes para a realização de Deus, não pode ter um mau efeito. O autocontrole é absolutamente necessário. Todas as austeras disciplinas prescritas para as viúvas hindus, são para ajuda-las a praticar o autocontrole.
Todos os atos de Sri Ramakrishna eram dirigidos somente a Deus. Uma vez fiz o Shodasi Puya, tomando-me como objeto de adoração. Perguntei-lhe que devia fazer com os braceletes, as pulseiras, a roupa e outras coisas usadas no culto. Depois de pensar um momento, disse-me que podia dar todas essas coisas à minha mãe. Meu pai vivia, então. Sri Ramakrishna disse-me: “Quando lhe oferecer essas coisas, não pense que ela é um ser humano comum. Pensa nela como sendo a personificação da Divina Mãe do universo”. Eu segui Suas palavras. Tal era a natureza de Seu ensinamento.
4 de setembro de 1918
A Mãe estava sentada sobre o pequeno tapete que usava para meditar, passando o rosário. O culto vespertino havia terminado. Entrou uma cunhada da Mãe e disse-lhe: “Por favor, tranqüiliza minha mente. Estou cheia de preocupações. Não quero viver nenhum dia mais. Vou fazer meu testamento a teu favor. Depois de minha morte, disporás de minha propriedade”. A Mãe riu-se e disse: “Quando vais morrer?”. De repente se pôs grave e a repreendeu por suas tolas idéias que atribuiu a sua falta de juízo e vida ociosa.
Logo sorriu e olhando-me, disse: “Te dás conta, filha, do inescrutável jogo de Sri Ramakrishna? Olha os meus parentes! Observa que más companhias me rodeiam! Uma já está louca e esta está à beira da loucura. E olha a terceira! Com quanto afã tratei de educa-la, mas foi tudo inútil! Não tem o mais leve rasgo de sensatez. Olhe-a, está ali na galeria, apoiando-se contra o balcão, esperando ansiosa pela volta do marido. Teme que o marido entre nessa casa onde se ouve música. Dia e noite trata de tê-lo ao alcance da vista. Que desambientado apego! Nem em sonhos me ocorreu pensar que seria tão apegada”.
A parente da mãe deixou o lugar com ar pesaroso e a Mãe recostou-se em sua cama.
Mãe: Filha minha, és muito afortunada ao haver nascido como ser humano. Tens intensa devoção a Deus. Alguém deve fazer um grande esforço. Como pode alguém terminar algo sem esforço? Deves dedicar algum tempo a oração, mesmo em meio as tuas muitas ocupações diárias. Quando vivia em Dakshineswar, eu tinha meus dias sumamente ocupados, contudo eu tinha tempo para oração e meditação... Que essa cunhada minha, que se queixa de mal-estar mental, faça como tu. Que se levante as três da manhã e sente-se a meditar na galeria, ao lado de minha casa. Queria ver, então, se poderia seguir com seus transtornos mentais. Todavia não o fará; a única coisa que faz é falar de seus males! Qual é seu sofrimento? Eu nunca conheci, filha, o que é mal-estar mental. Porém agora estou sofrendo dia e noite, a causa de meus parentes. Foi um momento desafortunado quando esta cunhada entrou nessa família; todos meus sofrimentos são devidos aos meus esforços para criar a sua filha Radhu. Que se vão todas! Não quero mais nenhuma delas! Olha estas mulheres; nunca me dão ouvidos. Que mulheres mais desobedientes!
Golap-Ma: Olhem como se enfeitam! Pensam que foi assim que conseguiram o amor de seus maridos.
Mãe: Ah! Com quanta delicadeza tratava-me Sri Ramakrishna! Nem uma só vez pronunciou uma palavra que ferisse meus sentimentos. Costumava dizer-me: “Deve-se estar sempre ativo. Nunca se deve estar sem trabalho. Quando alguém está ocioso, toda espécie de maus pensamentos surge na mente”.
Controle da mente e realização de Deus
Filha, esta mente é como um elefante selvagem. Ela vai aonde vai o vento, por isso deve-se discernir continuamente. Deve-se trabalhar regiamente para alcançar a realização de Deus. Que maravilhoso estado mental tinha nessa época! Alguém costumava tocar a flauta, à noite, em Dakshineswar. Ao ouvi-la, minha mente sentia uma forte ansiedade de realizar a Deus. Eu pensava que a música vinha diretamente de Deus e entrava em samadhi (êxtase; absorção espiritual). Experimentei também o mesmo êxtase em Belur. O lugar era, então, muito tranqüilo e sentia-me constantemente em um estado meditativo. Por isso Naren (Swami Vivekananda) quis construir ali uma casa para mim. O terreno onde foi construída essa casa foi cedido por Kedar Das. Mas agora o preço da terra subiu muito e já é impossível comprar um lote. Tudo isto foi feito pela graça de Deus.
Nesse instante entraram no cômodo sua sobrinha Makú, com seu filho nos braços. Deixou o menino ali e disse: “Mãe, que devo fazer? Não quer dormir nada”. A Mãe disse: “O menino tem a qualidade sattva (calma, serenidade), por isso não dorme”.
A Mãe estava sofrendo terrivelmente pelas bolhas que tinha por todo seu corpo. A seu pedido, passei-lhe azeite medicinal.
Um dia a Mãe estava sentada na galeria que dá ao norte, no primeiro andar de sua casa. Sofria muitíssimo com as bolhas que não se iam desde há vários dias. Disse que isso ocorreu devido aos muitos devotos que a tocavam e seus pecados eram transferidos a ela na forma de enfermidade. Logo a conversa versou sobre Sri Ramakrishna.
Reminiscências de Sri Ramakrishna
Mãe: uma vez, quando Sri Ramakrishna estava doente, em Cossipore, passaram por ali muitos devotos que levavam oferendas para a Mãe Kali, no templo de Dakshineswar. Ao inteirar-se de que Sri Ramakrishna estava doente, ofereceram tudo o que trouxeram, ante uma fotografia de Sri Ramakrishna e compartilharam do prasad (1).
(1) Isso ocorreu em Cossipore. Alguns devotos
levavam diferentes espécies de doces como oferenda a Mãe Kali. Mas, em vez e
oferece-los à Mãe Kali, em Dakshineswar, eles fizeram a oferenda ante uma
fotografia do Mestre, no hall que tinha na casa e Cossipore.
Ao ouvir o ocorrido, o Mestre
observou: “Todas essas coisas eram para a Mãe do universo, contudo,
ofereceram-nas aqui (referindo-se a Ele mesmo)”. Eu me assustei muito por isto
e pensei: “Ele está sofrendo dessa perigosa doença. Quem sabe o que pode suceder?
Que calamidade! Por que eles oraram dessa maneira?”. (2) O Mestre também se referiu
repetidas vezes a este incidente. Depois, a avançada hora da noite, disse-me:
“Verás, com o passar do tempo, que serei adorado em cada lar. Verás como todos
aceitarão a este (referindo-se a si mesmo). Isto, com toda segurança, vai
suceder-se”. Aquele foi o único dia em que, falando a respeito de si mesmo, o
ouvi usar o pronome na primeira pessoa. Nunca referiu
a si mesmo como “eu” ou “meu”, senão que, indicando seu corpo, dizia: “esta
capa” ou “pertencente a isso”.
(2) É sacrílego oferecer a um homem o que é destinado a Deidade, pois se teme que isto possa acarretar
alguns infortúnios. Sri Ramakrishna parecia ter, também, o mesmo sentimento, no
princípio, assumindo o aspecto do humilde devoto, mas a parte que segue,
demonstra que a adoração Dele não é incorreta, se há compreensão de Seu divino
aspecto. Isto indica a variação que há nos estados de ânimo de um devoto e a
Divindade que há nele.
Depois que o Mestre deixou Seu corpo, houve uma discussão para determinar a quem deveria ser entregue alguns de Seus bens de valor, como a manta de lã, o xale e outras coisas. No final, os devotos resolveram colocar tudo em um baú e tê-los na sala da casa de Balaram Bose. Mas, filha, quem conhece a vontade do Mestre! Nessa casa de Balaram, havia um servente que roubou a maior parte de suas coisas e as vendeu ou lhes deu outro destino. Não foi prudente ele deixar ali tais coisas. Deveriam tê-las guardado em outro lugar da casa. O que ficou dos bens do Mestre, guarda-se agora no Monastério de Belur.
Meu sogro (o pai de Sri Ramakrishna), era um brahmin muito piedoso e espiritual. Nunca aceitava presentes de ninguém. Havia proibido sua gente que aceitasse presentes durante sua ausência. Mas enquanto isso minha sogra, se as pessoas lhe presenteassem privadamente de algo, ela o cozinhava, oferecia-o à Deidade e logo o repartia como prasad. Meu sogro se zangava, se chegava a saber. Ele sentia uma ardente devoção. Por isso é que o Mestre nasceu nessa família.
Uma mulher chamada Hari Dasi, queria ir em peregrinação a Navadwepp; mas não chegou lá, pois se deteve em Kamarpukur. Queria-me muito bem; era uma mulher de grande fé. Levava consigo um pouco de terra, que tirou do lugar onde nasceu o Mestre e costumava dizer: “Este lugar é meu Navadweep. Gouranga mesmo nasceu ali. Para que vou mais além”. Que tremenda fé!
Depois que Sri Ramakrishna deixou Seu corpo, um sadhu (monge) veio a Kamarpukur, desde Orissa. Eu costumava dar-lhe arroz, lentilhas e outras coisas. Ia visitá-lo pela manhã e a tarde e perguntava-lhe: “Reverendo senhor, como estás?”. Ah! Com que grande dificuldade construí uma cabana para ele! Todos os dias o céu se cobria com nuvens e a cada momento parecia que ia descambar a chuva. Então, juntando as mãos, eu implorava: “Oh! Senhor, espera um pouco; espera um pouco! Deixe-me terminar a choupana; e depois que chova torrencialmente, se for preciso”. As pessoas do povoado me ajudaram, trazendo madeiras, palha e outros materiais. De algum modo, a cabana foi terminada; mas, desafortunadamente, o sadhu faleceu alguns dias depois.
Sri Ramakrihna costumava dizer que Seu corpo tinha vindo de Gaia. Quando Sua mãe faleceu, pediu-me que fosse a Gaia para oferecer pindam (tortas que se fazem por ocasião de funerais). Disse-lhe que não correspondia a mim fazer os ritos, estando vivo o filho. O Mestre respondeu: “Não, não; tu tens o direito de fazer a cerimônia. De nenhuma maneira devo ir a Gaia. Se for, acreditas que, depois, será possível retornar?”. (1) Por isso, eu também pretendi que Ele fosse. Mais tarde eu fiz ali esse culto.
(1) Diz-se que o nascimento de Sri Ramakrishna foi
anunciado ao Seu pai por uma visão da Deidade de Gaia que este teve e a qual
antecipou que Ele nasceria como seu filho. Daqui a associação espiritual que
Ele tinha com Gaia o conquistaria a ir a esse lugar.
28 de setembro de 1918
Fui ver a Santa Mãe pela manhã e a encontrei preparando frutas para o culto. Assim queme viu, disse-me: “Alegro-me muito vê-la aqui. Hoje é o dia de Boddhan (o dia anterior ao começo da festividade hindu de Durga Puya)”. Eu havia esquecido por completo. Acrescentou: “Por favor, arrume estas flores para Sri Ramakrishna e coloque deste lado a bandeja de frutas”. Cumpri seu pedido. Logo arrumei seu cabelo. Enquanto a penteava, saíram alguns cabelos. A Mãe disse-me: “Aqui os tens; conserva-os”. Senti-me muito feliz. Eu tinha um forte desejo de ter alguns de seus cabelos,
O célebre médico Shyamadas Kaviraga veio para examinar Radhu. Quando o exame terminou, a Mãe disse a Radhu que se inclinasse diante do médico. Radhu assim o fez. Quando o médico saiu da casa, alguém perguntou: “E médico é brahmin?”.
Mãe: Não, é vaisya (comerciante).
Devota: Por que então, disseste a Radhu que se inclinasse ente ele?
Mãe: Por que não? Este médico tem tanta sabedoria; é igual a um brahmin. Ante quem se deve alguém inclinar, senão ante ele? Que dizes tu, filha?
30 de setembro de 1918
Era o segundo dia de mahastami (segundo dia de Durga Puya, considerado o mais propicio pelos hindus). Minha irmã e eu chegamos ao edifício do Udbodhan de manhã cedo. Depois de um tempo, chegaram umas devotas com flores. Renderam culto à Santa Mãe e foram tomar banho no Ganges. A Mãe perguntou-me: “Ficarás hoje? É Mahastami, o segundo dia de Durga Puya”. Respondi afirmativamente. Um momento mais tarde, veio Sarat Maharaya (Swami Saradananda) para saudar a Mãe. Nós fomos à outra habitação. A Mãe estava sentada sobre a cama, com os pés apoiados no chão. Chegaram muitas devotas e se inclinaram ante ela.
Mais tarde fomos tomar nosso banho no Ganges, em companhia de Maku e outras mulheres, a Mãe disse que tomaria seu banho em casa, porque o reumatismo a impedia de ir todos os dias ao Ganges. Quando voltamos, encontramos muitas devotas rendendo culto a Santa Mãe. Muitas delas traziam tecidos novos como oferendas. Depois da adoração, envolveram com os tecidos o corpo da Mãe, como se costumava fazer com a imagem de Kali, em Kalighat. Logo a Mãe colocou os tecidos de lado, um por um. A algumas devotas ela dizia: “É um formoso corte de tecido!”.
Entrou um brahmachari (aspirante espiritual) a anunciar que os devotos vinham saudar a Santa Mãe. Que cena impressionante! Trazendo nas mãos flores, lotos abertos, folhas de bael, os devotos entraram um por um; e depois de adorar e saudar a Mãe, saíram da mesma forma. Passou algum tempo dessa maneira. Vieram logo os membros da família de Balaram e adoraram a Santa Mãe. Eu fui a última a entrar. Depois da adoração, envolvi seu corpo com um tecido novo e disse em seguida: “Porei esse tecido porque hoje devo colocar algo novo”. Em seguida se vestiu com o tecido que eu lhe havia dado. Isto encheu meus olhos de lágrimas. Depois de tudo, não era mais que um corte de tecido ordinário. E haviam tecidos tão custosos! Eu era a filha pobre da Mãe. Seu excessivo afeto para comigo deixou-me desconcertada. A Mãe disse: “Que lindo debrum tem este tecido!”.
Uma mulher vestida de cor ocre (cor usada pelos monges) rendeu culto à Santa Mãe e pôs duas rúpias a seus pés. A Mãe disse: “Por favor, por que faz isso? A senhora leva o hábito ocre e tem um rosário de rudraksa (certa semente)”. A Mãe lhe perguntou acerca de seu mestre espiritual. A mulher respondeu que não havia sido iniciada. Disse a Mãe: “Sem iniciação e sem nenhuma realização espiritual, colocaste esse hábito sagrado. Isso não é apropriado. O hábito ocre que colocou é algo muito sagrado. Eu estava a ponto de saudá-la juntando minhas mãos. As pessoas se inclinaram a teus pés. Deves alcançar o poder de assimilar a honra que te ronda”. A mulher disse: “Eu tinha o desejo de ser iniciada pela senhora”.
Mãe: Como é possível?
Mas a mulher insistiu. Golap-Ma a apoiou. A Mãe pareceu ceder um pouco a disse: “Vamos pensar nisso”.
Gauri-Ma veio com as meninas de seu ashrama. Todas renderam culto à Mãe, tomando prasad e se foram.
Depois de terminar o culto no templo, Bilas Maharaya veio e disse em voz baixa a Santa Mãe: “Não sei, Mãe, se Ramakrishna aceitou a comida que foi oferecida hoje. Caiu-lhe em cima uma folha impura trazida pelo vento. Por que ocorreu isto? Muitos devotos trazem oferendas de suas casas. Eu não sei o que aconteceu”. A Mãe perguntou se havia borrifado água do Ganges. Ele respondeu afirmativamente e saiu. Me senti mentalmente incomodada ao ouvir isto.
A adoração a Santa Mãe seguia fazendo-se da mesma maneira. Tão logo se tirava um montão de folhas e folhas de bael, outra nova pilha se formava ao redor de seus pés.
Seu afeto para com os pobres
Era hora de fazer o culto do meio-dia, quando chegou um grupo de três homens e três mulheres para saudar a Santa Mãe. Vinham de muito longe e eram muito pobres. Tudo o que tinham era um pedaço de pano com que cada um estava vestido. Haviam mendigado sua passagem para chegar a Calcutá. Um do grupo – um homem – teve um aparte coma Santa Mãe. Parecia que a conversa não ia ter fim. A Mãe devia ir ao templo para fazer o culto e já passava da hora. Os de casa começaram a enfadar-se. Alguém disse ao devoto, com palavras que não deixavam lugar para dúvidas: “Se tens algo mais a dizer, é melhor que desça e fale com os monges maiores”. Mas a Mãe se manifestou com certa firmeza: “No importa que se faça tarde. Devo escutar o que eles têm para dizer-me”. Continuou escutando o devoto com grande paciência. Em voz baixa lhe deu algumas instruções. Logo mandou chamar também a esposa. Nós supomos que eles haviam tido alguma experiência em sonho. Depois de uma hora, despediram-se da Santa Mãe. A Mãe disse: “Oh! Eles são muito pobres! Chegaram aqui com muita dificuldade!”.
Depois do culto do meio-dia, almoçamos. A Mãe tinha, agora, desejo de descansar e nós nos retiramos a uma habitação contígua.
Eram já quatro horas da tarde. Depois de terminar o culto no templo, Rashbehari Maharaya disse: “Mãe, uma senhora européia veio para saudar-te. Faz um longo tempo que está esperando”. A Mãe lhe disse para chamá-la. Quando a senhora se inclinou para saúda-la, a Mãe apertou sua mão. Verifiquei, neste exemplo, as palavras de Sri Ramakrishna de que as pessoas devem conduzir-se conforme a época e as circunstâncias. Logo a beijou, tocando-lhe o queixo. A senhora, que sabia bengali, disse: “Espero que não tenha a incomodado com minha visita. Para vê-la esperei um longo tempo embaixo. Estou passando por um mau momento. Minha única filha, uma menina muito boa, está gravemente doente; por isso, vim aqui implorar sua ajuda e bênção. Conceda-lhe sua graça para que se cure. É uma menina muito boa. Faço este elogio porque hoje em dia é pouco comum encontrar entre nós, uma boa mulher. Eu posso afirmar que a maioria é maliciosa e de mau caráter; mas minha filha é de natureza muito distinta. Por favor, tenha compaixão dela”.
Mãe: Orarei por sua filha. Se curará.
A dama européia se sentiu muito alentada com a afirmação que fizera a Santa Mãe e disse: “Como a senhora disse que se curará, se curará. Não há nenhuma dúvida disso”. Pronunciou essas palavras três vezes com grande fé e ênfase. A Mãe, com um gesto afetuoso, disse a Golap-Ma: “Dá-lhe, por favor, uma flor do altar. Traz um loto”. Golap-Ma trouxe o loto, com uma folha do sagrado bael. A Mãe tomou o loto em suas mãos e fechou os olhos por um momento. Logo dirigiu seus olhos a imagem de Sri Ramakrishna e entregou a flor à senhora, dizendo: “Toque a cabeça de tua filha com ela”. A senhora aceitou a flor juntando as mãos e prostrando-se ante a Mãe. Perguntou: “Que farei depois com a flor?”.
Golap-Ma: Quando secar, atire-a no Ganges.
Senhora: Não, não! Esta pertence a Deus. Não posso atira-la. Vou fazer uma bolsinha de pano novo e ali guardar a flor. Todos os dias, tocarei com ela a cabeça e o corpo de minha filha.
Mãe: Muito bem, faça assim.
Senhora: Deus é a suprema Realidade. Ele existe. Quero contar-lhe algo. Uns dias atrás, em minha casa, um filho meu caiu de cama, com febre. Com grande fervor, orei a Deus: “Oh! Senhor! Eu sinto que Tu existes, mas quisera ter a demonstração disto”. Chorei e deixei meu lenço sobre a mesa. Depois de certo tempo, fiquei surpresa ao encontrar três palitos no lenço. Toquei três vezes, suavemente, o corpo do bebê com os palitos. Rapidamente desapareceu sua febre”.
Enquanto contava o ocorrido, profusas lágrimas corriam por suas faces. Logo acrescentou: “Eu tirei muito de seu precioso tempo. Perdoa-me”. A Mãe disse: “Não, me é muito gratificante falar com a senhora. Volta aqui na terça-feira”. Com uma reverência a senhora despediu-se da Mãe.
Quando fui visitar a Mãe uns dias depois, soube que a dama européia tinha vindo na terça-feira. A mãe lhe demonstrara um especial carinho e a iniciou. Ademais, sua filha havia se curado.
24 de março de 1920
A Santa Mãe tinha estado em sua casa de Yairambati, seu povo natal. Voltou a Calcutá depois de um ano, na primavera. Estava muito enfraquecida; tinha sofrido de impaludismo por um longo tempo. Prosternei-me ante ela e me abençoou, pondo a mão sobre minha cabeça. Perguntou-me como eu estava. Dei-lhe um pouco de dinheiro para seus gastos e ela o aceitou. Ao ver seu corpo tão enfraquecido, na pude articular palavras. Olhei seu rosto com ansiedade e pensei: “Oh! Quão pouco brilho tem e que frágil está agora seu corpo!”. A servente de minha irmã estava comigo e quis tocar os pés da Mãe; mas a Mãe lhe disse: “Pode saudar-me sem aproximar-se”. Saudou-a da porta e foi-se.
A Mãe estava tão debilitada, que era penoso até a pronúncia de uma só palavra. Eu estava sentada no chão. Subiu Rashbehari Maharaya e pediu-mr que não conversasse muito com ela. Mas de vez em quando a Mãe me perguntava algumas coisas. Eu lhe dava respostas muito curtas. Logo veio Radhu, com seu filhinho. Eu tomei a criança nos meus braços e dei-lhe algumas moedas, mas Radhu não quis que as aceitasse. A Mãe disse: “Que é isso Radhu? Ela é tua irmã; por que o menino não deve aceitar o presente, quando ela o deu com tanto carinho?”. A mãe aceitou o dinheiro. Ela sentia grande pena pelos sofrimentos do menino por causa da negligência da mãe e da avó. Radhu protestou, empregando frases ofensivas. A Mãe disse: “É inútil falar com ela”, e ficou tranqüila. Sarala e outras devotas vieram logo ver a Mãe. Conversou com elas da cama.
30 de março de 1920
Depois de cinco ou seis dias, voltei para saudar a Mãe. Fazia dois ou três dias que não tinha febre, mas estava preocupada por causa de Radhu e sua inaptidão para cuidar do filho. Ademais, Radhu tinha uma mão inchada por ter batido contra uma barra de ferro. Com a mão envolta em uma faixa suja molhada com óleo de rícino, entrou na casa para consultar o doutor Kanyilal, que tinha vindo para examinar a Mãe.
Depois que a mão de Radhu foi enfaixada, a Mãe se encostou e me pediu que lhe massageasse os pés. Enquanto lhe fazia massagens, disse-lhe se podia perguntar-lhe algo e se isso não lhe causaria incômodo.
Sobre práticas e experiências espirituais
Mãe: Não , não. Podes falar tudo o que queiras.
Contei-lhe uma experiência que havia tido e a Mãe falou: “Ah! Filha, pode alguém experimentar esse deleite todos os dias? Tudo é real. Nada é falso. O Mestre é tudo. Ele é a prakriti (natureza psicofísica); Ele é o purusha (o Ser). Por meio Dele, alcançarás tudo.
Discípula: Mãe, um dia, enquanto praticava yapam (repetição do mantram) com grande concentração, passou muito tempo sem que eu o notasse. Logo tive que deixar a prática para atender a meus afazeres domésticos, sem haver podido terminar os demais detalhes das práticas espirituais que tu me indicaste. Cometi um erro ao fazer isso?
Mãe: Não, não. Não há nada mal nisso.
Discípula: Alguém me disse que quando medita ao entardecer, ouve um som místico. Geralmente, sente-o do lado direito; às vezes, quando a mente funciona em um plano mais baixo, o som também vem do lado esquerdo.
Mãe: (depois de pensar um momento). Na verdade, o som vem do lado direito. Só quando se tem consciência do corpo, vem do lado esquerdo. Isto sucede quando o poder da kundalini foi despertado. O som que vem do lado direito é real. Com o tempo, a mente mesma se converte em guru. Orar a Deus e meditar Nele mesmo por dois minutos com completa concentração, é melhor que faze-lo durante longas horas sem concentração.
Para não fatiga-la, não me senti inclinada a perguntar à Mãe o significado da expressão “consciência do corpo”.
Eu ia retira-me, mas a Mãe levantou a cabeça da almofada e disse: “Bem, filha, eu levantei a cabeça”. Disse-o porque é costume não se inclinar ante uma pessoa que está deitada. Quando me inclinei, disse-me: “Volta. Vem um pouco mais cedo, nesta tarde. Não podes terminar as tarefas domésticas um pouco antes e vir?”. Logo, pronunciando o nome de Durga, como uma prece para mim, despediu-se. Até depois de haver deixado a galeria, ouvia que ela seguia repetindo o nome de Durga em tom cheio de compaixão. Que amor sem limites! Enquanto estamos ao seu lado, esquecemos todos os sofrimentos e pesares da vida mundana.
A enfermidade da Mãe não mostrava sinais de melhora. Seu corpo se punha cada vez mais fraco. Fui vê-la, um dia, depois do almoço. A Mãe ia tomar seu banho a tarde. Pediu-me que a ajudasse a levantar-se e disse-me: “Tenho febre com muita freqüência e o corpo está muito fraco”.
14 de março de 1920
O aratrika (culto) da tarde havia terminado. A Mãe tem febre. Rashbehari Maharaya untava-lhe as mãos e o brahmachari Varoda fazia-lhe massagens nos pés. Estavam tomando-lhe a temperatura e a Mãe tinha os olhos fechados. Eu estava a seu lado. A Mãe perguntou: “Quem está aí?”. Rashbehari Maharaya responde-lhe em voz baixa. Ouvi que a temperatura era de 100º F.
A irmã Sudhira estava na festa que se dava às moças da Escola Nivédita, porque se iniciavam as aulas. Sarala – a discípula que atendia a Santa Mãe – também havia ido lá. A Mãe pediu ao brahmachari Varoda que fosse busca-la, porque devia dar de comer ao menino de Radhu. Embora não fosse hora de dar-lhe a comida, como a criança chorava, Radhu queria que lhe desse de comer. A Mãe tratou de dissuadi-la. Disse-lhe: “Que morras e eu acenderei tua pira funerária!”. Nós ficamos profundamente penalizados por ouvir isso. A Mãe estava tão gravemente doente e Radhu, nesse momento, tratava-a dessa maneira! Mas esta seguia gritando mais coisas injuriosas. Tal comportamento era freqüente da parte de Radhu. A Mãe, cuja paciência não tinha limites, sempre agüentava uma queda de tal conduta. Mas desta vez, devido a sua prolongada doença, ela também se aborreceu disse: “No futuro colherás o resultado de tudo isso! Verás em que triste condição estará depois de minha morte! Não sei quantas pauladas e pontapés estão reservados para ti!”.
Isto pôs Radhu mais insolente e violenta. Depois de um momento, chegou Sarala e deu de comer ao menino. As experiências daquele dia deixaram uma nuvem de tristeza sobre minha mente. A Mãe pediu-me que lhe untasse os pés. Nesse momento entrou Rashbehari Maharaya e colocou o mosquiteiro sobre a cama da Mãe. Ao deixa-la, de maneira a nos despedirmos, a Mãe disse-me; “Volte”. Este foi seu último afetuoso pedido e a última palavra que eu ouvi de seus lábios.
Eu tive que ir a Kalighat naquele dia. Depois não tive oportunidade de vê-la, devido a doença de vários de casa e outras dificuldades. Mas eu me mantinha regularmente informada de seu estado e sabia que piorava dia a dia. Na primeira oportunidade fui vê-la, com o coração cheio de temor de que perderíamos muito logo o mais precioso tesouro de nossa vida. Não obstante e mesmo perdida toda a esperança, eu seguia esperando algo.
SEGUNDA PARTE
CAPÍTULO II
(São
páginas escolhidas do diário de um discípulo monástico)
YARAMBATI
Ano de 1909
O tio Varada disse-me: “A Mãe mandou-te chamar”.
Entrei em seu apartamento interior e vi que a Santa Mãe estava de pe na porta de sua habitação, esperando-me. Quando a saudei, perguntou-me: “De onde vens?”. Eu disse o nome do distrito de meu povo natal.
Mãe: Suponho que agora estás lendo os ensinamentos do Mestre.
Eu não respondi a estas palavras. Ela falava comigo como se fôssemos conhecidos desde muito tempo atrás. Ainda recordo sua terna e afetuosa olhada.
Mãe: Pertences à casta kayastha?
Discípulo: Sim.
Mãe: Quantos irmãos têm?
Discípulo: Quatro.
Mãe: Senta-te e come algo.
Dizendo isto, a Mãe estendeu um pequeno tapete sobre o piso da galeria e me deu uns luchis e doces que haviam sido oferecidos no templo, na noite anterior.
No dia anterior, eu vim a pé desde Tarakeswar, passando a noite em uma aldeia de Deshra, ao noroeste de Yairambati, na casa de um jovem que havia conhecido na estação de Haripal.
Quando terminei de comer, a Mãe disse-me: “Não te banhes agora; tu estás muito cansado!”.
Logo me deu uma folha de betel para mastigar.
Depois do culto do meio-dia, chamou-me novamente e serviu-me o almoço sobre uma folha de shal, na galeria em frente a sua casa. Deu-me de comer com suas próprias mãos, dizendo-me: “Come bem e recorda, não tenhas vergonha!”. Depois me deu uma folha de betel.
As três ou quatro horas da tarde, fui ver de novo a Mãe. Estava sentada no chão, com as pernas estiradas para diante, preparando uma massa para fazer o pão. O forno estava num costado, ali perto. Dirigindo-me seu bondoso olhar, disse-me: “Queres algo?”.
Discípulo: Quero falar contigo.
Mãe: De que queres falar? Senta-te aqui. (Me deu um assento).
Discípulo: Mãe, as pessoas dizem que nosso Mestre é Deus Eterno e Absoluto, que tu dizes?
Mãe: Sim, Ele é Deus Eterno e Absoluto, para mim.
Como ela disse “para mim”, eu acrescentei: “É certo que, para toda mulher, seu marido é Deus Eterno e Absoluto. Não estou fazendo a pergunta neste sentido”.
Mãe: Sim, Ele é Deus Eterno e Absoluto para mim como esposo e também o é num sentido geral.
Então pensei que se Sri Ramakrishna é Deus Eterno, ela (a Santa Mãe) deve ser o Poder Divino, a Mãe do Universo. Ela deve ser idêntica a Seu divino consorte, como Rama e Sita, Krishna e Radha. Eu tinha vindo ver a Santa Mãe acariciando estas crenças em meu coração. Perguntei-lhe: “Se tal é o caso, então por que a vejo preparando pão, como uma mulher comum? Isto é maia, não é assim?”.
Mãe: É seguro que isto é o jogo da maia! Do contrário, como cairia nesta situação? Mas Deus gosta de desempenhar o papel do ser humano. Sri Ramakrishna nasceu como pastor e Rama com o filho de Dasaratha.
Discípulo: Às vezes recordas de tua natureza real?
Mãe: Sim, recordo de vez em quando. Nesse momento digo-me: “Que é isto que estou fazendo? Para que é tudo isto? Logo me lembro da casa, dos outros edifícios, dos meninos e esqueço meu ser real”.
Eu visitava a Mãe quase todos os dias em sua casa. Ela conversava comigo desde a cama. Radhu estava encostada a seu lado. O quarto estava apenas iluminado por uma lâmpada de azeite. Algumas vezes, uma servente untava os pés da Mãe com azeite medicinal, para o reumatismo.
Um dia, no curso da conversação, disse-me: “Toda vez que penso num discípulo e tenho desejo de vê-lo, ou vem aqui ou escreve-me uma carta. Tu deves ter vindo aqui impulsionado por algum sentimento. Quem sabe tenhas em tua mente a idéia da Divina Mãe do Universo”.
Discípulo: És tu a Mãe de todos?
Mãe: Sim.
Discípulo: Até dos seres subumanos, pássaros e animais?
Mãe: Sim, destes também.
Discípulo: Então, por que eles têm que sofrer tanto?
Mãe: Nascendo como tais, devem passar por estas experiências.
Outra tarde tive com a Mãe a conversa que segue.
Mãe: Todos vocês vêm para mim porque são alguém meu, muito íntimo.
Discípulo: Então sou alguém muito intimo de ti?
Mãe: Sim, quem pode duvidar? Se duas pessoas são uma para a outra, ficam inseparavelmente conectadas nos sucessivos ciclos do tempo.
Discípulo:
Todos se dirigem a ti, tratando-te de apani (1), mas eu não posso faze-lo.
Não posso usar esse tratamento. Por isso, dirijo-me a ti usando tumi.
(1)
Apani usa-se para dirigir-se a alguém superior, digno de respeito. Tumi
se usa entre iguais e expressa carinho e intimidade. Tuí
é usado para tratar as pessoas inferiores, serventes, etc.
Mãe: Está muito bem. Isso demonstra uma relação íntima.
Durante a conversa, disse-lhe: “Tu deves ter-se feito responsável por aqueles a quem iniciou com o sagrado mantram, então, por que quando te rogamos que possamos satisfazer algum desejo, tu dizes: ‘Falarei com o Mestre disso’? Não podes encarregar-te de nossa responsabilidade?”
Mãe: Certamente, encarrego-me dessa responsabilidade.
Discípulo: Abençoa-me, Mãe, para que tenha pureza de mente e devoção a Deus. Mãe, eu tinha um companheiro na escola; me sentiria feliz se pudesse sentir por Sri Ramakrishna a quarta parte do amor que tinha por esse companheiro.
Mãe: Ah! O quanto isso é certo! Bem, falarei ao Mestre.
Discípulo: Por que só dizes que falarás ao Mestre? És distinta Dele? Meu desejo se cumprirá, com toda segurança, só com tua bênção.
Mãe: Filho meu, se podes alcançar a o perfeito conhecimento com minha bênção, então, te bendigo com todo meu coração e toda minha alma. É possível para o homem libertar-se das garras da maia sem ajuda? Foi por isso que o Mestre praticou austeridades espirituais em grau máximo e ofereceu o se fruto para redenção da humanidade.
Discípulo: Como pode alguém amar a Sri Ramakrishna sem vê-lo?
Mãe: Sim, é certo. Acaso pode alguém ter relação íntima com um ser de mero ar?
Discípulo: Quando terei a visão do Mestre?
Mãe: Certamente, o verás. A seu devido tempo, verás o Mestre.
Um dia a Mãe estava recostada, enquanto Kamini, a servente, lhe untava os joelhos com azeite anti-reumático. A Mãe disse: “O corpo é uma coisa e a alma é outra. A alma penetra o corpo inteiro; por isso, tenho sentido dor em minha perna. Se retirasse de minha mente o joelho, então não sentiria nenhuma dor”.
A iniciação é necessária
Referente a iniciação com mantram, disse-lhe: Mãe, que necessidade há de receber o mantram de um mestre?”. Suponhamos que alguém não respeite seu mantram e simplesmente repita: ‘Mãe Kali, Mãe Kali’, não é o suficiente?”.
Mãe: O mantram purifica o corpo. O homem se torna puro pela repetição do mantram de Deus. Escuta este relato. Uma vez Nárada foi a Vaikunta ver o Senhor e teve uma longa conversa com Ele. Nessa ocasião, Nárada não havia sido iniciado. Quando Nárada se foi, o Senhor disse a Lakshmi: “Purifica este lugar espargindo água”. Perguntou Lakshmi: “Por que, Senhor? Nárada é teu grande devoto”. O Senhor disse: “Nárada, todavia, não recebeu a iniciação. O corpo não pode purificar-se sem iniciação”.
Função da mente no
desenvolvimento espiritual
Deve-se aceitar o mantram de um guru, ao menos para alcançar a purificação do corpo. Entre os vaishnavas, quando o guru inicia o discípulo, lhe diz: “Agora tudo depende de tua mente”. Há um ditado assim: “O mestre humano pronuncia o mantram ao ouvido, mas Deus revela secretamente seu espírito na alma humana”. Tudo depende da mente. Nada pode ser alcançado sem pureza mental. Disse: “O aspirante pode ter recebido a graça do guru, do Senhor e de outros devotos, mas ele cai em aflição se não tem ‘sua própria’ graça”. “Sua própria” significa: a graça de sua mente. A mente do aspirante deve outorgar-lhe sua graça.
Continuando, a Santa Mãe disse: “Quando o Mestre morreu, eu também queria deixar meu corpo. Ele apareceu ante mim e me disse: ‘Não, tu deves ficar aqui. Há muitas coisas por fazer’. Mas adiante, comprovei o quanto isso era certo; eu tinha tantas coisas que fazer! O Mestre costumava dizer-me: ‘As pessoas de Calcutá vivem como vermes que se arrastam na obscuridade. Tu os guiarás’. Ele disse que viveria trezentos anos em corpo sutil, no coração dos devotos. Afora isso, disse que tinha muitos devotos entre as pessoas de raça branca”.
Como eu usava shari com bordas vermelhas e levava braceletes de ouro até depois do desaparecimento do Mestre, tinha temor da crítica das pessoas (1). Mas, gradualmente, fui perdendo esse temor. Um dia, o Mestre apareceu ante mim e pediu-me que lhe desse de comer kichuri. Eu o preparei e o ofereci ante Raghuvira (1) no templo. Logo, mentalmente, dei de comer ao Mestre...”.
(1)
Na Índia as viúvas se vestem com sharis brancos e no levam nenhum
adorno. A Santa Mãe, no princípio, quis seguir este costume das viúvas hindus,
mas Sri Ramakrishna apareceu e disse que não fizesse isso porque Ele não havia
morrido.
(1)
Deidade tutelar da família de Sri Ramakrishna em Kamarpukur.
A Mãe disse, com relação a ela: “Balaram Babú só referia-se a mim como ‘a grande asceta’; ‘a encarnação da paciência’. Pode chamar-se homem a quem não tem compaixão? Não é mais que uma verdadeira besta. Algumas vezes a compaixão faz com que esqueça de mim mesma e, então, nem sequer recordo que eu sou”.
Naquele tempo, estava vivendo no mundo com meus parentes, mas mantinha um intenso desejo de abraçar a vida monástica. Dizia a mim mesmo: “Tomara que no futuro me seja possível, por sua graça, chegar a ser monge e viver perto dela”.
Quando eu estava em Yairambati, a mãe de Radhu, Surabala estava mentalmente alterada. Ela tinha levado as jóias de Radhu à casa de seu pai e este, aproveitando-se de sua insanidade, as resgatou. Isto a fez mais enlouquecida. Um dia foi chorar no templo de Simhavahini pelas jóias. Já anoitecia. A Mãe estava conversando comigo, em sua casa, quando repentinamente disse-me: “Agora devo ir-me, filho. A louca da minha cunhada não tem ninguém mais do que a mim para cuida-la. Está chorando ante a Deidade, por suas jóias”. Com estas palavras, a Mãe deixou a habitação. Mas eu não havia ouvido o choro, nem era possível escutar nada a tal distância; contudo, a Mãe havia reconhecido a voz. Regressou com a mãe de Radhu, que lhe disse: “Cunhada, tu escondestes as jóias. Tu me as tirou”. A Mãe replicou: “Se estas jóias tivessem me pertencido, eu as teria tirado em seguida, como quem tira excremento de corvo”. Referindo-se a mãe de Radhu, disse-me, rindo: “Guirish costumava dizer que ela é minha companheira louca”.
No princípio, eu titubeava em chamar “Mãe” a Santa Mãe. Eu havia perdido minha mãe quando menino. Uma manhã, a Santa Mãe deu-me um recado para certa pessoa. Quando eu estava para sair, disse-me: “Que vais dizer-lhe?”. Eu respondi: “Que? Lhe direi: ‘Ela me pediu que dissesse a senhora, etc’”. A Santa Mãe me disse: “Não, filho meu, diga-lhe: ‘A Mãe pediu-me que dissesse a senhora...’”. Ela dava ênfase à palavra Mãe.
Outra manhã, eu estava lendo na galeria para a Santa Mãe e algumas devotas, a vida de Sri Ramakrishna, intitulada “Sri Ramakrishna Puthi”, escrita em verso. No capítulo sobre seu casamento com Sri Ramakrishna, o autor fazia um grande elogio dela, a quem mencionava como a “Mãe do universo”. Enquanto eu lia essa passagem, a Mãe deixou a galeria. Uns minutos antes, eu tinha lido algumas páginas do “evangelho de Sri Ramakrishna”, que havia sido publicado em Udbodhan. Não havia mais ninguém presente. Lia a seguinte passagem:
Guirish: Tenho um desejo.
Mestre: Qual é?
Guirish: Quero amar a Deus sem motivo algum, só por amor a Ele.
Mestre: Essa espécie de amor só é possível nos iswarakotis (1). O homem comum não pode alcança-lo.
(1)
Seres perfeitos desde seu nascimento, que só vêm a este mundo para
fazer bem à humanidade.
Eu perguntei a Santa Mãe: “Que quis dizer com isso o Mestre?”.
O amor divino e os iswarakotis
Mãe: Que todos os desejos, para os iswarokotis, são satisfeitos em Deus (Purna-Kama). Portanto, não têm nenhum desejo mundano. O amor, cujo único fim é o alcance do divino amor, não é possível enquanto perdure no homem algum desejo.
Discípulo:
Mãe, teus irmãos estão no nível dos iswarakotis?
Eu acreditava que como irmãos da Santa Mãe, eles deviam ter a mesma capacidade espiritual que os discípulos monásticos de Sri Ramakrishna. Vi um simples gesto no olhar da Mãe, como se quisesse dizer: “Que comparação! Que pode alguém alcançar somente por ser meu irmão! Ser discípulo do círculo íntimo do Mestre é uma coisa tão diferente!”.
Certa manhã, vi a Santa Mãe ajudando a descascar arroz. Era essa uma tarefa que fazia quase todos os dias. Perguntei-lhe: “Mãe, por que tens que trabalhar tão duramente?”. Respondeu: “Filho meu, eu tenho feito muito mais que o necessário para que, assim, seja a minha vida um modelo”.
Uma noite. Todos dormiam na casa da Santa Mãe, quando chegou o marido de Nalini – uma sobrinha da Mãe – que vinha inesperadamente, com um carro puxado por bois, com a intenção de levar Nalini para sua casa. Nalini tinha vindo do lugar onde residia seu marido e não queria voltar a casa dele. Inteirando-se da intenção de seu marido, fechou-se em sua habitação, ameaçando suicidar-se, se o marido a obrigasse a ir com ele. A Santa Mãe, todavia, assegurou-lhe que não teria que voltar com seu marido e Nalini abriu a porta. Durante toda a noite, houve confusão na família e a Santa Mãe ficou sentada na galeria até a madrugada, frente ao cômodo de Nalini. Ao alvorecer, apagou a lâmpada e repetiu em voz baixa: “Ganga, Guita, Gayatrí, Bhagavata, Bhakta, Bhagavan, Ramakrishna!”.
Um dia, a Santa Mãe mandou-me com um velho servente da família, à casa do pai de Pagli (sua cunhada insana), para persuadi-lo a que fosse para Yairambati, devolver as jóias que havia tirado de sua filha. Depois de muita insistência, nos acompanhou a Yairambati, mas sem levar as jóias. A Mãe rogou-lhe que as devolvesse, para livrar Pagli de sua agonia mental; mas o cobiçoso brahmin fingiu-se se surdo à seus requerimentos.
Eu tinha intenção de voltar a minha casa um dia antes de Shivaratri, porque desejava assistir ao festejo que se fazia em recordação ao nascimento de Sri Ramakrishna, em Belur. E que se celebrava dois dias depois de Shivaratri. Fiz a Mãe conhecer minha intenção e ela pediu-me que antes fosse a Kamarpukur. Eu havia saído de minha casa com um grande anseio de ver a Mãe e na minha pressa, havia esquecido de levar meu guarda-chuva e um pedaço de pano para me trocar. A pedido da Mãe, aceitei visitar primeiro o lugar onde o Mestre havia nascido. Deu-me um pano novo para cobrir-me e pediu-me que ficasse com ele.
Mãe: tens algum dinheiro contigo? Necessitarás para os gastos da viagem. Leva daqui o que te fará falta.
Discípulo: Tenho dinheiro. Não necessito que tu me dês nada.
Mãe: Escreva-me quando chegar em tua casa. Ah! Não pude dar de comer bem ao meu filho. Não pude preparar-te nada de bom. Isto ocorreu pela grande confusão que houve na casa, devido a Nalini e Pagli.
Prosternei-me ante a Mãe e parti com lágrimas nos olhos. A Mãe nos acompanhou até certa distância e ficou olhando-nos até desaparecermos de sua vista. Eu não podia evitar minhas lágrimas de devoção à ela, que brotaram silenciosamente até que cheguei a Kamarpukur.
Depois de minha chegada a Kamarpukur, me foi mostrado a habitação onde havia vivido a Santa Mãe. Vi ali uma fotografia dela, a qual acrescentou meu desejo de voltar a vê-la.
No dia seguinte, M. (autor do “Evangelho de Sri Ramakrishna”) e Praboth Babú, que iam a Yairambati, visitar Kamarpukur, permaneceram neste último lugar umas poucas horas. A tarde chegou Lalit Babú, um discípulo da Santa Mãe. Usava calça, uma larga toga e turbante. Como era difícil para mim ir só a Calcutá, alguns devotos seguiram o que podiam em companhia de Latit Babú, depois que estes visitaram Yairambati. Assim que voltei a Yairambati, disse a Mãe: “Estou outra vez aqui”. A Mãe mostrou-se encantada e disse: “Que bom! Poderás ir a Calcutá com Lalit”.
Depois da celebração de Shivaratri, os devotos sentaram-se para comer. Foi-lhes servido algo de prasad sobre folhas que faziam o papel de prato. Eu perguntei-lhes o que era, e disseram-me que era o prasad da Santa Mãe. Eu também compartilhei este prasad. Mais tarde disse à Santa Mãe: “Todos eles desfrutaram do prasad. Mas tu nunca lhe ofereceste a mim”. A Mãe disse: “Filho meu, tu nunca me pediu. Como podia ser eu quem fizesse tal sugestão?”. Eu pensei: “Que grande humildade”.
No dia seguinte, Lalit Babú foi, em um palanquim, à casa do avô de Radhu, para recuperar suas jóias. Lalit apresentou-se como um funcionário do governo, com uma carta escrita por uma suposta pessoa de alto cargo da polícia de Calcutá. A Mãe pediu a M, que acompanhasse Lalit, temendo que esse, sendo um homem jovem, pudesse usar uma linguagem ofensiva ao falar com o velho brahmin. Mas Lalit conseguiu trazer à tarde, para Yairambati, o avô de Radhu com as jóias.
Às duas horas da manhã, nos inteiramos que a Santa Mãe estava desvelada. Estava muito nervosa e M. e eu entramos em sua casa, enquanto os demais iam buscar alguns medicamentos. Perguntei a Mãe a causa de seu mal estar. Disse: “Depois que eles partiram para trazer as jóias de Radhu, fiquei penalizada e temia que pudessem insultar o velho brahmin. Isso me pôs nervosa”. Fiquei maravilhada ao ver a compaixão da Mãe pelo brahmin, que era a causa de sua preocupação.
No dia seguinte, à tarde, parti com os outros para Calcutá. A Mãe, sobre mim, havia dito a Lalit: “Ele está muito dedicado a Deus. Por favor, vai com ele”. Todos nos prosternamos ante a Mãe. Seus olhos se encheram de lágrimas, lágrimas que seguiam deslizando-se enquanto nos acompanhava até o portão. Quando chegamos a Vishnupur, no caminho para Calcutá, M., Praboth Babú e outros, foram visitar o templo de Mrinmayi, um aspecto da Divina Mãe. Porém Lalit Babu e eu fomos diretamente à estação e tomamos o trem. M. mandou descermos, por intermédio de Praboth, e que fôssemos visitar o templo, mas nós não tínhamos interesse em ver Mrinmayi (lit. cheia de terra), porque havíamos visto a Chinmayi (a Divindade vivente que era a Santa Mãe). Cheguei a Belur Math e depois de assistir a celebração do aniversário de Sri Ramakrishna, regressei a minha casa.
CALCUTÁ, EDIFÍCIO DE UDBODHAN
Ano de 1909
Durante o inverno, fui visitar a Santa Mãe em Calcutá, na casa de Balaram Babu. Mas, em minha segunda visita, já havia se mudado para a sua nova casa, recém construída, em Calcutá (edifício de Udbodhan). Ao entrar, encontrei o doutor Kanyilal lendo um diário. Disse-me: “A Mãe esteve com varíola e ainda não está de todo bem. Poderá vê-la dentro de uma ou duas semanas”. Eu não havia me inteirado de sua doença. Swami Saradananda disse-me: “Volte amanhã e poderás ver a Mãe. Poderás ficar para comer aqui”. Quando voltei, no dia seguinte, a Mãe mostrou-me as marcas da varíola. Em sua maior parte, haviam desaparecido. Pela graça e intervenção de Swami Saradananda, eu estava parando no monastério de Belur. Quando a Mãe soube, disse-me: “Está bem. Tens sentido a atração da vida monástica. Vive no Monastério de Belur. Que possas alcançar amor pelo Mestre! Tens minha bênção”.
De vez em quando eu ia levar leite a Mãe, desde Belur. Isso me dava, também, a oportunidade de estar com ela. Um dia, quando levava o leite, a encontrei preparando folhas de betel, ajudada por sua sobrinha Nalini. Ao ver-me, Nalini levantou-se para se retirar. A Mãe a deteve dizendo: “Não te vás. Ele é meu filho. Senta-te aqui”. Durante a conversa, referiu-se aos parentes do marido de Maku (outra de suas sobrinhas). Disse: “Tenho que ter muito cuidado com eles, pois, do contrário, sentem-se ofendidos e chiam. Mas vocês são meus filhos. Vocês ficam satisfeitos com qualquer coisa que eu faça. Não se incomodam se não posso dar-lhes atenção sempre. Mas esses parentes sentem-se ofendidos se não lhes dou o melhor, ou cometo o menor descuido em atende-los”.
Depois de um tempo, perguntei-lhe: “Mãe, como se consegue a pureza da mente e o desejo por Deus?”.
Mãe: Oh! Certamente tu terás essas coisas. Refugiando-se em Sri Ramakrishna, alcançarás tudo. Ora a Ele, sinceramente.
Discípulo: Eu não sei faze-lo. Por favor, roga tu por mim.
Mãe: Sempre peço a Sri Ramakrishna que faça pura e santa tua mente.
Discípulo: Sim, Mãe, eu terei tudo só se tu rogar por mim.
Uns poucos meses depois, mandaram-me a Ghatal, não muito longe de Yairambati, para prestar ajuda as pessoas da localidade, afetadas por uma inundação. Pedi três dias para ir visitar a Santa Mãe em Yairambati, por ocasião da Yagaddhatri Puya. Atul vinha comigo. Era a primeira vez que ele ia visitar a Mãe. Passamos por Kamarpukur e quando chegamos a Yairambati, Ashu Maharaya, que atendia a Santa Mãe, disse-nos: “Fizeram bem em vir. A Mãe estava triste porque fazia tempo que não vinha nenhum devoto”. A Mãe nos perguntou se não queríamos comer e nos deu de comer magnificamente. Na manhã seguinte, para prosseguir em nossa tarefa de socorro, tivemos que voltar a Ghatal. Quando me despedi da Mãe, disse-lhe: “Virei outra vez”. Atul, como um colegial, disse-me: “Por favor, lembre dele”.
Ao terminar o trabalho de socorro em Ghatal, voltei a Yairambati. Era inverno. Cheguei à tarde. A Santa Mãe estava sentada na galeria, aplicando um remédio em sua perna. Sofria de dores reumáticas nos joelhos.
Discípulo: Que remédio é?
Mãe: Alguém me indicou essa folha. Passou o dia todo sem comer?
Discípulo: Não, não comi nada no caminho.
Mãe: Por que não compraste algo? Há armazéns no caminho.
Eu tinha somente uma rúpia e a havia guardado para fazer uma oferenda no monastério de Belur, mas não fiz menção disso. A Mãe serviu-me comida quente, que comi com muita gana. Deu-me logo um cobertor e disse-me que o usasse a noite. Perguntei-lhe: “De quem é esse cobertor?”. Respondeu: “É meu. Eu mesma o uso”.
No dia seguinte a Mãe recebeu uma carta de um de meus irmãos, em que lhe pediam para persuadir-me de voltar ao lar. Embora curta, a carta estava escrita em bom estilo e exteriorizava nobres sentimentos. A Mãe disse: “Ah! Que linda carta!”. Logo me disse: “Por que não voltas a teu lar? Vive no mundo, ganha dinheiro e forma tua família”. Ela estava me provando. Eu disse-lhe: “Mas Mãe, não digas essas coisas, por favor”.
A renúncia e a realização de Deus
Comecei a chorar. Então ela disse-me, com muita ternura: “Filho meu, não chores. Tu és um Deus vivente. Quem pode renunciar a tudo por amor a Deus? Mesmo os ditames do destino ficam cancelados, se não tomas refúgio no Senhor. O destino apaga com sua própria mão o que está escrito para uma pessoa assim. Que acontece ao homem quando realiza Deus? Acaso lhe crescem dois chifres? Não. O que sucede é que desenvolve o discernimento entre o real e o irreal, alcança a consciência espiritual e vai mais além da vida e da morte. A Deus, se realiza em espírito. De que outro modo pode alguém ver a Deus? Acaso Deus falou a alguém que carecia de fervor extático? Alguém vê a Deus em visão espiritual, fala e entra em comunhão com Ele, em Espírito”.
Discípulo: Não, Mãe. Afora isso, há algo mais. Alguém alcança a visão direta do Espírito.
Mãe: Essa visão só Narendra (Swami Vivekananda) teve. O Mestre guardou a chave da libertação de Narendra. Que outra coisa é a vida espiritual senão orar ao Mestre, repetir Seu nome e meditar Nele? (Com um sorriso). E quanto ao Mestre, que outra coisa há depois Dele? Ele é eternamente o nosso mais íntimo, próprio e real!
Discípulo: Mãe, faça-me realizar a coisa essencial, justamente isso: que Sri Ramakrishna é nosso!
Mãe: Devo te repetir? (Com firmeza). Tu realizarás isso; tenha absoluta certeza disso.
A razão e a realização de Deus
No dia seguinte, à tarde, estava conversando com a Mãe. Ela estava recostada em sua cama. A conversação versou sobre a Vedanta. Eu disse-lhe: “Nada existe no mundo, exceto nome e forma. Não pode se provar que a matéria existe. Em conseqüência, a conclusão é que os Deus e outras coisas deste estilo não existem”.
Minha idéia era que mesmo pessoas como o Mestre e a Santa Mãe, eram ilusórias. Ela, em seguida, captou meus pensamentos e disse: “Narendra uma vez me disse-me: ‘Mãe, o conhecimento que considera como irreal aos pés do guru, é pura ignorância. Que validade tem o conhecimento, se sustém que o guru não é nada? Abandona essas secas discussões, essa panela de grilhões da filosofia. Quem alcançou conhecer a Deus pela razão? Mesmo Shiva e sábios como Suka e Vyasa eram, quando muito, como grandes formigas”.
Discípulo: Eu desejo conhecer. Alguma coisa entendo, também. Mas como pode alguém parar a razão?
Mãe: Até não alcançar o perfeito conhecimento, a razão não desaparece.
Yapam, controle dos sentidos e realização de Deus
Perguntei a Santa Mãe sobre o yapam e outras práticas espirituais. Disse-me: “Por meio das práticas espirituais, se cortam os laços que atam ao passado karma. Mas, a realização de Deus não pode se alcançar sem o amor estático (Prema bhakti) por Ele. Sabe qual é a importância real que tem o yapam e outra práticas espirituais?; por eles se alcança o poder dos órgãos sensórios”.
Caridade
Referindo-se a Lalit Chatteryee, que tinha estado gravemente doente, a Mãe disse: “Lalit costumava prestar-me grande ajuda econômica. Costumava levar-me em seu coche. Ele dá muito para os cultos que se fazem nos templos de Kamarpukur e Yairambat. Meu Lalit tem um coração que vale um milhão de rúpias! Por que há gente que é miserável, apesar de sua riqueza? Os ricos deveriam servir a Deus e a Seus devotos, facilitando o dinheiro; e os pobres deveriam adorar a Deus, repetindo Seu nome”.
O amor extático e a realização de Deus
Com relação ao amor extático, a Mãe disse: “Credes que os pastores de Brindavam realizaram que Krishna fora o mais precioso de seus corações, por meio do yapam e meditação? Eles realizaram pelo amor extático. Eles costumavam dizer, como a um amigo íntimo: ‘Vem, oh Krishna! Come isto; toma aquilo!’”.
Discípulo: Como pode alguém sentir um intenso desejo por Deus, sem perceber a revelação de Seu amor?
Mãe: Sim, pode. Nisso consiste a graça de Deus.
YAIRAMBATI
Dezembro de 1909
Era cerca das nove horas da manhã. A Santa Mãe estava preparando folhas de betel, quando fui vê-la. Num momento nos pusemos a conversar
Discípulo: Mãe, vejo e ouço tanto, contudo não posso reconhecer-te como minha “própria mãe”.
Mãe: Não obstante isso, se não fosse assim, filho, por que virias aqui tão freqüentemente? Conhecerá tua “própria mãe” a seu devido tempo!
Depois de um momento, referindo-me a meus pais e irmãos, disse-lhe: “Meus pais me criaram. Eu não sei onde eles estão agora (depois de sua morte) e como vivem. Abençoa meus irmãos para que tenham boas tendências”.
Mãe: Acaso a maioria das pessoas sente a necessidade de amar a Deus? Há tenta gente nesta família; crês que todos amam a Deus?
Depois de uns minutos, acrescentou: “Não te aflijas. Tu não estás casado. Que podes temer, alcançando celibato? Onde quer que vás, serás livre”.
Discípulo: Mas Mãe, não tenho temor.
Mãe: Não, nada deves temer. Tudo depende da vontade do Mestre.
Discípulo: A mente é tudo. Se estiver em estado de pureza, não importa onde eu viva. Por favor, Mãe, ajuda-me a para que minha mente permaneça sempre pura.
Mãe: Que assim seja!
Era o aniversário da Santa Mãe. Uns dias antes havia chegado a Yairambati, Preboth Babu, que deu cinco rúpias aos irmãos da Santa Mãe, para fazer um culto especial em seu aniversário. A Mãe disse: “Não façam nada especial hoje. Me vestirei com algo novo. Ao Mestre se fará uma oferenda de doces, da qual participarei depois. É tudo o que se fará nesta ocasião”.
Depois da adoração no templo, a Santa Mãe sentou-se em sua cama, com os pés apoiados no chão. Havia colocado um tecido novo. Praboth pôs em seus pés umas flores, como oferenda. Eu estava na galeria, perto da porta. A Mãe disse-me: “Que? Não queres oferecer algumas flores? Aqui há, tome-as”. Então eu também depositei flores a seus pés. Ao meio-dia, tivemos um esplendido almoço e logo Preboth saiu para Calcutá. Como eu estava indisposto, fiquei em Yairambati.
Dezembro de 1909
Só os laços do amor podem atar a Deus
No curso da conversação, a Mãe disse: “Podes dizer-me se alguém pode atar a Deus? A mãe Yashoda pode atar-se a Krishna, porque Ele Mesmo permitiu que ela o fizesse. Os pastores e as pastoras de Brindavan também realizaram a Deus”.
Os desejos e as reencarnações
“Enquanto o homem tem desejos, não tem fim sua transmigração. Os desejos são os que fazem tomar um corpo atrás do outro. Embora só tenha o desejo de comer um torrão de açúcar cândi, terá que renascer. Por isso, em Belur Math, há variedade de comidas. O desejo pode ser comparado a uma diminuta semente. Dessa semente do tamanho de um ponto, nasce uma árvore como o baniano. Enquanto alguém tem desejos, o renascimento é inevitável. Poder-se-ia dizer que a alma individual deixa uma capa e entra em outra. Entre muitos homens só pode-se encontrar um ou dois que estejam livres de todo desejo. Embora um homem tome um novo corpo, a causa de seus desejos, não perde por completo a consciência espiritual, se tem a seu favor méritos adquiridos nas vidas anteriores. Um sacerdote do templo de Govinda, em Brindavan, costumava dar à sua concubina a comida oferecida a Deidade. Por causa desse pecado, depois da morte, entrou no corpo de um ghoul (o demônio que supõe-se que se alimenta de cadáveres). Porém, ele também havia servido no templo. Como resultado de seu mérito, um dia apareceu diante de todos em seu próprio corpo físico. Foi-lhe possível fazer isso por causa de suas boas ações passadas. Disse as pessoas qual tinha sido a causa de seu baixo nascimento e, então, pediu: “Por favor, celebrem um culto religioso com música, para a redenção do estado em que está minha alma atualmente. Isso me libertará”.
Discípulo: é possível liberar-se de tais estados por meio de cerimônias religiosas e música?
Mãe: Sim. Isso é suficiente para os vaishnavas. Eles não fazem ritos funerários tais como o shraddha e coisas desse gênero. Uma vez visitei a imagem de Yaggannath em Puri, durante o festival do Carro. Chorei pela grande alegria que senti ao ver tanta gente contemplar a imagem. Disse a mim mesma: “Ah! Que bom, todos eles se salvaram”. Porém, mais tarde compreendi que não era assim. Somente um ou dois que estavam absolutamente livres de desejos, puderam alcançar sua salvação. Quando contei isso a Yoguin-Ma, ela corroborou, dizendo: “Assim é, Mãe; só aquele que está livre de desejos alcança a libertação (mukti)”.
Uma manhã, enquanto tomava o café da manhã na galeria frente à casa da Santa Mãe, perguntei-lhe: “Mãe, tenho que ser iniciado no sannyasa, se vivo em Belur Math?”.
Mãe: Sim, filho meu.
Discípulo: Mas Mãe, a vida monástica causa uma terrível vaidade.
A vida monástica e a vaidade
Mãe: Sim, isso é certo. Um monge pode tornar-se muito vazio. Pode pensar: “Vejam, ele me respeita. Não se inclinam ante mim”. (Indicando seu shari branco) (1). Deveria-se viver melhor assim (querendo dizer; com renúncia interior). Gaur Siromad tomou o voto monástico quando já era velho e seus organismos sensórios não tinham mais poder. É possível, filho meu, liberta-se de toda sua vaidade; vaidade da beleza; vaidade da virtude: vaidade do conhecimento e vaidade de uma vida santa?
(1) A cor branca é usada pelos chefes de família. A ocre, pelos monges.
A Santa Mãe me exortou a preparar-me para a vida de renúncia. Disse-me: “Vai a tua casa e diga a teus irmãos, de uma vez por todas: ‘Não aceitarei nenhum emprego; não serei escravo de ninguém; como meu pai está morto, não farei nada disso. Sejam vocês felizes cumprindo com seus deveres caseiros!’”.
ÀA tarde eu estava conversando com a Mãe.
Realização de Deus
e graça Divina
Discípulo: Mãe, se alguém alcança a realização espiritual em qualquer momento que a graça de Deus desce sobre ele, então, não há necessidade de esperar o momento propício.
Mãe: Isso é certo; porém a manga que amadurece fora de estação, pode ser tão doce como a que amadurece no mês de yaistha, ou seja, durante a estação propícia? Os homens tratam de ter frutas fora de estação. Hoje em dia se conseguem mangas até no mês de asvin (outono). O mesmo sucede com os esforços que se faz para realizar a Deus. O mesmo com tuas práticas de yapam e austeridades nesta vida; na próxima vida, podes intensificar teu desejo espiritual e na seguinte, avançarás ainda mais.
Referindo-se ao que também se pode conseguir na repentina realização espiritual, a Mãe disse: “Deus tem a natureza de uma criança. Um homem não pede e, não obstante Ele dá; por outro lado, a outro que lhe pede, Deus não dá. Tudo é seu capricho”.
Outro dia, enquanto a Mãe estava sentada na galeria, preparando folhas de betel, eu disse: “No futuro, quanta gente praticará disciplinas espirituais para propiciar-te!”. A Mãe, com um sorriso acrescentou: “Que estás dizendo! Todos diriam: ‘Ah! A Mãe tinha um reumatismo tal, que costumava mancar assim!’”.
Discípulo: Só tu podes dizer isso.
Mãe: É que é assim. Por isso o Mestre, quando estava doente em Cossipore, disse: “Aqueles que se aproximam de mim com o intuito de tirar algum benefício terreno, desaparecem dizendo: ‘Ah! Ele é uma Encarnação Divina! Como pode estar doente? Isto é tudo maia (significando que era um mero jogo). Mas os meus ‘íntimos’ estão sofrendo enormemente ao ver este mísero estado...’”.
CASA DE UDBODHAN, CALCUTÁ
Ano de 1909
No dia anterior ao de minha iniciação, disse a Santa Mãe: “Mãe, desejo ser iniciado”. A Mãe disse: “Não tinhas sido iniciado? Acreditei que já tinhas a iniciação”. Depois da iniciação, me abençoou, dizendo-me: “Que teu corpo e tua mente se purifiquem, repetindo o nome de Deus!”.
Prática do yapam com os dedos
Discípulo: Que necessidade há em repetir o mantram com os dedos? Não é suficiente repeti-los mentalmente?
Mãe: Deus nos deu os dedos para que possam ser benditos com a repetição de Seu Nome com eles.
Deus e o problema do sofrimento
A Mãe estava conversando comigo, pela manhã.
Discípulo: Mãe, se existe algum ser chamado Deus, por que há tanta infelicidade e sofrimento no mundo? Ele não vê isso? Não tem Ele poder para fazer com que desapareçam?
Mãe: A criação em si está plena de infelicidade e felicidade. Poderia alguém apreciar a felicidade, senão existisse o infortúnio? Ademais, como é possível que todas as pessoas sejam felizes? Certa vez Sita disse a Rama: “Por que não tiras o sofrimento e a infelicidade de todos seus súditos? Faz com que todos os habitantes de teu reino sejam felizes. Se o quiser, é muito fácil faze-lo”. Rama contestou: “É possível que todas as pessoas sejam felizes ao mesmo tempo?”. Sita replicou: “Por que não? Faz com que o tesouro real seja dado às pessoas, todo o necessário para satisfazer suas necessidades”. Rama assentiu: “Muito bem; teu desejo será cumprido”. Rama chamou Lakshmana e lhe disse: “Vem e anuncia em todo meu império, que cada habitante obterá todo o necessário do tesouro real”. Os súditos de apresentaram ao palácio do rei e expuseram suas necessidades. O tesouro começou a fluir sem limite algum. Quando todos começaram a passar prazerosamente seus dias, pela maia de Rama, sucedeu que o teto do palácio, onde viviam Rama e Sita, começou a gotejar. Mandaram buscar obreiros para que se concertasse o teto, mas, onde encontra-los? Em todo o reino, não havia nenhum obreiro. Por falta de pedreiros, carpinteiros e variados artesãos, os edifícios começaram a necessitar de consertos, e todos os trabalhos ficaram paralisados. Os súditos de Rama o fizeram conhecer suas dificuldades. Não encontrando outra solução, Sita disse a Rama: “Não é possível suportar por mais tempo o incômodo do teto que goteja. Por favor, faça com que as coisas voltem a ser como eram antes. Então, todos poderão conseguir obreiros. Agora compreendo profundamente, que não é possível que todos sejam felizes ao mesmo tempo”. Rama disse: “Assim seja”. Instantaneamente as coisas voltaram a ser como antes e se pode encontrar, novamente, os obreiros necessários. Sita disse a Rama: “Senhor, esta criação é teu jogo maravilhoso”.
Ninguém pode sofrer todo o tempo. Ninguém passará todos os dias de sua vida sofrendo na terra. Cada ação produz seu particular resultado e, cada um, de acordo com seus atos, terá correspondentes oportunidades.
Discípulo: Então, cada coisa é devido ao karma?
Mãe: Se não, qual outra causa? Não vês o lixeiro levar o tacho de lixo sobre sua cabeça?
O mistério do karma e da vontade divina
Discípulo: De onde vem o primeiro impulso para executar uma ação, boa ou má? Pode-se dizer, como modo de explicação, que as inclinações desta vida são devidas às ações da vida passada e as inclinações da passada procedem da anterior. Mas como foi o começo?
Mãe: Nada pode acontecer sem a vontade de Deus; nem sequer uma palha pode mover-se. Quando o homem está passando por uma etapa boa, sente o desejo de contemplar a Deus. Mas quando passa por uma fase desfavorável, encontra toda espécie de facilidades para concluir más ações. Cada coisa sucede a seu tempo, conforme a vontade de Deus. Somente Deus é quem expressa Sua vontade, através das ações do homem. Como poderia Naren (Swami Vivekananda), por si só, ter realizado toda a obra que fez? Teve êxito porque Deus atuou por seu intermédio. O Mestre predetermina o que vai se realizar. Se alguém se entrega totalmente a Seus pés, então o Mestre ajuda, para que todas as coisas se cumpram, realmente. Deve-se suportar tudo, porque nossas ocasiões favoráveis estão determinadas por nossas ações (karmas). Ademais, as ações podem ser canceladas por ouras ações.
Discípulo: Pode uma ação cancelar o efeito de outra ação?
As práticas espirituais podem atenuar o efeito de nossos pecados
Mãe: Por que não? Se fizeres uma boa ação, a mesma cancelará tua má ação passada. Os velhos pecados podem ser anulados pela meditação, o yapam e o pensamento no espiritual.
Eu tinha ouvido que um rapaz, da rua Mizapur, estava possuído por um espírito. Alguns membros de Udbodhan haviam-no visitado no dia anterior. Perguntei a Mãe: “Quanto tempo vive alguém como ‘espírito’?”.
A vida depois da morte
Mãe: Todos, com exceção das almas muito evoluídas, vivem como “espíritos” por um ano. Depois, em Gaia, se oferecem água e alimento para a satisfação dos desencarnados e se realizam festivais religiosas. Por esse meio, as almas desencarnadas libertam-se de seus corpos sutis. Vão a outros planos de existência e experimentam prazer e dor; e no curso do tempo, voltam a nascer em um corpo humano, de acordo com seus desejos. Outros alcançam a salvação nestes planos. Mas se uma pessoa tem algum ato meritório a seu favor, feito nesta vida, então não perde por completo a sua consciência espiritual no corpo sutil (forma sutil como “espírito”).
Aqui a Mãe referiu-se, outra vez, ao sacerdote do templo de Govinda, em Briandavm.
Discípulo: É possível alcançar um plano mais elevado por meio da cerimônia sraddha, que se realiza para os defuntos em Gaia?
Mãe: Sim, é possível. (1)
(1) A respeito, estou recordando outro
acontecimento. A Santa Mãe estava em Benares. Eu havia partido, um ou dois dias
antes, para Gaia, para concluir o culto sraddha, oferecido a meus
antepassados. Havia dito a Santa Mãe antes de partir: “Mãe, abençoa a meus antepassados para que eles possam alcançar o céu”. Na
mesma noite, do dia em que eu havia oferecido alimento e bebida em Gaia, como
agradecimento a meus antepassados, Bhudev, a sobrinha da Santa Mãe, que a
acompanhava em Benares, teve um sonho na qual a Mãe estava praticando yapam,
rodeada de uma multidão que clamava: “Por favor, dá-me a salvação! Por favor,
dá-me a salvação!”. A Mãe espargiu sobre ela a água bendita de uma jarra e lhes
disse: “Vão-se, já estão salvos!”. Então eles se foram, cheios de felicidade.
Logo apareceu um homem. A Mãe disse: “Eu já não posso permanecer neste lugar
por muito tempo”. Mas ele rogou à Mãe por um longo tempo e no final, alcançou
sua graça. No dia seguinte, Bhudev narrou esse sonho à Santa Mãe e ela, como
reposta, disse: “R. foi à Gaia para fazer a cerimônia sraddha,
oferecida a seus antepassados. Portanto, toda essa gente alcançou sua
salvação”. Na realidade, ao oferecer as oblações a meus antepassados, com
grande sinceridade, ofereci também alimento, bebida a todos àqueles cujos nomes
recordei naquele momento, e roguei pela salvação de
todos eles.
Discípulo: Então, que necessidade há de fazer práticas espirituais?
Mãe: Essas almas desencarnadas, não há dúvida, alcançam estados mais elevados, que desfrutam por algum tempo, mas depois voltam a nascer neste mundo, em conformidade com os desejos que acalentavam anteriormente. Logo ao nascer no corpo humano, alguns alcançam a salvação nesta vida, enquanto outros tomam formas inferiores, colhendo, assim, o resultado de seu karma. Este mundo se move como uma roda. Quando alguém fica completamente livre de todos os desejos, nasce, realmente, pela última vez.
Discípulo: Te referiste às almas dos mortos que alcançam um estado divino; vão por si mesmo ou alguém as guia?
Mãe: Não, vão por si só. O corpo sutil é como algo feito de ar.
Discípulo: Que acontece com aqueles para quem não se realiza a cerimônia sraddha, em Gaia?
Mãe: Vivem no corpo sutil até que alguém afortunado nasce em sua família e realiza o sraddha, em Gaia, ou faz alguma outra cerimônia.
Discípulo: Ouvimos que há espíritos e fantasmas, são eles os servidores de Shiva, ou simples espíritos? Ou são os espíritos dos mortos?
Mãe: São os espíritos dos mortos. Os acompanhantes de Shiva pertencem a um grupo especial. Deve-se viver bem desperto. Cada ação produz seu resultado. Não é bom usar palavras ofensivas para os demais, ou ser responsável por seus sofrimentos.
Discípulo: Mãe, uma macieira não produz mangas, e uma manga não dá o fruto da macieira. Cada qual tem o resultado de seu próprio karma.
O estado de não-dualidade
Mãe: Tens razão, filho meu. Com o correr do tempo, ele chega a não sentir nem sequer a existência do Deus Pessoal. Depois de alcançar a sabedoria, ele vê que todos os seres luminosos, de aspectos masculinos e femininos, são todos maia (transitórios). Cada coisa vem à existência com o tempo e desaparece com o tempo. Deus Pessoal e outras coisas desta espécie desaparecem, realmente, quando desponta o supremo conhecimento. Então, o aspirante realiza que é a Mãe o único que penetra o universo. Então, tudo se torna uno. Esta é a simples verdade.
A Mãe estava selecionando folhas de betel para fazer o culto diário. Mostrei-lhe uma de suas fotografias que havia sido recentemente impressa e perguntei-lhe se estava bem parecida.
Mãe: Sim, é uma boa fotografia, mas eu não estava tão magra antes de tirar essa fotografia. Yoguin (Swami Yogananda) estava muito doente nessa época e a grande preocupação que tinha por ele, me fez emagrecer. Eu me sentia muito penalizada. Quando Yoguin piorava, eu chorava e ficava contente quando tinha alguma melhora. Esta fotografia foi tirada pela senhora Sara Bull. No princípio, eu não queria, mas ela insistiu dizendo: “Mãe, levarei esta fotografia para a América e a adorarei”. No fim, a fotografia foi tirada.
Discípulo: Mãe, essa fotografia de Sri Ramakrishna que tu tens, é muito boa. Ao olha-la, se o sente. Está muito parecida com o Mestre?
Sri Ramakrishna adorando Sua própria fotografia
Mãe: Sim, esta fotografia é muito, muito boa. Pertenceu antes a um brahmin cozinheiro. Fizeram-se várias cópias da primeira e o brahmin obteve uma delas. A fotografia era muito escura, como a imagem de Kali, por isso a deram ao brahmin. Quando o brahmin ausentou-se de Dakshineswar, deram-na a mim. Eu a guardei com outras imagens e a adorei. Eu vivia, então, no andar térreo de Nahabat. Um dia, o Mestre foi lá e, ao ver a fotografia, disse: “Oh! Que é isto?”. Lakshmi e eu estávamos cozinhando, debaixo da escada. Logo vi o Mestre tomar com suas mãos algumas flores e folhas de betel, destinadas ao culto e coloca-las como oferenda ante a fotografia. Ele adorou esta fotografia. Esta é a mesma fotografia. Aquele brahmin nunca voltou; assim foi como ela ficou em meu poder.
Discípulo: Mãe, viste alguma vez se o rosto do Mestre estava pálido, durante o samadhi?
Mãe: Por que? Nunca o vi assim. Pelo contrário, sempre vi Seu rosto sorridente, quando estava em êxtase.
Discípulo: É possível sorrir em êxtase emotivo, mas, com respeito à fotografia em que está sentado, o Mestre disse que haviam-na tirado durante um estado Seu muito elevado. É possível sorrir neste estado?
Mãe: Sim, eu o vi sorrir em todos os estados de samadhi.
Discípulo: Que cor tinha Sua pele?
Mãe: Tinha a cor do ouro; não se diferenciava da cor do amuleto de ouro que levava em Seu braço. Quando eu o friccionava com azeite, via claramente que algo luminosos emanava de todo Seu corpo... Quando saía de Sua casa, as pessoas formavam fila para vê-lo e diziam um para o outro: “Aí vem!”. Era bem robusto. As pessoas olhavam-no enlevadas quando, com passo lento e firme, dirigia-se ao Ganges para tomar Seu banho.
Em Kamarpukur, cada vez que saía de Sua casa, homens e mulheres o olhavam com assombro. Um dia, saiu para caminhar em direção ao canal chamado “Khal de Bhuti”. As mulheres que tinham ido buscar água, ficaram boquiabertas e diziam: “Ah! Vem o Mestre!”. Sentindo-se incomoado, Sri Ramakrishna disse a Hriday: “Bem, Hridu, dá-me um pano para cobrir minha cabaça”.
Nunca vi o Mestre triste. Estava satisfeito em companhia de todos, fosse um menino de cinco anos ou um velho de avançada idade. Nunca o vi de mal-humor, filho meu. Ah! Que felizes foram esses dias! Quando estávamos em Kamarpukur, levantava-se cedo e me dizia: “Hoje comerei tal hortaliça; cozinhe-a”. com as outras mulheres da família, preparávamos a comida. Depois de poucos dias, disse-me: “Que está acontecendo? Apenas me levanto e digo-me: ‘Que comerei, que comerei?’. Logo acrescentou: ‘Não tenho desejo de comer nada em particular; comerei qualquer coisa que tu cozinhares para mim’”.
Quando sofria severos ataques de diarréia, ausentava-se de Kakshineswar e ia a Kamarpukur para sentir alívio. Costumava dizer: “Meus intestinos estão cheios de excremento. Nunca terminam de sair!”. Sofrendo dessa maneira, começou a sentir uma certa repulsa para Seu corpo, e desde então, não lhe prestava muita atenção...
Hoje em dia, tu vês muitos devotos por todas as partes. Há tanto alvoroço e animação! Mas, durante a doença do Mestre, um de seus devotos se foi para nos trazer vinte rúpias. Havia feito uma coleta para poder compensar os gastos do tratamento e para esse devoto, havia sido pedido essa contribuição. Agora, não é nada difícil servir ao Mestre, pois embora o alimento seja oferecido a Ele, são os devotos, realmente, quem os come. Se tu pedes ao Mestre para sentar, se sentará. Se quiseres que se encoste, ficará nesta posição. Depois de tudo, agora é apenas uma fotografia!
O Mestre viu, numa visão, Balaram Babu com um turbante, saudando a imagem de Kali, com as mãos juntas. Depois disso, Balaram sempre permanecia com as palmas das mãos juntas, quando estava na presença do Mestre. Nunca o saudava tocando Seus pés. O Mestre, que penetrou em seu pensamento, disse-lhe, um dia: “Oh! Balaram, sinto picadas nesse pe; quer ter a bondade de fazer-me uma massagem suave?”. Em seguida, Balaram mandou buscar Naren (Swami Vivekananda) ou Rakhal (Swami Brahmananda), ou qualquer outro jovem discípulo dos que atendiam o Mestre, e pediu que fizesse a massagem nos seus pés.
Discípulo: Uma vez Swami Brahmananda, a quem eu havia feito a pergunta, disse-me: “A cor da pele do Mestre era como a minha (escura)”.
Mãe: Sim, tinha essa cor quando Rakhal e outros discípulos o conheceram. Então, o Mestre já havia perdido Sua anterior boa saúde e Seu aspecto havia mudado. Poe exemplo, olha agora a cor de minha pele e qual é minha saúde. Credes que ante eu era assim? Não; tinha um aspecto agradável, então. Não era grossa; contudo, me pus assim...
Havia chegado a hora do culto. A Mãe foi ao templo e eu fui ao andar inferior. Quando terminou o culto, subi para buscar o prasad para os devotos. Enquanto eu tirava as folhas com os doces e frutas, inadvertidamente toquei com o cotovelo, os pés da Santa Mãe. “Ah!”, disse a Mãe e saudou-me, juntando as mãos. Eu disse: “Não é nada”. Não satisfeita por haver inclinado ante mim, disse-me: “Vem, filho meu, vou dar-te um beijo”. Tocou meu queixo com sua mão, beijando seus dedos e, com isso, ficou tranqüila. Assim respeitava seus discípulos como manifestações de Deus e, ao mesmo tempo, mostrava seu afeto para com eles, como uma mãe faz com seus próprios filhos.
29 de outubro de 1910
A presença do Mestre
Uma manhã cedo, eu estava sentado perto da cama da Mãe. Ela começou a falar-me do Mestre.
Discípulo: Vive na fotografia, realmente, o Mestre?
Mãe: Suponho que sim. O corpo e sua sombra são uma mesma coisa (1). E a fotografia que é, senão Sua sombra?
(1) É por essa razão que não se caminha na sombra de
uma pessoa maior. Certo dia, enquanto estava em Yairambat, eu regressava para
casa, depois de ter tomado meu banho. A Mãe também regressava do tanque. Eu me
pus a seu lado e, de vez em quando, ia sob parte de sua sombra. A Mãe pediu-me
que me pusesse do outro lado. No princípio, eu não me tinha dado conta que ia
caminhando sob sua sombra.
Discípulo: Vive em todas as Sua fotografias?
Mãe: Sim. Se orares constantemente ante sua fotografia, Ele se manifesta através dela. O lugar onde se coloca Sua fotografia converte-se em um templo. Suponha que alguém adora o Mestre ali (indicando um terreno situado ao lado norte de Udbodhan), então, esse lugar fica associado a Sua presença.
Discípulo: Bem, todos os lugares estão associados com boas ou más lembranças.
Mãe: Isto não é exatamente assim. O Mestre prestará especial atenção a tal ou qual lugar.
Discípulo: Participa o Mestre, realmente, da comida que tu lhe oferece?
Mãe: Sim.
Discípulo: Mas nós não notamos nada que pareça assim.
A deidade participa das oferendas.
Mãe: Uma luz sai de Seus olhos e “lambe” tudo o que constitui a oferenda. E que? Acaso o Mestre necessita comer? Certamente não. Porém, come do que se oferece somente para agradar a Seus devotos. O sagrado prasad purifica o coração. A mente se torna impura, se alguém come os alimentos sem antes oferece-los a Deus (1).
(1) Um devoto havia aceitado da Santa Mãe o hábito
ocre de monge. Durante alguns anos esteve doente e havia estado em vários
lugares, para mudar de clima. Mais tarde passou certo tempo em seu lar, em
lugar de viver no monastério. Um dia foi a Yairambati e devolveu o hábito ocre
a Santa Mãe. Referindo-se a este incidente, a Mãe disse: “Ai! Sua mente se
tornou impura, por estar comendo com gente de mentalidade mundana”.
Discípulo: Assim o Mestre participa do alimento oferecido a Ele?
Mãe: Sim. No caso de certas oferendas, Ele come o oferecido; outras vezes, somente as olha. Considera teu próprio caso. Não gostas de todos os pratos e em qualquer momento. Tampouco te agrada comer o que é oferecido por uma pessoa qualquer. É assim. O amor a Deus depende inteiramente de nosso sentimento interior. O amor a Deus é a coisa essencial.
Graça Divina; Deus e o mais íntimo de nós mesmos
Discípulo: Como se alcança o amor a Deus? Até o próprio filho, se é criado por algum outro, não reconhece a sua própria mãe como mãe.
Mãe: Sim, é certo. A coisa absolutamente necessária é a graça de Deus. Deve-se orar para conseguir a graça de Deus.
Discípulo: Como pode alguém falar de merecer ou não, a graça de Deus? A graça é a mesma para todos.
Mãe: Deve-se orar, sentado na margem de um rio. A seu devido tempo, cruzará o rio e será levado a outra margem.
Discípulo: Cada coisa acontece no seu devido tempo, então, onde há lugar para a graça de Deus?
Mãe: Não sentas com o caniço na mão, se queres pescar?
Discípulo: Se Deus é o “mais íntimo” de nós mesmos, porque se deve sentar e esperar?
Mãe: É certo. Pode também ocorrer no momento menos esperado. Não vemos, hoje em dia, que as pessoas conseguem mangas e outras frutas quando não é época? Quantas mangueiras dão frutos, até mesmo no mês de bhadra!
Discípulo: Nossa limitação provém de que Deus nos conforma em nos dar o que desejamos. Mas, podemos realizar a Ele como nosso mais íntimo? Deus é realmente nosso?
Mãe: Sim, Deus é o mais íntimo de nós mesmos. Nossa relação com Ele é eterna. Ele é o mais íntimo de cada um. Se O realiza na proporção da intensidade do amor que se tem por Ele.
Discípulo: O sentimento intenso é como um sonho. Sonha-se o que pensa.
Mãe: Sim, é um sonho. O mundo inteiro é um sonho; mesmo este estado de vigília, é um sonho.
Discípulo: Não, isto não é um sonho, porque então haveria desaparecido em um abrir e fechar de olhos. Este estado existe por muitos, muitos nascimentos.
Mãe: Não obstante ser assim, não é mais que um sonho. O que sonhaste a noite, não existe agora. (O discípulo havia tido, na noite anterior, um sonho surpreendente). Um lavrador que havia perdido um filho sonhou, durante a noite, que era rei e que tinha oito filhos. Quando despertou, disse à esposa: “Chorarei por meus oito filhos, ou só por este?”.
Depois de haver argüido assim com a Mãe, disse-lhe: “Mãe, na verdade, não vou quebrar a cabeça sobre o que acabo de te dizer. Tudo o que quero, é saber se existe alguém a quem possa chamar realmente meu”.
Mãe: Sim, esse Uno existe.
Discípulo: Se Ele realmente é “meu”, por que devo rogar-lhe para vê-lo? Sendo “muito íntimo”, viria a mim, mesmo sem chamá-lo. Ele faz por nós coisas como as que fazem nossos pais?
Mãe: Sim, filho meu. Ele é quem toma a forma de nosso pai e de nossa mãe, e nos cria. Ele é como pai e mãe, nos cuida. Do contrário, onde estarias agora? Teus pais te criaram e, afinal, se deram conta que tu não lhes pertencias. Não viste o cuco crescer no ninho de um corvo?
Discípulo: Realizarei Deis como meu “ser íntimo”?
Mãe: Sim, seguramente que O realizarás. Qualquer coisa em que penses, a conseguirás. Não realizou a Deus, Swamiyi? (Referência a Swami Vivekananda). Tu O realizarás, como Swamiyi.
Discípulo: Mãe, concede-me que nunca me domine o temor e diminua minha fé.
Mãe: Tal risco não existe para ti, uma vez que eu mesma tenho pescado o peixe.
Discípulo: Isso é bom. Todos podemos desfrutar dele.
Mãe: Sim, assim é. Alguém faz o molde e muitos outros fazem dele suas imagens.
Discípulo: Sim, nós conseguiremos tudo, se tu nos impulsionas. Tu não podes nos deixar de lado.
Mãe: O que eu quero para vós, isso o terão.
À tarde, chegou um devoto de Shillong. Tendo dúvidas sobre a natureza divina da Santa Mãe, havia feito voto de não ir visitá-la, a menos que a visse em sonhos sete vezes. Como havia tido as visões a que se havia proposto, foi a Yairambati para saudar a Mãe. Quando ia despedir-se, disse-lhe: “Mãe, agora me despedirei. Necessito algo mais?”.
Mãe: Sim, seguramente; deves ter tua iniciação.
Devoto: Poderei tê-la em Baghbazar, Calcutá.
Mãe: É melhor que termines com isto, filho meu. Toma hoje tua iniciação.
Devoto: Mas, já comi o prasad.
Mãe: Isso não importa.
Depois da iniciação, o devoto despediu-se.
Pela manhã cedo, outro devoto, um jovem perturbado, tinha vindo importunar a Mãe para que o iniciasse em sanniasa. Também pediu a Mãe que o tornasse “louco” e lhe conferisse imediatamente a visão do Mestre. A Mãe, de algum modo o tranqüilizou, nesse momento, e mandou-lhe para sua casa. Porém, o estado mental do perturbado devoto tornou-se pior, quando voltou ao lar. Estava muito inquieto e sentia-se incomodado, pensando que a Santa Mãe sequer pudesse, com seu mero desejo, dar-lhe a visão de Sri Ramakrishna, já que havia recusado a faze-lo. Em um estado mental muito irritado, voltou a Yairambati e disse-lhe: “Mãe, a senhora não me fará ter a visão do Mestre?”. A Mãe disse-lhe: “Sim , o verá. Acalme-se, não te inquietes”. Mas ele não pode agüentar mais e disse-lhe, com cólera na voz: “Estás me enganando. Aqui está o rosário que me deste. Tome-o, não me interessa mais”. Dizendo isto, atirou-lhe o rosário. A Mãe disse: “Muito bem, fique para sempre como filho de Sri Ramakrishna”. O jovem deixou o lugar neste momento.
Depois esse devoto ficou realmente louco. Começou a escrever cartas insultantes aos monges da Missão Ramakrishna e não fez exceção, nesse sentido, nem à Santa Mãe.
Um dia, fazendo referência a esse devoto, perguntei à Santa Mãe: “Devolveu também o mantram? Ele tirou o rosário mas, pode alguém devolver o mantram?”.
Mãe: é possível isso? A palavra mantram tem vida. Uma vez que se a recebe, pode ser devolvida? Havendo sentido uma atração pelo guru, pode livrar-se dele? Algum dia, esse jovem voltará e cairá aos pés daqueles a quem agora insulta.
Devoto: Por que acontecem tais coisas?
Mãe: Vemos que isso acontece. Um guru pode iniciar a muitos discípulos, mas podem todos eles ter a mesma natureza íntima? A vida espiritual se manifesta em um devoto, conforme a sua íntima natureza. Ele disse-me uma vez: “Mãe, faz-me ficar louco”. Eu respondi: “Por que? Por que queres enlouquecer, filho meu? Pode alguém ficar louco, sem haver pecado nunca?”. Ele acrescentou: “Meu irmão mais jovem viu o Mestre. Concede-me, também, uma visão Dele”. Eu lhe respondi: “Quem pode vê-lo com os olhos físicos? Mas alguém pode vê-lo fechando os olhos. Teu irmão é um menino. Pode ter visto mentalmente, o Mestre, com os olhos fechados; mas ele pensa que o viu com os olhos abertos”.
Pedi-lhe que persistisse na prática das disciplinas espirituais; que orasse ao Mestre e assim, também ele teria Sua visão. O homem sabe, em sua própria mente, quanto avançou e que grau de conhecimento e consciência de Deus alcançou. Sabe, no mais íntimo de seu ser, até que ponto realizou Deus. Ademais, quem foi capaz de ver a Deus com os olhos físicos?
Aquele devoto, depois de ter recebido uma reprimenda em Udbodhan, costumava viver na margem do Ganges. Algumas vezes, sentava-se na porta de Udbodhan e ali comia. Depois de algum tempo, foi levado à presença da Mãe, com sua permissão. Ela tratou de tranqüiliza-lo de várias maneiras, e disse: “O mestre costumava dizer: ‘No momento da morte, estarei ao lado dos que oraram em meu nome’. Estas são palavras saídas de seus próprios lábios. Tu és meu filho, que podes temer? Por que te conduz como um louco? Isso é uma afronta ao Mestre. As pessoas dirão que Seu devoto se torna louco. Podes portar-te de maneira tal, que desacredites o nome do Mestre? Vai a tua casa e vive como os demais. Come e vive com eles. No momento de tua morte, o Mestre se revelará a ti e te levará com Ele. Podes dizer-me se alguém teve a visão Dele com os olhos físicos? Só Naren (Swami Vivekananda) o viu desse modo, e foi na América do Norte. Ele sentia-se possuído de um intenso desejo. Naren costumava sentir, então, que o Mestre o tomava pelo braço. Porém, essa visão durou somente uns poucos dias. Agora vai a tua casa e vive feliz. Por quantos sofrimentos passam as pessoas mundanas! Noutro dia faleceu o filho de Ram. Tu, pelo menos, podes dormir com o coração tranqüilo”.
Com estas palavras consoladoras e as instruções da Santa Mãe, o devoto se apaziguou. Logo comeu seu almoço em Udbodhan e voltou a seu povo natal. Gradualmente, foi recuperando seu estado mental normal.
YARAMBATI
26 de maio de 1911
A Santa Mãe, depois de terminar sua peregrinação a Rameswaram, voltou a Calcutá, onde ficou poucos dias, indo depois a Yairambati. Uma tarde estava sentada na galeria de sua velha casa e perguntou-me sobre certo monge.
Mãe: Que te disse?
Discípulo: Por dois ou três meses sentiu um ardente desejo de ver-te.
Mãe: Que estranho! Um sanniasin (monge) deve cortar todas as ligações da maia. Uma cadeia de ouro é tão grilhão como a de ferro. Um sanniasin não deve enredar-se em forma alguma da maia. Por que ele diz constantemente: “Oh! O amor da Mãe! O amor da Mãe! Eu não tenho seu amor?”. Que idéia! Não gosto dos homens que se apóiam constantemente em mim. Além de tudo, ele tem forma de homem e eu não estou falando sempre de Deus? Eu tenho que estar entre as mulheres. Ashu também costumava vir freqüentemente onde eu estava, para fazer pasta de sândalo ou com algum outro pretexto. Um dia eu a adverti.
O desejo é a
sustentação do corpo
Discípulo: Os sanniasines, que professam os ideais da Vedanta, podem alcançar o Nirvana?
Mãe: Seguramente. Cortando gradualmente as ligações da maia, eles realizarão o Nirvana e se submergirão em Deus. Este corpo sim, sem dúvida, é o resultado visível dos desejos. O corpo não pode viver, a menos que haja algum vestígio de desejo. Tudo chega a seu fim, quando o homem se liberta totalmente, dos desejos.
Os filhos (os devotos) vêm aqui, recebem sua comida, passam deliciosamente o tempo e se vão. Uma vez Hazra disse ao Mestre: “Por que tem o Senhor constante e ardente desejo de ver Naren (Swami Vivekananda) e aos outros rapazes? Eles sentem-se felizes comendo, bebendo e jogando. Seria melhor que o Senhor fixasse sua mente em Deus. Por que o Senhor deve apegar-se a eles?”. Ao ouvir estas palavras, o Mestre tirou por completo da mente, Seus jovens discípulos e a submergiu no pensamento de Deus. Instantaneamente entrou em samadhi; Sua barba e Seu cabelo puseram-se de pé, como a flor do kadamba. Imagine que espécie de homem era o Mestre! Seu corpo ficou rígido, como se fosse uma estátua de madeira. Ramlal, que O atendia, disse, repetidas vezes: “Por favor, volte a Teu estado anterior”. Por fim, a mente do Mestre desceu aos planos normais. Era só por compaixão pelas pessoas, que o Mestre mantinha Sua mente no plano material.
O Nirvana e outros estados de salvação
No momento de sua morte, Yoguin (Swami Yogananda), desejava o Nirvana. Guirish Babu disse-lhe: “Olha, Yoguin, não aceites o Nirvana. Não penses no Mestre como penetrando o universo inteiro, tendo por olhos o sol e a lua. Pensa no Mestre como costumava ser conosco; pensando assim Nele, o verás como Ele”. As deidades e os anjos, sejam o que forem, voltam a nascer nesta terra. Eles não podem nem comer, nem falar, em seus corpos sutis.
Discípulo: Se não comem nem falam, então como passam os dias?
Mãe: Mergulhados na meditação, eles permanecem onde estão por séculos, semelhantes a estátuas de madeira! Como as estátuas dos reis que vi em Rameswaran, que estavam ali de pé, com seus trajes reais! Quando Deus necessita deles, os faz descer como um Yama-loka, Satia-loka e Dhruva-loka. O Mestre disse que havia feito descer Narendra (Swami Vivekananda) do plano dos sete sábios (sapta-rishi). Certamente, Suas palavras são palavras védicas. Elas somente expressam a verdade.
Discípulo: Então, também nós teremos que viver como imagens de madeira ou argila?
Mãe: Oh! Não! Vocês servirão ao Mestre. Há duas espécies de devotos. Uma espécie dedica-se a servir a Deus, nesta terra; outro grupo mergulha na meditação durante séculos, como as imagens.
Os iswarokotis podem voltar do Nirvana
Discípulo: O Mestre costumava dizer que os iswarokotis podem descer à consciência do plano relativo, até depois de ter alcançado o Nirvana; outros não podem faze-lo. Que significa isto?
Mãe: Os iswarokotis, mesmo depois de alcançar o Nirvana, podem retroagir sua mente e dirigi-la ao plano da consciência ordinária.
Discípulo: A mente que se submergiu em Deus, como pode ser trazida novamente a este mundo? Quando a água de uma jarra foi jogada em um lago, como pode voltar a separar-se?
Mãe: Nem todos podem fazer isso. Só os Paramahansas podem fazê-lo. Um hamsa (cisne mitológico), pode separar o leite que havia sido misturado com a água e beber só o leite.
Os desejos e a salvação
Discípulo: Podem todos se libertar dos desejos?
Mãe: Se todos pudessem, então a criação chegaria a seu fim. A criação segue existindo, porque nem todos podem estar livres de desejos. As pessoas com desejos voltam a nascer muitas vezes.
Discípulo: Que acontece com um homem que morre nas águas do Ganges?
Mãe: Somente pode libertar-se de nascer de novo, aquele que não tem o menor vestígio de desejo. Não há nenhum outro modo de alcançar isso. Mesmo quando for este o último nascimento neste mundo, que outra coisa poderia conquistar-se, que ficar livre de desejos?
Discípulo: Mãe, esta criação é infinita; quem poderia dizer o que está acontecendo num plano remoto? Quem pode saber se habitam seres viventes em alguns desses inumeráveis planetas e estrelas?
Mãe: É possível somente a Deus ser onisciente no reino da maia. Talvez não haja nenhum ser vivente nestas estrelas e planetas.
Um dia, durante a estação das chuvas do mesmo ano de 1911, Swami Saradananda, Yuguin-Ma e Golap-Ma, foram para Kamarpukur, desde Yairambati. Yoguin-Ma tropeçou no caminho e se cortou em várias partes do corpo e suas feridas sangravam. Eu retornei a Yairambati, a cabeça da comitiva e informei à Santa Mãe do acidente. Ela observou com pesar: “Antes deles partirem, Golap-Ma disse: ‘Yoguin vai conosco; veremos quantas vezes tropeça no caminho’. Yoguin caiu para que se cumprissem as palavras de Golap. Depois de tudo, essas eram palavras de uma mulher espiritual. Ela pratica disciplinas espirituais. Por isso, suas palavras devem dar frutos, daí que uma pessoas santa não deve dizer coisa alguma a ninguém”.
UDBODHAN, CALCUTÁ
16 janeiro de 1912
Aceleração da evolução espiritual
Pela manhã, estive com a Santa Mãe, em sua casa. Disse-lhe: “Mãe, uma vez Sri Chaitania bendisse a Naraiani, dizendo-lhe: ‘Que possas ter devoção a Krishna!’. Estas palavras tiveram tão mágico efeito que a menina, que só tinha três ou quatro anos, girou pelo chão exclamando: ‘Ah! Krishna! Oh! Krishna!’. Temos lido também em relato a respeito de Nárada. Depois que ele realizou a Deus, um dia sentiu compaixão por uma formiga. Disse a si mesmo: ‘Eu alcançai a perfeição pelo resultado de haver praticado austeridades durante muitas vidas humanas, e esta pobre formiga terá que esperar tento tempo, antes que nasça como ser humano!’. Ternamente, bendisse a formiga, dizendo-lhe: ‘Seja livre’. Imediatamente, a formiga tomou formas não humanas, tais como as de pássaros, bestas, etc. e, gradualmente, chegou a tomar o corpo de um homem. Passou por muitas vidas humanas, desfrutando das experiências associadas a elas e, passo a passo, dirigiu sua atenção às disciplinas espirituais. Adorou a Deus e alcançou a salvação. Num abrir e fechar de olhos, Nárada viu todos os eventos dessas inumeráveis vidas. Por tanto, alguém pode ter instantaneamente a libertação por meio da graça de uma grande alma”.
Mãe: Sim, assim é.
Discípulo: Porém, também se ouve que alguém não pode conservar muito tempo seu corpo, se aceita o fardo dos pecados de outros. Esse corpo, que poderia ter sido instrumento para salvar a muitos, se esgota pelo amor de uma só pessoa pecadora.
Mãe: Isso também está certo. Ademais, uma alma grande perde, deste modo, seu poder. O poder de austeridades e disciplinas espirituais, que podiam ter sido utilizado para a libertação de muitas almas individuais, se gasta por amor a uma só pessoa. O Mestre costumava dizer: “Tenho todos estes males físicos porque tomei sobre mim os pecados de Guirish”. Mas, agora, Guirish também está sofrendo”.
Discípulo: Mãe, um dia tive um sonho. Vi que um homem de cabelo emaranhado se apresentou ante ti e insistia que fizesse algo por ele, de imediato. Havia sido anteriormente iniciado por ti, mas não praticava nenhuma disciplina espiritual. Tu disseste: “Se faço algo por ele, então, não viverei; meu corpo perecerá num instante”. Com toda a força que pode reunir, tratei de impedir-te que cedesse a compaixão, dizendo-te: “Por que deves fazer algo por ele? Tens que alcançar tua própria salvação. Que pratique sádhanas (exercícios espirituais)”. Como insistisse uma e outra vez, tu te sentiste incomodada e fizeste algo por ele, tocando-lhe o peito e o colo, sempre repetindo: “Se faço algo por ele, não viverei; meu corpo perecerá imediatamente”. Então meu sonho acabou. Bem, é certo que o poder de alguém fica limitado, quando nasce em um corpo físico?
Mãe: Sim, assim é. Muitas vezes, enfastiada com os insistentes pedidos de algumas pessoas, penso: “Já que este corpo morrerá um dia, que caia nesse mesmo momento. Que tenha ele a salvação”.
Significado da
realização de Deus
Discípulo: Mãe, a visão de Deus significa o alcance do conhecimento (gñana) e a consciência espiritual (chaitania)? Ou significa algo mais?
Mãe: Que mais pode significar senão o alcance disso? Pode alguém dizer que no homem de realização, lhe crescem dois chifres?
Discípulo: Muitos de teus devotos falam diferentemente da visão de Deus. Eles crêem que alguém vê a Deus com os olhos físicos e fala com Ele.
Mãe: Sim, eles dizem: “Mostra-me o Pai”. Mas Ele (Sri Ramakrishna) não é pai de ninguém. Estas três palavras: Guru, Mestre e Pai produziam, em seu ânimo, a pungente sensação de uma espinha. Por séculos e séculos, quantos praticaram austeridades! Não obstante, não puderam realizar a Deus. E agora as pessoas não querem praticar disciplinas espirituais e nem fazer austeridades, porém, é mister mostrar-lhes Deus de imediato! Eu não posso faze-lo. Podes dizer-me se Ele (Sri Ramakrishna) mostrou Deus a alguém?
Deus tem a
natureza de um menino
Discípulo: Mãe, temos ouvido que alguns buscam, mas não conseguem, enquanto que outros não buscam e conseguem. Como se entende isto?
Mãe: Deus tem a natureza de um menino. Alguns pedem, mas Ele não os dá; no entanto dá a outros, sem que tenham pedido. Talvez estes últimos tenham feito muitos atos meritórios em suas vidas passadas. Por isso, a graça de Deus desce sobre eles.
Discípulo: Então, até na graça de Deus há discriminação.
Mãe: Sim, assim é. Todas as coisas dependem do karma (nossas ações passadas). Tão logo como o karma se esgota, se realiza Deus. Esse é seu último nascimento.
Reconhecimento de
que Deus é o “mais íntimo”
Discípulo: Admito que a cessação das ações (karma-kshaia), as disciplinas espirituais e o tempo, são fatores que favorecem o alcance do conhecimento e consciência espiritual. Mas, se Deus é o “mais íntimo” de nosso ser, então não pode revelar-se a Seus devotos por sua mera vontade?
Mãe: Muito bem, mas quem tem essa fé de que Deus é o “mais íntimo”? Todos se submetem a esta ou aquela disciplina por que crêem que é seu dever faze-lo, mas, quantos buscam a Deus?
Discípulo: Uma vez, eu te disse que até o próprio filho não reconhece a sua mãe, se ela não lhe presta sua atenção e lhe dá seu carinho.
Mãe: Sim, tu disseste algo muito certo. Como pode amar a alguém se não o conhece? Por isso, tu me vês; eu sou tua mãe e tu és meu filho.
1º de fevereiro de 1912
A renúncia do
Mestre
Era aproximadamente nove e meia da noite, quando fui visitar a Santa Mãe. Durante todo o dia não a tinha visto.
Mãe: Onde estiveste durante o dia inteiro?
Discípulo: Estive no andar térreo, ocupado com as contas.
Mãe: Alguém que renuncia a este mundo pode ter gosto por essas coisas? Uma vez cometi um erro na liquidação dos honorários do Mestre. Pedi-lhe que falasse disso ao administrador do templo. Respondeu-me: “Que vergonha! Devo incomodar-me com as contas?”. Outra vez disse-me: “Aquele que toma o ‘nome de Deus’, nunca sofre de miséria alguma. Nem falar em teu caso!”. Estas são Suas próprias palavras. A renúncia era sua qualidade distinta.
9
de fevereiro de 1912
Estado espiritual
de quem morre não consciente
Guirish Chandra havia morrido na noite anterior. Sobre isso perguntei à Santa Mãe: “Mãe, aqueles que abandonam o corpo em um estado de inconsciência, alcançam depois um estado espiritual mais elevado?”.
Mãe: O pensamento que predomina na mente antes que se perca a consciência objetiva, é esse que determina o curso da alma individual depois da morte.
Discípulo: Sim, isso é certo. Um pouco depois das seis da tarde, Guirish Babu exclamou: “Yai Ramakrishna!”. (Glória a Ramakrishna) e perdeu, em seguida, a consciência sensória. Depois, não voltou a recobra-la. Uns minutos antes, dizia constantemente: “Vamos, vamos!... Suspenda-me um pouco, filho meu!”. Eu lhe disse: “Por que dizes: ‘Vamos, vamos!’. (1) Melhor seria que repetisse o nome de Sri Ramakrishna, que te faria realmente bem”. Disse-lhe isto duas vezes e Guirish Babu acrescentou: “Acaso não sei disso”. Disse a mim mesmo: “Agora vejo, és plenamente consciente em seu interior”.
(1)
Guirish Babu tinha o intenso desejo de que o levassem
a margem do Ganges, na hora de sua morte. Por isso se expressava assim. Seu irmão disse: “Acaso
meu irmão necessita do Ganges para o bem-estar de sua alma?”.
Mãe: Permaneceu mergulhado no pensamento que tinha em sua mente, quando caiu aparentemente inconsciente. Eles (referindo-se os discípulos de Sri Ramakrishna), vieram Dele e voltarão a Ele. Todos eles vieram Dele; de Seus braços, pés, cabelos, etc. Eles são Seus membros e partes Dele.
21 de fevereiro de 1912
Eram sete horas da manhã. A Mãe estava sentada no piso, perto de seu leito. Swami Nirbhaiananda, que tinha ido em peregrinação para Dwaeaka, havia enviado a Mãe algo de prasad do templo de Dattatreia, que fica nas serras de Guinar.
Mãe: Quem era Dattatreia?
Discípulo: Como Yada-Bharata e outros, ele foi um grande sábio, um iswarakoti.
Mãe: Como alguns dos filhos do Mestre?
Discípulo: Sim. Agora, como é que alguns aswarakotis, entre os discípulos do Mestre, estão mergulhados na vida mundana, com esposas e filhos?
Mãe: Sim, eles estão vegetando, estancados aí. Purna foi forçado a se casar. Seus parentes ameaçaram-no, dizendo-lhe: “Se vais vê-lo (referindo-se a Sri Ramakrishna), lhe atiraremos pedras e pedregulhos quando vier a Calcutá”.
Discípulo: Bem, eles tiveram que se casar. Nag Mahasaya também se casou. Porém, ter filhos e levar uma vida mundana!
Mãe: Talvez tivessem alguns desses desejos. Direi-te uma coisa: esta criação é algo sumamente completa. O Mestre faz uma coisa por meio de um homem e outra coisa por intermédio de outro. Oh! É tão inescrutável! Mas um chefe de família pode ser iswarakoti. Qual pode ser o risco?
Radhu estava com dores e febre. A Mãe, preocupada por ela, disse: “Ela pode ficar bem, agora que eu estou viva, quem cuidará dela quando eu me for? Seguirá vivendo, então?”.
Discípulo: Que multidão de devotos durante todo o dia! Não te dão fôlego.
Mãe: Dia e noite digo ao Mestre: “Diminui esta corrente de gente. Deixa-me ter um pouco de descanso”. Mas dificilmente o consigo. Ocorrerá igual agora, durante os poucos dias que deixarei este corpo. A mensagem do Mestre está espalhada por todas as partes; por isso tanta gente vem aqui. Uma multidão como essa visitava o Mestre durante Seus últimos dias. Trato de persuadir as pessoas, dizendo veementemente: “Tomem a iniciação do preceptor da família de vocês (kula-guru). Eles esperam algo de vocês; eu nada espero”. Mas não querem deixar-me. Começam a chorar e comovem meu coração. Bem, estou aproximando-me do fim; os poucos dias em que viverei, serão passados desse modo.
Discípulo: Oh! Não, Mãe! Por que dizes isso? Tu estás bem, não tens nenhuma doença particular. Por que, então, queres deixar este mundo? Nunca voltes a dizer isto.
Nesta época, a Mãe parecia muito triste e indiferente a todas as coisas.
Ao meio-dia, tinha vindo um homem muito veemente a ver a Santa Mãe, e havia feito um escândalo. Referindo-se a isto, a Mãe disse: “O Mestre não deixava ninguém saber de minha existência; protegia-me sempre, com infinito cuidado. Agora, as coisas foram a outro extremo; fazem propaganda de mim como em pleno mercado e a rufar de tambores. M. é a raiz de tudo isto. As pessoas estão como fora de si, depois de terem lido ‘Kathamrita’ (O Evangelho de Sri Ramakrishna). Guirish Babu, pela força, exigia que o Mestre atendesse às suas demandas e abusava disso. Agora, as pessoas estão fazendo a mesma coisa comigo. Por que me incomodam sempre aqui perto da iniciação? Ali, no Monastério de Belur, estão meus filhos (referindo-se aos discípulos diretos do Mestre). Na têm eles nenhum poder? Todos os mandam pra cá. Eu vou tão longe e chego a dizer as pessoas que estão incorrendo em um grande pecado, se abandonam o preceptor familiar, mas, mesmo assim, não me deixam”.
Discípulo: Tu inicias aos devotos porque quer faze-lo.
Um verdadeiro guru só inicia por compaixão
Mãe: Não, não faço por compaixão. Eles não se vão. Choram. Sinto compaixão por eles. Por bondade, os inicio. Fora isso, que ganho eu com isso? Quando inicio os devotos, tenho que carregar sobre mim seus pecados. Então, penso: “Bem, este corpo, de um ou outro modo, terá que morrer; portanto, que eles realizem a Verdade”.
2 de maio de 1912
Discípulo: Mãe, eu sinto que a vida não tem propósito, a menos que se tenha a visão direta de Deus. Uma vez, perguntei a um fakir muçulmano: “Um homem se senta, com o caniço de pescar, na margem de um lago ou rio. Nunca vai pescar num charco pantanoso. Teria o senhor um vislumbre daquilo pelo qual se fez um mendicante religioso?”.
Mãe: Que disse ele?
Discípulo: Que poderia dizer?
Mãe: (Depois de um momento). Falaste corretamente. É certo. Que benefício tem um homem, se não alcança certa espécie de realização? Mas, se deveria seguir tendo fé nas coisas espirituais.
Ardente desejo por Deus
Discípulo: Noutro dia, Sarata Maharaya contou que Swami Vivekananda também o havia reprimido, dizendo: “Suponha que em uma casa há uma barra de ouro e que numa outra contígua, haja um ladrão que consegue vê-la. Só há um tabique que o impede de pegar o precioso metal. Em tal situação, é possível que durma? Pensará continuamente no modo de apoderar-se do ouro. Da mesma maneira, se um homem está firmemente convencido de que há tal coisa chamada Deus, como poderá, em algum momento, entrega-se a vida mundana?”.
Mãe: Isso é muito certo.
Discípulo: Mãe, se pode dizer qualquer coisa, mas renúncia e desapego, são as coisas principais. Nunca eu os alcançarei?
A renúncia de Sri
Ramakrishna
Mãe: Certamente o alcançarás. Tudo o conseguirás somente tomando refúgio no Mestre. Uma renúncia sem igual, era Seu esplendor. Nós tomamos Seu nome, comemos e gozamos das coisas, porque Ele renunciou a tudo. Como foi um homem de tão completa renúncia, as pessoas pensam que Seus devotos também devem ser muito grandes.
Ah! Um dia veio a meus pezinhos, em Nahabat. Como costumava mastigar especiarias, lhe dei algumas para que as saboreasse no momento e, também, lhe pus outras em um pacote, para que as levasse a Sua habitação. Quando se foi, vi que, em lugar de dirigir-se a sua habitação, foi diretamente para o Ganges. Não via o caminho; estava inconsciente. Ia repetindo: “Mãe, terei que me afogar!”. Fiquei presa de uma enorme angústia. As águas do rio transbordavam. Era, então, uma jovenzinha e não saía de minha casa. Não via ninguém por perto. A quem mandar em seu auxílio? Por fim, vi um brahmin do templo de Kali, que vinha em direção de minha casa. Fiz com que ele avisasse Hriday, que estava comendo. Hriday deixou a comida e correu imediatamente para onde estava o Mestre, o agarrou e o trouxe de volta a sua casa. Um momento mais e haveria desaparecido no Ganges!
Discípulo: Por que o Mestre ia para o rio?
Mãe: Porque pus em Suas mãos umas poucas especiarias, não pode encontrar o caminho. Um santo não deve guardar nada. Sua renúncia era cem por cento completa. Uma vez, um sadhu vaishnava veio ao Panchavati. No princípio, mostrou uma grande renúncia. Mas, no final, como uma ratazana, começou a juntar várias coisas: potes, vasos, jarras, arroz, lentilhas, etc. O Mestre notou isso e observou: “Que coisa! Dessa vez, vai direto à ruína!”. Estava sendo apanhado nas redes da maia. O Mestre lhe fez uma série advertência sobre a renúncia e logo lhe pediu que deixasse o lugar. Depois, este se foi.
Um devoto veio saudar a Mãe. Quando ia despedir-se, a Mãe disse-lhe: “Eu uma vez fiquei decepcionada ao mostrar meu afeto a Harish. Por isso, agora não demonstro a pessoas nenhuma meus sentimentos para com elas”.
1º de março de 1912
À tarde, subi para o andar superior, para ler as cartas a Santa Mãe.
Discípulo: A filha de um devoto escreveu da casa de seu sogro, dizendo que desejava vir vê-la. Enviou-te suas saudações. Pede, também, que tenhas cuidado de que os parentes de seu marido não se interem de que ela te escreve.
Mãe: Então, não lhes conte nada. Por outro lado, quer que eu oculte isso de seus parentes. Eu não sei julgar desse modo e às escondidas. Em Yairambati, Yogindra, o carteiro, me escrevia as cartas. Muitos se queixavam, dizendo: o carteiro vê nossas cartas? Eles desagradavam-se que eu pedisse a um homem de modesta posição, que escrevesse as cartas. Por que? Em mim não há segredo algum. Qualquer um que deseje, pode ver minhas cartas.
Outro devoto inquiria a respeito de quando regressaria a Santa Mãe a Yaorambati. Perguntei-lhe: “Posso dizer-lhe que estará de volta pra lá do outono, para a celebração de Yagaddhatri Puya?”.
Mãe: Oh! Não, não! Quem pode estar seguro disso? A respeito de onde estarei, isso fica inteiramente nas mãos de Deus. O homem hoje é, amanhã não é.
Discípulo: Oh! Mãe! Por que tens que falar assim? Graças a tu estares viva, é que tanta gente pode vê-la e conseguir a paz mental.
Mãe: Sim, é certo.
Discípulo: Vive, embora só seja por nós.
Com voz terna, trêmula pela emoção, ela disse: “Ah! Quanto carinho têm eles por mim! Eu também os quero muito”. Umas lágrimas umedeceram seus olhos. O discípulo estava abanando-a e ela continuou, com uma voz cheia de compaixão: “Filho meu, te bendigo com todo meu coração, para que vivas longo tempo, consigas devoção e desfrutes da paz. A paz é a coisa principal. A única coisa que alguém necessita, é paz”.
Discípulo: Mãe, há uma idéia que constantemente surge em minha mente: por que não alcanço a visão do Mestre? Sendo Ele o “nosso mais íntimo”, por que não se revela a nós? Mão pode faze-lo por Sua mera vontade?
Mãe: É certo. Quem pode dizer por que Ele não se revela, sendo que vocês sofrem tantas angústias e pesares? Uma vez, uma esposa de Balaram estava doente. O Mestre disse-me: “Vai a Calcutá visitá-la”. Eu contestei: “Como irei? Não há nenhum veículo aqui”. Com voz firme, o Mestre replicou: “Que? A família de Balaram está passando por um momento tão angustioso e tu vacilas em ir? Terás que ir caminhando a Calcutá; vá a pé”. Por fim, encontrou-se um palanquim e saí para Calcutá. Visitei a enferma duas vezes, em outra ocasião, fui a pé, desde Shyampukur. Realmente, que seria do homem se Deus não o protegesse de suas tribulações?
Discípulo: Vejo que enquanto o homem vive no corpo físico, sofrimentos e pesares são inevitáveis. Eu não peço ao Mestre que tire os sofrimentos, mas, Ele não pode revelar-se a nós, por meio de nossas preocupações e sofrimentos?
A realização espiritual depende da vontade Divina
Mãe: Tens razão, filho meu! O filho único de Ram e neto de Balaram, morreu outro dia. A esposa e a mãe de Ram vieram aqui, para buscar a paz mental. Tiveram algum alívio em sua enorme dor. Eu costumava falar dessas coisas e Ele dizia: “Tenho milhões como eles. Cortarei meu cabrito pela cauda e pelo lombo e logo o matarei. É minha benévola vontade”.
Discípulo: Não vê Ele nosso sofrimento?
Mãe: Mas Ele tem tantos como vocês! Costumava dizer-me: “É o oceano a consciência e a felicidade. Quantas ondas aparecem e desaparecem! Não há fim, nem limite!”.
Discípulo: O homem da rua, em quem a consciência espiritual foi despertada parcialmente e deseja realizar Deus, sofre muitíssimo se não vem a Ele. Só eles sabem o quanto sofrem!
Mãe: Ah! Quão certo é! As pessoas comuns são muito felizes. Comem, bebem e se divertem. Só os devotos não acham o fim dos seus sofrimentos.
Discípulo: Ao ver o sofrimento dos devotos, não sofre?
Mãe: Por que haveria de sofrer? Aquele que criou o mundo, vela por todos.
Discípulo: Não desejas voltar a esta terra em forma humana, por amor aos devotos?
Significado dos sofrimentos do Mestre
Mãe: Oh! Há tanto sofrimento no corpo humano! Basta, basta! Não queria nascer de novo! Quando estava doente, o Mestre expressou o desejo de comer a fruta amalaka. Durgacharan conseguiu algumas, depois de procurar durante três dias, sem comer, nem dormir. O Mestre pediu-lhe que participasse de Sua comida e Ele mesmo comeu um pouco de arroz, para que a comida se tornasse prasad. Eu disse ao Mestre: “Tu estás comendo muito bem o arroz, por que então, comes só sêmola com leite?”. Respondeu: “Não, não; tenho que comer mais disso durante os últimos dias de minha vida”. Era tão insuportável o sofrimento que sentia mesmo comendo sêmola! De vez em quando a expulsava pelo nariz...
O Mestre disse: “Tenho sofrido por todos vós. Tenho colocado sobre mim, as infelicidades do mundo inteiro”. O Mestre sofreu quando tomou sobre si, os pecados de Guirish.
Todos nossos sofrimentos ocorrem nesta terra. Há algo mais em outra parte? As pessoas sofrem intermináveis padecimentos devido a seu egoísmo e, ao final, disse: “Eu não sou, eu não sou; só Tu és, oh Deus! Só Tu és”.
Discípulo: Nos manterás sempre em tua mente, no futuro?
Mãe: Talvez não, depois que eu deixe este corpo e desfrute da divina felicidade. Filho, o tempo é a coisa principal. Quem sabe o que sucederá com o correr do tempo?
Discípulo: Certamente, Mãe, todas as coisas ocorrem, sem dúvida, sob o domínio do tempo; mas também há um dominador do tempo.
Mãe: Sim, é certo.
Discípulo: Trates de manter-te bem; então, todas as coisas irão bem.
Eram oito horas. A Mãe perguntou: “São oito horas? Talvez já seja. É a hora de fazer o culto no templo. Tenho que ir-me, agora”.
Subi com a correspondência. Um de seus discípulos havia falecido em Benares. A Mãe olhou a notícia e falou: “Algum dia, todos devemos morrer. Em vez de morrer perto de um lago ou uma laguna, ele morreu em Benares!”.
Seus irmãos haviam escrito, pedindo-lhe dinheiro e contando-lhe suas questões familiares. Eu disse-lhe: “Faz com que eles tenham abundante dinheiro. Pede isso ao Mestre. Faz que eles gozem da vida material até a saciedade”.
Mãe: Ficarão saciados, algum dia? Nada os satisfaz; não, nem sequer quando têm de sobra. Acaso as pessoas mundanas se saciam, alguma vez, dos gozos? Eles sempre estão prontos para contar seus pesares. É Kali (um de seus irmãos) que sempre necessita de dinheiro. Agora Prasana (outro irmão) o imita. Baroda (um terceiro irmão), nunca pede dinheiro. Disse ele: “De onde vais tirar dinheiro de minha irmã?”.
Discípulo: Que passa com a senhora insana (cunhada da Santa Mãe)? Também ela pede dinheiro?
Mãe: Não, ela não aceita até quando lhe é oferecido.
Discípulo: Mãe, por que nasceste nessa família?
Mãe: Por que não? Meu pai e minha mãe eram muito bons.
25 de junho de 1912
Era de manhã. A Mãe estava sentada na habitação contígua ao templo. Estávamos conversando.
Lugar que ocupa o trabalho na vida espiritual; justificativa das
atividades da Ordem Ramakrishna
Discípulo: Alguns dizem que é bom para os sadhus (faz-se referência aos da Ordem Ramakrihna) trabalhar em Sevashramas.(Lares de Serviço) e dispensários, ou ocupar-se da venda de livros, fazer contas, etc. O Mestre ocupou-se, alguma vez, de tais atividades? Aos aspirantes que entram na Ordem com o desejo de realizar Deus, lhes obrigam a fazer trabalhos desta espécie. Tudo o que deviam fazer, era ocupar-se do culto no templo e dedicar-se à meditação, o yapam ou a música devocional. Outras atividades que não sejam essas, os enredam aos desejos e os afastam de Deus.
Mãe: Não deves dar ouvidos a quem fala dessa maneira. Que farias dia e noite, se não te ocupasses de um trabalho? Alguém pode praticar meditação e yapam durante as vinte e quatro horas do dia? Tu mencionaste o Mestre. Teu caso era diferente. Mathur lhe administrava uma dieta adequada. Vós podeis ter o necessário para comer, porque fazem algum trabalho. Do contrário, teriam que mendigar de porta em porta, algum bocado. Talvez caíssem doentes. Ademais, onde há gente, hoje em dia, que dá esmola aos sadhus? Nunca tenhas em conta tais palavras. As coisas seguirão como foram dispostas pelo Mestre. O monastério se regerá por normas. Os que não podem ajustar-se a elas, se irão. Uma vez, Mani Mullik foi visitar um sadhu. Ao regressar, o Mestre lhe perguntou: “Qual é tua impressão? Gostou?”. Mani disse: “Sim, vi o sadhu, mas...”. O Mestre inquiriu: “Mas o que?”. Respondeu Mullik: “Todos querem dinheiro” O Mestre disse: “Quanto necessita um santo? Talvez uma moeda para o tabaco ou gania. Isso é tudo. Vós necessitais manteiga, leite, colchões e outras coisas desse estilo; e os sadhus só pedem algo para fumar. Não deveriam ter isso?”.
Discípulo: Os gozos provêm somente do desejo. Um homem pode viver numa mansão de quatro andares, mas não desfrutar de coisa alguma, se realmente não sente desejo por elas. E outro homem pode viver debaixo de uma árvore, mas se tem desejo, surgirão nele todos os gozos. O Mestre costumava dizer: “Uma pessoa pode não ter parentes em parte alguma, mas a Mahamaia pode impulsiona-lo a cuidar de um gato e isso o faz mundana. Tal é Seu jogo”.
Mãe: É certo. Tudo é devido ao desejo. Que ligação há para o homem que não tem desejo algum? Vês? Eu vivo rodeada de todas estas coisas, mas não sinto nem mais um mínimo apego.
Discípulo: Certamente, tu podes não ter desejo algum. Por outro lado, quantos desejos insignificantes surgem em nossas mentes! Como podemos nos livrar deles?
Os desejos são reais e aparentes
Mãe:
Neste teu caso, esses não são verdadeiros desejos. Não são nada. São meras
fantasias que aparecem e desaparecem na mente. Quanto mais venham e se vão,
melhor será para ti. (1).
(1) Um sanniasin perguntou uma vez a Santa
Mãe: “Tenho estado praticando disciplinas religiosas,
sem diminuir meu esforço. Mas, parece que as impurezas da mente não decrescem”.
A Mãe disse: “Tens enrolado um carretel de fios de distintas cores: vermelho,
branco e negro. Ao desenrola-los, os vê exatamente o
mesmo que antes”. Há duas espécies de desejos: um, que estimula os gozos e
outro, que acelera o desapego. Embora exteriormente pareça
que são iguais, seus efeitos são diferentes”.
Discípulo: Ontem pensei: como posso lutar contra minha mente, se Deus não me assegura sua proteção? Assim como um desejo desaparece, outro surge.
O aspirante tem a proteção Divina
Mãe: No tanto que o ego existe, também subsistirão os desejos. Porém, os desejos não te causarão dano. O Mestre será teu protetor. Seria um tremendo equívoco de Sua parte não protegesse aqueles que renunciaram a tudo e se refugiam em Seus pés. Deves viver entregando-te inteiramente a Ele. Que Ele te faça bem ou te afunde; que se cumpra a Sua vontade. Só tu deves fazer o que é correto e isso também estará de acordo ao poder que Ele te deu.
Discípulo: Mãe, entreguei-me a Ele até na mais mínima coisa; porém, no instante seguinte, esse sentimento desaparece. Qual será o caminho adequado para nós, se Ele não nos protege? Às vezes penso que só porque tu vives, podemos falar-te das dificuldades e riscos que nos espreitam e alcançamos paz em só contemplar teu rosto. Mas, quem nos protegerá quando tu nos deixar? Só nos sentiremos firmes se tu nos dás essa segurança.
Mãe: Não temas, filho meu. Tu não tens nada que temer. Tu não levas uma vida mundana com esposa e filhos. Não terás nada disso. Por que deves temer? E, com o tempo, antes de minha morte, serás capaz de construir sólidos cimentos para tua vida espiritual.
Discípulo: De que nos serviram as austeridades e o yapam, se Deus não pousa sobre nós, Seu benigno olhar? Só estaremos protegidos se Ele nos proteger.
Mãe: Nada tens que temer. O Mestre certamente te protegerá. Não te aflijas.
7
de julho de 1912
Discípulo: Mãe, não estava decidido que tu irias a Puri, para o festival do Carro?
Mãe: É bom ir lá, quando há tanta aglomeração de pessoas? Talvez se produza uma epidemia de cólera, então. O sacerdote Lakshmikanta disse: “Nesse momento, já todas as casas e habitações foram alugadas. Não há lugar onde parar. Até as habitações pequenas foram alugadas por dez rúpias cada uma. Melhor é que venhas durante os meses de inverno”.
Discípulo: Quantos templos; quantos deuses e deusas foram destruídos pelos muçulmanos! Algumas imagens tiveram cortados os narizes e orelhas... Aí está o templo de Somanath, em Guyarat. Os sacerdotes, em outras épocas, costumavam banhar diariamente a Deidade com água do Gangotri. Todos os dias as pessoas levavam água em potes, desde os Himalayas. O sultão Mohammed destruiu a imagem e levou as portas do templo, que eram de sândalo. Por que acontece isso?
Mãe: Os malvados não sentem a Divina presença na imagem. A Deidade desaparece, por assim dizer, ante eles. Ele pode fazer tudo o que quiser, por Sua mera vontade. Isto também é um jogo de Deus.
Discípulo: O efeito do karma pode anular-se se alguém se desligar de seu resultado? As escrituras dizem que só o pleno conhecimento pode destruir o karma. Contudo, deve-se colher o resultado do prarabdha karma (correspondente à vida atual).
Os efeitos do karma são inevitáveis, porém, as
práticas espirituais pode mitigá-los
Mãe: O karma é o único responsável de nossa felicidade ou infelicidade. Até o Mestre teve que sofrer o efeito do karma. Uma vez, seu irmão mais velho que se achava preso de alta febre e delirava, foi tomar água. O Mestre arrebatou o copo de sua mão, logo que havia tomado um gole. O irmão irritou-se e disse: “Não me deixas tomar água. Tu sofrias da mesma maneira. Tu terás também uma dor assim, na garganta”. O Mestre disse-lhe: “Irmão, eu não tive a intenção de ferir-te. Tu estás doente. A água te faria mal. Por isso eu tirei o copo de sua mão. Por que me maldizer desta maneira?”. O enfermo respondeu, chorando: “Eu não sei, irmão. Essas palavras saíram de minha boca e não posso senão produzir seu fruto”. Na época de sua doença, o Mestre disse-me: “Tenho esta úlcera na garganta, por causa daquela maldição”. Disse-lhe, como resposta: “Se uma coisa semelhante pode te acontecer, então, como pode viver um homem comum?”. O Mestre disse: “Meu irmão era um homem reto. Suas palavras tinham que refletir a verdade. Porém, acaso pode cumprir-se assim as palavras de todos e cada um?”.
O resultado do karma é inevitável. Mas, repetindo em nome de Deus, pode-se diminuir sua intensidade. Se estiveres destinado a receber uma ferida como a feita pelo relho de um arado, só terás a picada de uma agulha. Grande parte do efeito do karma pode ser resistido com o yapam e as austeridades. Tal foi o caso de Sinatha. Ele havia rendido culto a Deusa, matando cem mil cabras. Por causa dessa matança, o rei foi morto de uma estocada. Porém, não teve que renascer cem mil vezes. Assim foi, porque havia adorado a Divina Mãe. A repetição do santo “nome de Deus” diminui a intensidade dos efeitos kármicos.
Discípulo: Se for assim, então a lei do karma é suprema neste mundo. E então, por que alguém deve crer em Deus? Os budistas aceitam a lei do karma, porém não a Deus.
Mãe: Queres tu dizer que não existem deidades tais como Kali, krishna, Durga e outras deste tipo?
Discípulo: O efeito do karma pode ser destruído pelas austeridades e o yapam?
Mãe: Por que não? É bom fazer o que é correto. Alguém se sente feliz fazendo o bem e sofre quando faz o mal...
Discípulo: Muitos devotos costumavam visitar o Mestre, onde estão eles agora? Nenhum deles vêm te ver.
Mãe: Oh, eles estão levando uma vida feliz!
Discípulo: Quê? Vivem felizes?
Mãe: Tens razão. Como pode um homem ser feliz neste mundo, com esposas e filhos? Eles esqueceram-se de si mesmos, mergulhados como estão, na “mulher e no ouro”. Neste mundo, tudo termina em sofrimento.
Discípulo: Ademais, a mente tem a tendência de ir para fora.
Mãe: Kali, a Mãe do Universo, é mãe de todos. É só Ela quem causa o bem e o mal. Todas as coisas saíram de sua matriz. Há diferentes espécies de seres perfeitos. Os que são perfeitos desde o momento do nascimento; os que alcançam a perfeição pelas práticas espirituais; os que se tornam perfeitos pela graça de Mestre e os que voltam perfeitos repentinamente.
Discípulo: Que quer dizer com se fazem perfeitos repentinamente?
Mãe: É como se tornar rico de repente, ou herdar a fortuna de alguém.
Nesse momento, Nalini, a sobrinha da Santa Mãe, depois de ter se banhado no Ganges, entrava na peça. Tendo encontrado o urinol sujo, a havia lavado e, por isso, tinha ido banhar-se no Ganges, para purificar-se. O discípulo e a Mãe opinaram que tinha sido suficiente banhar-se sob a chuva.
Nalini: Como seria isso suficiente? Depois de limpar o urinol!
A pureza depende da mente
Mãe: Em que consiste a diferença? Tu não tocaste no excremento. E se houvesses tocado, que tem isso? Em nossos intestinos há excremento. O Mestre costumava dizer: “Guarda arroz, especiarias, manteiga, queijo, coisas deste gênero em alguma vasilha, por uns poucos dias e comprovarás que começam a feder. O excremento humano não é mais que isso”. Ele fez certas práticas para elevar-se por sobre todo tipo de aborrecimentos.
Eu também tive que me purificar por haver tocado sujeiras em diversas ocasiões. Repetia o nome de Govinda (um nome da Divindade) quantas vezes e me sentia purificada. A mente é tudo. É na mente que alguém se sente puro ou impuro. Um homem, antes que nada, tem a idéia de culpa em sua própria mente e, só então, pode ver os defeitos dos demais. Acaso acontece algo à outra pessoa, se tu enumeras suas faltas? Isso só prejudica a ti. Eu nunca tenho em conta os defeitos dos demais. Esta tem sido minha atitude. Por isso, não vejo as faltas de ninguém. Se uma pessoa me faz o mais insignificante serviço, só trato de recordar isso. Ver as faltas alheias! Alguém nunca deveria fazer isso. Eu nunca faço. O perdão é tapasia (austeridade).
Discípulo: Swamiyi (Swami Vivekanada) costumava dizer: “Suponha que um ladrão entre em tua casa e roube algo. Em seguida, a idéia ‘ladrão’ surge em tua mente. Mas um menino não tem tal idéia. Por isso, ele não vê ninguém como ladrão”.
Mãe: Isso é muito certo. Aquele que tem a mente pura, vê a pureza em todas as coisas... Alguém pode nascer com uma mente pura, se cumpriu muita austeridade e prática espiritual em suas vidas anteriores?
Discípulo: Mãe, minha mente não encontra gosto ao fazer yapam e outras práticas espirituais.
Mãe: (sorrindo) Por que? Nem um pouco sequer?
Discípulo: Faço yapam com pouca vontade. Em seguida, penso: Para que serve este murmurar entre dentes? Se Deus existe, está presente; melhor tratar de meditar.
Mãe: E podes meditar?
Discípulo: Não, tampouco posso faze-lo. Compreendo todas as coisas, mas não posso pô-las em prática e conseguir paz. Alguém conhece muito bem o caminho que vai a Dakshineswar, mas, nem por isso, somos capazes de percorre-lo a pé!
Lalit Babu entrou na habitação e saudou a Mãe. Entabulou-se, entre elas, uma conversação, na qual o discípulo intervia, de vez em quando.
Mãe: o Mestre costumava dizer: “O caminho é extremamente difícil; é como o fio de uma navalha”. (Depois de uma pausa). Mas Ele os sustenta a todos em Seus braços, e cuida deles.
Lalit: o Mestre nos levará em Seu regaço, depois da morte, há algo grande nisso? Se só nos tomasse nos braços, enquanto estamos neste corpo!
Mãe: Ele os sustenta em Seus braços, estando mesmo neste corpo. Ele está sobre suas cabeças. Na verdade, é Quem os custodia.
Discípulo: Nos sustém, realmente? Estás dizendo a verdade?
Mãe: (com firmeza). Sim, é a pura verdade.
A Mãe terminou o culto da manhã e repartiu entre os devotos o prasad, sobre folhas de shal. Logo, varreu a casa. Ao levantar a vassoura, picou o dedo mínimo com um alfinete. O dedo começou a sangrar, causando-lhe grande sofrimento. Ao perceber, o discípulo foi em sua ajuda. Alguém sugeriu que se pusesse suco de lima. A Mãe sentiu-se aliviada e disse: “É realmente meu filho”.
BANARAS (BENARES)
Novembro de 1912
Em uma ocasião em que a Santa Mãe visitou a cidade de Banaras, teve lugar a seguinte conversação:
Discípulo: Todos os peregrinos tocam a imagem de Visvanath (Shiva). Por isso, à noite a banham. Logo os sacerdotes adoram a Deidade e lhe oferecem comida.
Mãe: Os sacerdotes permitem às pessoas tocar a imagem por sua cobiça de dinheiro. Por que devem tocar a imagem? É suficiente que a olhem de certa distância. De outro modo, também as pessoas imorais a tocam.
Há algumas pessoas, cujo toque me produz uma sensação de queimadura no corpo. É tão dolorosa. Por isso, tenho que lavar as mãos e os pés quando eles me tocam. Por sorte, a afluência de gente aqui é menor que em Kolicata (Calcutá).
Discípulo: Aqui as pessoas podem ver-te só depois de conseguir a permissão dos Swamis maiores. Isso foi decidido para diminuir a afluência.
Mãe: Quem se preocupa por manter uma corte, por assim dizer, nos diferentes lugares?
Sua lunática cunhada importunava a Mãe até em Banaras.
Mãe: Talvez eu tenha adorado a Shiva com folhas de bilva com espinhos. É por isso que tenho este espinho em minha vida, em forma de cunhada.
Discípulo: Como é isso? Que mal há em oferecer a Shiva folhas de bilva com espinhos, sem sabe-lo?
Mãe: Não, não. É extremamente difícil adorar Shiva. Faz mal a pessoa que comete um erro, até inconscientemente. Porém, o fato é que, aqueles que nascem pela última vez, sofrem, nesta vida, os efeitos do karma passado.
Eu não recordo haver cometido nenhum pecado desde meu nascimento. Encontrei-me com o Mestre aos cinco anos de idade. Eu pude não tê-lo compreendido, então, mas, indubitavelmente, Ele me tocou. Por que devo sofrer tanto? Tocando o Mestre, todos os demais se libertaram da maia. Por que só eu tenho tantos enredos? Dia e noite minha mente quer voar para o alto. Eu me forço a baixar, por compaixão às pessoas. Contudo, me atormentam tanto!
Discípulo: Deixe que façam o que queiram. Tem paciência conosco. Uma pessoa que é consciente de si mesma, não pode agastar-te.
Mãe: Tens razão, filho. Não há virtude maior que a paciência. Este é um corpo de carne e sangue. Algumas vezes posso dizer algo em um momento de desgosto.
Logo, como falando consigo mesma, a Mãe acrescentou: “Aquele que adverte a tempo, é um verdadeiro amigo. De que serve dizer: ‘Ah!’, quando o momento oportuno passou?”.
11 de dezembro de 1912
Enquanto estava em Banaras (Benares), a Mãe costumava escutar a leitura de “Kashi Khanda”. (1)
(1) Um relato de Shandra Purana (escritura religiosa hindu) que se refere especialmente a Banaras.
Uma tarde, depois que foi terminada a leitura, entrou em conversa com um discípulo.
Discípulo: Todos os que morrem em Banaras alcançam a libertação?
Mãe: As escrituras dizem que sim.
Discípulo: Qual é a experiência direta? O Mestre viu que Shiva mesmo sussurrava a palavra sagrada (Tarad Brahma) aos ouvidos dos mortos.
Mãe: Eu não sei, filho; não vi nada disso.
Discípulo: Eu não posso acreditar, a menos que ouça algo de ti a respeito.
Mãe: Direi ao Mestre: “R, não quer acreditar. Por favor, mostre-me algo sobre isto”.
Eu me referi a destruição dos templos em muitos lugares da Índia, durante a invasão muçulmana, e disse: “Houve tanta opressão! Que fez Deus para impedi-los?”.
Mãe: Deus tem infinita paciência. As pessoas adoram Shiva, jogando dia e noite jarras de água sobre a cabeça da Deidade. Isso o afeta o mínimo? Ou adoram, cobrindo a imagem com tecidos. Mas, se sente Ele incomodado por isso? A paciência de Deus não tem limites.
A morte em Banaras
conduz à salvação
Na manhã seguinte a Santa Mãe disse a K. Marahaya: “A noite estava desperta em minha cama, quando, de repente, vi a meu lado a imagem de Naraiana, do templo de Seth, em Brindavan. Tinha no colo uma guirlanda de flores que chegava até os pés. Vi também o Mestre que estava de pé, com as palmas das mãos juntas, frente a imagem. Pensei: ‘Como posso ver aqui o Mestre?’ . Disse-lhe: ‘R. não quer acreditar’. O Mestre disse: ‘Deve crer. Tudo isto é verdade’. Quis dizer que alguém que morre em Banaras, alcança a libertação. Essa imagem de Naraiana disse-me outras coisas. Uma é: ‘Pode alguém alcançar o conhecimento da Realidade, a menos que conheça a verdade sobre Deus?’. A outra coisa, não recordo”.
K. Maharaya: Por que o Mestre estava de pé ante a imagem de Naraiana e com as mãos juntas?
Mãe: Essa era Sua atitude característica. Ele era humilde ante todos.
Eu visitei a Mãe no dia seguinte e fazendo referência à conversa anterior, perguntei-lhe: “Por favor, diga-me se morrendo em Banaras, alguém alcança a libertação. Que tu já viste?”.
Mãe: As escrituras dizem isto. Ademais, tanta gente vem aqui com essa fé! Que outra coisa pode acontecer a uma pessoa que se refugiou no Senhor?
Discípulo: É certo que, desde cedo, aqueles que tomaram refúgio em Deus serão libertados. Mas tomemos o caso de quem não se entregou a Deus, não são Seus devotos e pertencem a outras religiões, se libertarão também eles se morrem em Banaras?
Mãe: Sim, eles também. Banaras está saturada com o espírito de Deus. Todos os seres viventes deste lugar, até as traças e os insetos, estão cheios de consciência divina. Qualquer ser que morra aqui – seja devoto ou ateu, ou pertença a qualquer outra religião, até um inseto ou uma traça – será libertado com toda a segurança;
Discípulo: Estás dizendo a verdade?
Mãe: Sim, é a verdade. De outra maneira, como se explicaria a glória deste santo lugar?
Havia ali uns doces que haviam sido oferecidos ao Senhor. Uma mosca, revolteando ao seu redor, pousou finalmente, sobre meu braço. Indicando a mosca, disse: “Até esta mosca?”.
Mãe: Sim, até essa mosca. Todos os seres viventes deste lugar estão cheios do espírito de Deus. Bhudev queria levar para sua casa duas mariposas que estavam em um ninho, sob a escada. Eu disse-lhe: “Não, não; não deves levá-las. Elas são moradoras de Banaras”. Há umas mulheres de Bengala que estão vivendo em Bengalítola. Acaso elas não sentem amor por seus lares e propriedades, por seus amigos e parentes? Mas vieram aqui para que seu último suspiro seja exalado em Banaras. Elas carecem de apego e têm tanta sabedoria!
Discípulo: Vês? Quão espiritual é a gente desde Bengal!
Mãe: Sim, é certo. A gente de nosso distrito carece de sabedoria espiritual. Toma o caso do sogro de Radhu. Sua família tem uma casa em Banaras. Contudo, os membros da família se assustam, só ao se mencionar o nome de Banaras. Imaginarem que não vão morrer, se aferrarem-se a seu povo natal. Porém a morte nos acompanha sempre, como nossa própria sombra.
Discípulo: Estás realmente dizendo a verdade, quando dizes que quem morre aqui, alcança sua libertação?
Mãe: (em forma determinante) Não posso jurar ante ti três vezes. Jurar uma só vez já é bastante mal. Jurar três vezes! E aqui em Banaras!
Discípulo: (sorrindo) Faça com que eu morra em Banaras. Neste caso, onde estarás tu, e onde estarei eu? Já não nos veremos.
Mãe: (sorrindo) Que bobagem! Dizer que não queres morrer em Banaras.
Discípulo: Mãe, ver é crer. Alguém crê em algo quando pode ser corroborado pela percepção direta.
Mãe: Que outra coisa pode fazer, se não crês nas palavras dos homens de alma elevada? Há algum outro caminho, senão aquele percorrido pelos sábios espirituais, seres realizados e numerosos santos?
Discípulo: Nenhum outro há! Que outra coisa posso fazer, senão escutar a quem realizou a meta espiritual por percepção direta? É por essa razão que te perguntei. Só te deixarei, quando me tenhas dado uma confirmação direta.
Mãe: Por acaso importa a Deus, que tu acredites ou não? Até o sábio Sukadeva foi para Ele, em suma, uma grande formiga. Ele é o infinito. Quanto podes tu compreender Dele? Nosso Mestre foi um homem de percepção direta. Suas palavras são palavra dos Vedas. Se não acreditas em Suas palavras, que farás?
Discípulo: As escrituras diferem. Algumas dizem “isto” e outras “aquilo”. Qual delas devemos aceitar? É por isso estou incomodando-lhe com perguntas.
Às vezes as escrituras não são seguras
Mãe: Sim, é certo. O almanaque faz anúncio de chuvas, mas não conseguirás nem uma gota de água espremendo suas folhas. Ademais, as escrituras também estão cheias de coisas inúteis. Não se pode observar ao pé da letra, os preceitos das escrituras. O Mestre costumava dizer: “A devoção (bhakti) que está cercada pelos preceitos das escrituras, dificilmente justifica seu nome...”.
A verdade e a
salvação
Neste koli yuga (época ou idade obscura), alcança-se a Deus aderindo-se, simplesmente, à Verdade. O Mestre dizia: “Aquele que só diz a verdade, está sentado no regaço de Deus”. Quando o Mestre estava doente, em Dakshineswar, eu fazia servir duas libras de leite para Ele, dizendo que era uma. Não queria que soubesse da quantidade justa. Um dia chegou a sabe-lo e disse-me: “Que é isto? Adere-te a verdade. Tu vês, tenho dores intestinais porque estou tomando muito leite”. Com grande surpresa notei que naquele mesmo dia, sofreu de transtornos intestinais. Ele tinha todos os poderes, mas não ocorreu o mesmo conosco.
Discípulo: Ao fazer todas estas perguntas e falar desta maneira, não responde ao meu interesse particular. Eu não me preocupo muito por mim. Meu sentimento sobre Ele é distinto. O que quero saber é isto: eu me dirijo a ti como a minha mãe; és realmente minha mãe?
Mãe: Quem sou, então? Sim, sou tua própria mãe.
Discípulo: Tu podes dizer isso, mas eu não o vejo com clareza. Natural e espontaneamente, reconheço como minha mãe, aquela que me deu o ser. Porém, posso pensar de ti da mesma maneira?
Mãe: Ah, está muito certo tudo isso!
Alguns momentos depois, acrescentou: “Filho meu, só Ele é nosso pai e mãe. Só Ele é pai e mãe”.
Dezembro de 1912
Discípulo: Que necessidade há de fazer tapasia (austeridade)?
Mãe: É muito necessário. Olha quanto jejum faz Yoguin mesmo agora. Ela pratica intensa austeridade. Golap é uma adepta do yapam. Um dia, a mãe de Naren (Swami Vivekananda) veio visitar-me. Naren disse-lhe: “Talvez tu tenhas praticado muitas austeridades, por isso tens Vivekananda como filho. Repita-as, e então, poderá ter outro...”.
O Mestre praticou toda espécie de disciplinas espirituais. Disse: “Eu fiz o molde; vós, agora, podeis forjar a imagem”.
Discípulo: Que significa forjar a imagem?
Budhev: Significa meditar no Mestre e modelar nossa vida conforme esse molde.
A glória da
personalidade do Mestre
Mãe: Sim, ele compreendeu. Forjar a imagem significa meditar no Mestre; pensar nos variados episódios de Sua vida. Meditando Nele, pode-se realizar todos os estados espirituais. Ele disse: “Quem me recorda, nunca sofrerá por falta de alimento e de outras privações físicas”.
Maku: Ele mesmo disse isso?
Mãe: Sim, essas são justamente as palavras que saíram de Sua boca. Recordando-o, a pessoa se libera de todo seu sofrimento. Não vês que todos Seus devotos são felizes? Em nenhuma parte encontrarás devotos como os do Mestre. Aqui em Banaras eu vejo tantos santos, mas, podes indicar-me um que seja como Seus devotos?
Discípulo: Existe uma razão, Mãe. Próximos do Mestre, sentimos com se estivéssemos em pleno mercado. Todos os detalhes do mercado estão ali; as pessoas se movem ao seu redor. Os devotos e discípulos íntimos do Mestre vivem, todavia. Nós sentimos que O Mestre está, por assim dizer, muito perto de nós. Não foi muito longe. Se o chamamos, nos responderá.
Mãe: Sim, muita gente tem Sua resposta.
Discípulo: Krishna, Rama e outros, os recordamos como pertencendo a uma época remota. Não estão suficientemente próximos para responder a nosso chamado.
Mãe: Sim, é certo.
Referindo-se a quinta de Cossipore, o discípulo disse: “É um lugar sagrado. Agora vive ali um cavalheiro europeu”.
Mãe: Na quinta de Cossipore, o Mestre passou os últimos dias de Sua vida. Esse lugar está associado a tanta meditação, samadhi (a mais elevada absorção espiritual) e práticas de austeridades. Ali o Mestre entrou em mahasamadhi. É um lugar saturado de intensa vibração espiritual. Meditando ali, realiza-se a Consciência Divina. Esse lugar pode ser adquirido se o Mestre, em sonhos, dá mandato ao proprietário, para que o doe ao Math de Belur.
A Mãe falou dos discípulos do Mestre. O discípulo falou: “Quem são estes discípulos do Mestre? Nós não podemos reconhece-los”.
Mãe: Acaso eu não sei? Mas o certo é que, os que nasceram com o Mestre em Suas encarnações anteriores, o acompanharam, também desta vez.
Discípulo: Eu não tenho desejos tais que como o de ver uma Deidade com quatro mãos, ou coisas desse gênero. Estou completamente satisfeito com o que temos.
Mãe: Igual coisa passa a mim. Que conseguimos em ter essas visões sobrenaturais? Para nós, o Mestre existe e Ele é tudo.
YAIRAMBATI
Março de 1913
Às quatro horas da tarde, chegaram o doutor Lalit, de Shiambazar, e Prabodh Babu. Saludarom e a Mãe e logo teve lugar a seguinte conversação:
Lalit Babu: Mãe, que regras devemos observar a respeito do alimento?
Acerca do alimento
puro e impuro
Mãe: Não se deve comer o que se oferece aos ritos funerários (cerimônia sraddha). Essa comida é prejudicial à vida devocional. Sri Ramakrishna proibia de come-la. Por outro lado, ofereçam a Deus tudo o que comem; não devem comer o alimento que não tenha sido ofertado. Tal como a comida, assim será o sangue. O alimento puro produz sangue puro, mente pura e força. Na mente pura, nasce o amor extático (prema bhakti).
Lalit Babu: Mãe, nós somos chefes de família. Que devemos fazer durante a cerimônia sraddha cumprida para nossos familiares?
Mãe: Assiste a cerimônia e preste ajuda a teus parentes, para que não se ofendam; mas trata de qualquer modo, de não comer nesse dia. Se não podes fazer isso, coma e que se oferece a Vishnu, ou a outra deidade.
Prabodh Babu: Mais de uma vez, sobram alimentos da cerimônia sraddha, pode alguém cozinha-los e come-los?
Mãe: Sim, pode faze-lo. Não te prejudicará, filho meu. Um homem do lar não pode evitar fazer isso.
Praboth Babu: Mãe, como o Mestre amava a renúncia, nós, quão pouco o praticamos!
O progresso espiritual é gradual
Mãe: Sim, mas pouco a pouco o conseguirão. Progrides um pouco, nesta vida, um pouco mais, na próxima e assim como puderem. É só um corpo que muda. O atman é sempre o mesmo. “Renúncia da ‘sexualidade e do ouro”. O Mestre disse uma vez: “Posso cobrir de ouro Kamarpukur, se assim desejar, somente pedindo a Mathur que o faça. Mas, que bem isso fará? Tudo é transitório”. Referindo-se a alguns devotos, o Mestre assinalava: “Olhe, não tem desejo por coisa alguma. Esta é sua última vida”.
Lalit e Prabuth Babu se prosternaram ante a Mãe e se foram.
Estão qualificados
os sudras e as mulheres para levar vida monacal?
Falando de objeções que alguém havia feito sobre alguns dos discípulos de Sri Ramakrishna por seus sudras (casta inferior) estar ou não qualificados para a sanniasa, de acordo com as regras ortodoxas, a Mãe disse: “Os discípulos de Sri Ramakrishna são gñanis (conhecedores do Supremo) e, por tanto, sanniasines. Um gñani pode ser um sanniasin. Vejam o caso de Gourdasi. Uma mulher não pode ser iniciada na sanniasa, porém, é Gourdasi uma mulher? Ela é mais que um homem! Quantos homens se parecem com ela! Vejam tudo o que ela fez; construiu uma escola, adquiriu cavalos, uma carruagem, etc. o Mestre disse: “Se uma mulher abraça a sanniasa, não é, certamente, uma mulher, senão um verdadeiro homem!”. Ademais, Ele disse a Gourdasi: “Eu estou vertendo água; tu prepararás a argila”.
28 de março de 1913
Era de manhã. A Mãe estava cortando kalmai e outra hortaliça. O discípulo, ao perguntar o que era, respondeu: “É uma espécie de hortaliça. Krishna tinha a mesma cor”.
A Mãe de Radhu tinha colocado um vaso de água e uma planta (folhas que se utilizam para enfeite) na galeria, para servir a comida a um de seus familiares. Um gato tomou água do vaso. A mãe de Radhu trocou a água. O gato voltou a tomar da água e ela a trocou. Quando o gato tomou a água pela terceira vez, a mãe de Radhu o perseguiu, gritando: “Tu, malvado, gato cara queimada, vou te matar!”. Fazia muito calor. A Mãe disse: “Não, não. Não deves impedir que um animal com sede tome água. Ademais, o gato já tocou a água”. Ouvindo isso, a mãe de Radhu gritou, muito irritada: “Não deves mostrar-se compassiva com o gato. Já tens sido muito compassiva com os homens! Por que não guardas tua compaixão para com os homens?”.
A Mãe disse, em tom sério: “Desventurado aquele que não ganha minha compaixão. Não há ninguém, nem sequer um inseto, por quem eu não sinta compaixão”.
À noite, a Mãe preparou “carry”, papas e algumas verduras. Quando serviu a comida para o discípulo, disse: “Come isto e diga-me se gostas”.
Discípulo: Esta comida é para os doentes. Quem a preparou?
Mãe: Eu mesma.
Discípulo: Bem, poderia ser feita melhor. Não tem o sabor da que preparam no lugar de onde vim.
Mãe: Melhor seria que provasses o jogo.
Nalini: Tia, tu nunca pões pimentão no “carry”, como as pessoas podem gostar dele?
Mãe: (a Nalini) Não faças caso. (Dirigindo-se ao discípulo) A medida em que vais comendo, encontrarás bom sabor.
Discípulo: Durante vários dias eu desejava provar os “carries” que tu preparavas; provei alguns, mas todos têm o mesmo sabor.
Mãe: Muito bem, um dia vou cozinhar como fazem em teu povo. Deve dizer-me como prepara-los. Seguramente que lhes põem uma grande quantidade de pimentão picante, não é assim?
Discípulo: Não tanto. Mas o “carry” não tem gosto ruim, só porque é picante.
Mãe: (a Nalini) Amanhã me traga um pouco de gram. Vou preparar uma sopa. Eu sabia cozinhar muito bem, mas agora perdi o jeito. Em Kamarpukur, a mãe de Lakshmi e eu cozinhávamos juntas. Ela cozinhava muito bem.
12 de maio de 1913
Radhu estava indisposta, achando-se de cama, com dores e febre. Sua mãe, que era uma mulher insana, começou a aborrecer a Santa Mãe, dizendo: “Vais matar a minha filha com os remédios!”. Perdeu todo controle sobre sua língua e a um momento, veio Baroda para leva-la a sua casa. A Mãe não podia mais suporta-la e lhe disse algumas palavras cortantes. Logo, dirigindo-se ao discípulo, disse: “Eu tive um marido que nunca usou, em seu tratamento comigo o “tu” (pronome que se usa com os inferiores)... E olha a mãe de Radhu! Como me insulta dia e noite! Não sei que pecado cometi para merecer tudo isto. Talvez tenha adorado a Shiva com folha de bilva com espinhos. O espinho, agora, converteu-se para mim neste espinho que é a mãe de Radhu”.
Não é bom morrer
de uma doença pela qual não foi feita nenhuma penitência
Referindo-se à doença de Radhu, a Santa Mãe disse: “Minha mente não se sente atraída por Radhu nem um pouco. Estou farta de sua enfermidade. Forçando-a, obrigo a minha mente a ocupar-se dela. Peço ao Mestre: Oh, Senhor! Dirige um pouquinho minha mente para Radhu; do contrário, quem se ocupará dela?. Nunca vi uma doença como a sua. Talvez na vida passada, tivesse morrido de uma doença pela qual não fez nenhuma penitência. Se uma pessoa morre de uma doença particular, sem fazer a penitência necessária, na vida seguinte volta a ter a mesma doença (1); mas esta regra não vale para os santos”.
(1)
A idéia é que a doença tenha sua causa em um karma. No caso de ser a
última doença, pode ser que alguém morra antes de haver esgotado totalmente o karma
e, então, tem que sofrer o resto desse karma na
próxima vida, cujo sofrimento toma a forma da velha enfermidade. Por isso é que
se deve fazer penitência, caridade, adoração, etc., como expiação do próprio karma
pecaminoso dessa última doença e, assim, evitar o efeito desse
karma.
Mãe de Kedar: O monge morre repetindo o nome de Deus, por isso, alcança a Deus.
Mãe: Sim, é certo. Noutro dia morreu um jovem em Kwalpara. Voltará a nascer? Não, esta foi sua última vida.
Quando estava doente em Cossipore, o Mestre disse, um dia: “Os sacerdotes do templo de Kali talvez me critiquem porque não faço nenhuma penitência”. Logo, disse a Ramlal: “Toma dez rúpias e vá a Dakshineswar. Ofereça-as a Mãe Kali e logo as distribua entre os bhahmines e outros”. Um sadhu não tem obrigação de fazer nenhum ritual. É por isso que o Mestre mandou a Ramlal para que oferecesse as moedas à Deidade eleita e logo as distribuísse entre os brahmines e outros. Antigamente os ermitãos e os rishis, viviam nos bosques, como podiam fazer penitências tais como o chandraiana? Eles ofereciam frutas ao Ideal Escolhido e logo distribuíam as mesmas, entre os necessitados. Isso era suficiente.
Mãe de Radhu: Minha tia morreu de certa doença. Queres dizer que ela teve que nascer com a mesma doença?
Mãe: Credes que tua tia voltou a nascer? Seguramente que nasceu de novo e herdou a mesma doença. Com freqüência, uma pessoa nasce e morre repetidas vezes em uma mesma família, por causa de seu karma.
8 de junho de 1913
O Mestre com
relação ao Ideal Escolhido
Pela manhã, depois de ter se banhado, Surendranath Bhanwick e o doutor Durga Prasad, foram saudar a Santa Mãe. A Mãe os abençoou, pondo a mão sobre a cabeça e logo lhes pediu que se sentassem. Depois de trocar algumas palavras, Surendra disse: “Mãe, ao fazer o culto ao Mestre, tenho dificuldade. Suponha que um devoto tenha a crença de que seu Ishtam Devata (Deidade Escolhida) e o Mestre são a mesma coisa. O devoto adora a Deusa, através da imagem do Mestre. Depois faz entrega do fruto do Yapam à imagem do Mestre, pronunciando as palavras: ‘Oh, Grande Deusa, por tua graça, etc.’. Isto produz uma confusão em minha mente”. A Mãe aclarou: “Não te preocupes, filho meu, Nosso Mestre é Mahesvara (Supremo Deus) e Mahesvari (Suprema Deusa) também. Ele é a personificação de todas as deidades e de todas as sílabas místicas. Alguém pode adorar, através Dele, a todos os Deuses e Deusas. Tu podes dirigir-se a Ele chamando-lhe Mahesvara e também Mahesvari”.
Surendra: Mãe, eu não posso concentrar a mente na meditação, nem o mais breve tempo.
Olhar a fotografia
do Mestre, se não puder concentrar
Mãe: Não importa tanto. Será suficiente olhar a fotografia do Mestre. Quando o Mestre estava doente em Cossipore, Seus jovens discípulos se revezaram para atende-lo. Gopal estava ali, também. Um dia, em lugar de servir o Mestre, foi meditar, permanecendo assim por longo tempo. Ao inteirar-se disso, Guirish Babu observou: “Aquele em quem Ele medita com os olhos fechados, está sofrendo na cama; e coisa bastante curiosa, Gopal foi meditar Nele”. Alguém foi buscar Gopal. O Mestre pediu-lhe que fizesse massagens nas pernas, dizendo-lhe: “Crês que estou pedindo que me faças massagem nas pernas porque doem? Oh, não! Em tuas vidas passadas fizeste muitos atos virtuosos, por isso aceito seus serviços”. Contempla a fotografia de Sri Ramakrishna; isso será suficiente.
Surendra: Mãe, eu não consigo passar o rosário, regularmente, três vezes ao dia.
Mãe: Não te aflijas. Pensa no Mestre. Quando puderes, pratica o yapam; ao menos saúde mentalmente o Mestre, não é assim?
Durga Babu: Mãe, não entendo bem que regras se devem seguir a respeito de sua própria comida.
Até onde se deve observar regras de pureza sobre a comida?
Mãe: E quanto à comida, o Mestre era muito singular em uma coisa. Proibia a todos os devotos comer das oferendas feitas nas cerimônias de sraddha. Costumava dizer que esse alimento prejudicaria a devoção. Fora isto, podes comer o que queiras; mas lembre do Mestre, quando o fazes.
Durga Babu? Mãe, enquanto cumpro com minhas tarefas no hospital, muitas vezes tenho sede e obrigo-me a tomar água sem me dar conta do lugar ou das pessoas que me rodeiam. Qual tua opinião sobre isto?
Mãe: Que outra coisa pode fazer? Enquanto toma água, recorda o Mestre. Como é possível aos que tem distintos e variados deveres a cumprir, observar as prescrições religiosas a respeito da comida? (1).
(1)
Esta parte da conversa poderá ser entendida se levar em conta que as regras
estabelecidas nas escrituras védicas, dão muita importância à pureza da comida
para os aspirantes espirituais. Sendo que as energias vitais do corpo são
renovadas pelo alimento consumido e sendo que as energias vitais condicionam o
funcionamento da mente, o alimento que se ingere, tem seu efeito nesta. O
alimento contaminado se torna impuro, não só por razoes de higiene, mas também
por suas qualidades e contatos. Certos elementos alimentícios estão proibidos
por ter sido obtido prejudicando outras criaturas, ou por experiências que se
sabem, conduzem à excitação mental. O motivo e caráter do doador, assim como da
pessoa que o prepara, se diz que é o que faz impuro um
alimento. Antigamente, estas normas éticas e espirituais, estavam petrificadas
nas rígidas regras da casta, como proibições. A Santa Mãe parecia não prestar
demasiada atenção às regras da casta, porem aceitava a validez dos princípios
originais espirituais que há por detrás delas.
Suredra: Nós que somos do lar, vivemos com a família, entre muitos parentes. Algumas vezes, acontece que enquanto a comida está cozinhando, alguém a prova; logo trazem-na a mim. Mas eu titubeio em oferecer essa comida a Deus.
Mãe: Isso é inevitável, no caso dos homens do lar. Nós também temos que passar por situações similares. Por exemplo, pode haver uma pessoa doente na família e parte da comida deve ser guardada para ela. Mas, quando lhe trazem a comida no prato, recorda o Mestre, pensa que Ele é quem proporcionou o alimento e come-o. Desta forma, não haverá nenhum efeito prejudicial ao desenvolvimento de tua devoção.
Surendra: Mãe, como pode descrever à senhora, minha condição mental? A senhora é uma guia interior: a senhora sabe tudo. Passou por tantos sofrimentos durante os últimos anos, que a não ser pelas suas bênçãos, já estaria morta nesta data.
Mãe: Sim, filho meu, não precisa falar-me dos sofrimentos nesta vida do mundo. Não tem limite. No teu caso, são inevitáveis. Fixa em mim, filho, que espécie de vida tenho que levar pela vontade do Mestre! Quanto tenho que sofrer por causa desta moça! (Referia-se a Radhu).
Surendra; Sim, Mãe; tua própria condição nos dá consolo e esperança. A senhora conhece os sofrimentos deste mundo; por isso, podemos esperar sua compaixão.
Mãe: Não temas, filho. O Mestre está aqui. Só Ele os protegerá aqui e mais além!
Surendra: Mãe, nós vivemos tão longe. São reais os sonhos?
Mãe: Sim, são reais. Os sonhos referentes ao Mestre são reais. Mas, Ele proibiu que Seus devotos o narrem até a Ele mesmo, os sonhos referentes a Sua pessoa.
Surendra: Mãe, nós não sabemos como era o Mestre. Não o vimos. Assim que, para nós, a senhora é o Mestre e tudo o mais.
Mãe: Não temas nada, filho; o Mestre te cuidará. Ele te custodiará em todo lugar e te protegerá sempre.
Depois do almoço, os devotos despediram-se. O “tio Baroda” foi-se com eles. A Mãe os acompanhou um trecho e ficou olhando-os, até que desaparecessem de vista.
Surendra era diretor de uma escola, em Ballaratangani. Alguns açougueiros do lugar tinham, por costume, esfolar as vacas ainda vivas. Um dia, o esfolamento teve lugar frente à mesma escola. Surendra, os outros mestres e os estudantes – hindus e muçulmanos – protestaram energicamente. Os açougueiros foram golpeados. Isto causou certo mal-estar e Surendra foi ameaçado pelos açougueiros. Nessa época, vários estudantes da escola foram a Yairambati, para receber a iniciação. Surendra mandou com eles uma carta para a Santa Mãe. Os meninos narraram-lhe o incidente. Isso produziu uma grande sacudida na Santa Mãe, que disse: “Se não protestam vocês por ato semelhante, quem o fará?”. De acordo com suas instruções, enviaram uma carta a Surendra, dando-lhe ânimo e segurança, e pedindo-lhe que tomasse as medidas necessárias para evitar que se repetissem atos tão cruéis. Pouco depois, a Mãe fez escrever a Surendra, dizendo: “Se Deus realmente existe, entoa, Ele desfará o dano”. Passado certo tempo, promulgou-se uma lei e seu resultado foi que acabou a tão odiosa matança.
14 de julho de 1913
O discípulo e Makunda estavam almoçando na galeria da casa da Santa Mãe. Chegou Nalini, vestida de branco. Acabara de tomar banho, porque um corvo a havia sujado com seu excremento.
A obsessão pela pureza é sinal de impureza mental
Mãe: Eu já sou velha, agora, mas nunca havia ouvido dizer que um corvo podia sujar-te dessa forma. Tua mente é impura. Pode perder sua pureza da mente, sem grandes pecados? A irmã de Krishna Bose tinha obsessões semelhantes. Quando se banhava no Ganges, perguntava às pessoas se a água cobria completamente a cabeça. Isso é uma obsessão. Seu resultado é que a mente nunca se sente pura. Uma mente impura não se torna pura tão facilmente. Quanto mais dás importância à obsessão, mais obsedado se está. É assim em todas as coisas.
Discípulo: Vi Mahapurushyi (Swami Shivananda) tocar os cachorros e logo ir ao templo para adorar o Mestre. Às vezes alguém vertia um pouco de água em suas mãos e ele salpicava o rosto com algumas gotas. Naquele tempo, a água do Ganges ra usada para tudo.
Mãe: Eles são distintos. Quão pura é sua mente! É a mente de um sadhu. Eles são deuses, realmente, que vivem nas margens do Ganges. Quem, senão os deuses, podem viver às margens do Ganges? Os pecados que se cometem diariamente, são expiados tomando abluções no Ganges.
Nalini: Uma vez, Golap-Ma limpou o quarto de banho de Udbodhan e logo preparou algumas frutas para serem oferecidas no templo. O a única coisa que fez foi trocar de roupa. Eu disse-lhe: “Que é isto, Golap-Didi? Vá banhar-se no Ganges”. Golap-Ma contestou-me: “Por que não vais tu, se assim o deseja?”.
Mãe: Quão pura é a mente de Golap! É uma alma muito elevada! Por isso, não faz tanta discriminação entre as coisas puras e impuras. Não se preocupa nada com as regras relativas a pureza exterior. Esta é sua última vida. Para ter uma mente pura como a dela, tu necessitas se um corpo diferente. Há uma corrente de ar puro em ambas as margens do Ganges, que abarca uns doze quilômetros em todo seu percurso. Esse ar é o corpo de Naraiana. A mente se purifica como resultado de muitas austeridades. “Deus, que é a pureza mesma, se não pode ser alcançada sem fazer austeridades”. Que acontece quando se realiza a Deus? Acaso crescem um par de chifres? Não, sua mente purifica-se e por meio da mente pura, alcança o conhecimento real e o despertar espiritual.
Discípulo: Há devotos que não praticam austeridades, mas que se entregam a Deus, alcançam eles esse estado?
Entrega a Deus e disciplina espiritual
Mãe: O fato de entregarem a Deus e viverem depositando sua confiança Nele, é para eles uma disciplina espiritual. Ah! Narendra (Swami Vivekananda) disse: “Deixe que tenha milhões de nascimentos, que posso temer?”. É certo. Um homem de conhecimento pode ter temor de voltar a nascer? Ele não comete nenhum pecado. Só o ignorante é quem está sempre embargado pelo medo. Só ele fica enredado no mundo e mancha-se com o pecado. Por milhões de vidas, sofre incontáveis misérias e infinitos pesares, até que, no fim, busca a Deus.
Discípulo: Sim, pela experiência aprende-se
as lições e logo se alcança o conhecimento puro.
Mãe: Sim, o terneirinho produz o som “humba, humba” (eu sou, eu sou). Produz o mesmo som quando sua pele e entranhas são usadas como tambores. Mas, no final, quando cai nas mãos do tocador. Produz o som “tuku, tuku” (és Tu, és Tu).
18 de setembro de 1913
Deus, o único descanso da vida
Em
uma carta dirigida a um devoto, a Santa Mãe dizia: “Não há felicidade alguma na
vida humana. Verdadeiramente, o mundo está cheio de miséria. Aqui, a felicidade
é somente uma palavra. Unicamente aquele sobre quem desceu a graça do Mestre, O
reconhece como Deus mesmo. E lembre, essa é a única felicidade”.
O dever do sanniasin
Um discípulo sanniasin visitou a Mãe em Yairambati e logo se foi a Rishikesh. Depois de alguns dias, escreveu à Santa Mãe, dizendo: “Mãe, uma vez a senhora me disse que com o tempo, eu teria a visão do Mestre; mas isso, todavia não aconteceu”. Depois de haver escutado o conteúdo da carta, a Mãe disse ao discípulo: “Responde-lhe: ‘Sri Ramakrishna não tem ido a Rishikesh por amor a ti, ou simplesmente porque tu está ali”, sendo um sanniasin, que outra coisa tens que fazer senão implorar a Deus? Por Sua própria vontade, Ele se revelará ao devoto”.
Orar ao Senhor
Uma devota escreveu à Santa Mãe: “Mãe, eu sou muito jovem. Meus sogros não me permitem ir vê-la. Como posso ir contra a vontade deles? Desejo que a senhora me dê sua bênção”. A Mãe pediu ao discípulo que lhe respondesse: “Filha minha, não necessitas vir aqui. Ora ao Senhor, que está presente no universo todo. Ele derramará abundantes bênçãos sobre ti”.
30 de setembro de 1918
Um devoto zangado
com Deus
Era de manhã. A Mãe estava preparando as frutas para o culto. O discípulo lhe entregou uma carta de um devoto que, ao escrever, parecia estar muito zangado com Deus. A Mãe ditou a resposta assim: “O Mestre costumava dizer: ‘Sábios como Suka e Vyasa, em suma, eram grandes formigas! Deus tem esta infinita criação. Se tu não oras a Deus, que pode importar a Ele? Há tanta gente que nem sequer pensa em Deus. Se tu não imploras a Ele, és tu o infortunado. Assim é a Divina maia, que faz os homens esquecerem de Deus. Deus disse: ‘Eles estão muito bem; que sigam assim’”.
Discípulo: Mãe, não é que a gente não quer ver a Deus. Se assim fosse, como surgirá em nossa mente tal pergunta? O fato é que eles se sentem grandemente feridos porque Deus, a quem querem sentir como o mais íntimo, se afasta deles. Buda, Chaitanya, Jesus e outros, fizeram tanto para assegurar o bem-estar de seus devotos.
Mãe: Essa foi também a atitude de nosso Mestre. A mim, não me é sempre possível lembrar a todos os devotos. Digo ao Mestre: “Oh Senhor! Abençoe a todos, onde quer que se encontrem. Eu não posso lembrar de cada um”. E já vês, Ele está fazendo todas as coisas. Se não fosse assim, por que viria aqui tanta gente?
Discípulo: É certo; é fácil para o homem crer que Kali, Durga e outras deidades, são aspectos de Deus, mas acaso ocorre o mesmo quando trata-se de aceitar o homem como Deus?
Mãe: Isso depende de Sua graça.
A graça de Deus
comparada aos raios de sol
No dia seguinte, chegou um devoto. O discípulo disse à Mãe: “Mãe, este é o devoto que escreveu esta carta”. A Mãe disse: “Sim? Vejo que és um bom rapaz”. Logo disse ao devoto: “Olha, a água, por sua própria natureza, flui para baixo, mas os raios de sol a elevam para o céu; da mesma maneira, a natureza da mente é ir para as coisas baixas, para os objetos de prazer; mas a graça de Deus pode fazer com que a mente se dirija para objetivos mais elevados”.
Por que o homem
não tem a visão de Deus
Às dez e meia da manhã, chegou um devoto chefe de família e saudou a Mãe. Disse: “Mãe, por que não vejo o Mestre?”. A Mãe respondeu: “Segue rezando, sem perder o ânimo. Tudo ocorrerá com o tempo. Por quantos séculos os munis e rishis (santos e sábios) da antiguidade praticaram austeridades para realizar a Deus e tu crês que vai realiza-lo com a rapidez de um relâmpago? Se não o consegues nesta vida, o conseguirás na próxima. E não é na próxima, será na que seguirá a ela. É tão fácil realizar a Deus? Mas desta vez o Mestre mostrou um caminho fácil; por isso, será possível para todos realizar a Deus”.
Quando o devoto se foi, a Mãe disse: “Ele está mergulhado na mundanidade. É pai de um montão de filhos e no entanto, disse: ‘Por que não vejo o Mestre?’. Muitas mulheres costumavam ir ver o Mestre e lhe diziam: ‘Por que não podemos concentrar nossa mente? Por que não podemos fixa-la em Deus?’, e coisas deste gênero. O Mestre respondia: ‘Contudo tens as senhoras o odor da cama. Primeiro tirem esse odor. Por que se preocupam agora com isso de realizar Deus? Tudo acontecerá com o correr do tempo. Nesta vida nos encontramos; na próxima vida, voltaremos a nos encontrar e, então, alcançaram a meta’. É fácil ver uma pessoa enquanto vive. Eu estou agora vivendo aqui, assim podem ver-me em só vir. Quão poucos têm, agora, a bem-aventurança de ver o Mestre com os olhos físicos? Viyaia Goswami viu o Mestre, em Dacca. Sentiu Seu corpo. Por causa disso, o Mestre observou: ‘Que meu espírito saia não é bom; talvez este corpo não dure por muitos dias mais’. Podes dizer-me quem já viu Deus? O Mestre fez com que Naran (Swami Vivekananda) alcançasse a realização de Deus. Suka, Vyasa e Shiva eram, em suma, grandes formigas; eles tiveram um vislumbre de Deus. Alguém pode ter uma visão em sonho, mas ver a Deus em forma física, é uma boa ventura que ocorre muita raramente.
O yapam de um
devoto de mente pura
“(Com ênfase) Por que não se pode meditar, se tem a mente pura? Por que não há de ver a Deus? Quando uma alma individual pura faz yapam, sente como se o Santo Nome surgisse espontaneamente no íntimo de si mesmo. Não faz nenhum esforço para repetir o nome. Deve-se praticar yapam e meditação com regularidade, a horas fixas, sacudindo toda preguiça. Um dia, enquanto estava em Dakshineswar, sentia-me indisposta e deixei a cama mais tarde que de costume. Naquele tempo, eu costumava levantar-me as três da madrugada. No dia seguinte, despertei ainda mais tarde. Gradualmente notei que já não me sentia inclinada a levantar-me cedo. Então disse-me: ‘Ah! por fim sou uma vítima da preguiça’. Comecei novamente a esforça-me para deixar a cama cedo. Pouco a pouco, recuperei meu velho hábito. Nessas coisas, deve-se manter a prática com invariável determinação.
A juventude é a
época apropriada para as práticas espirituais
“As austeridades, a adoração, as peregrinações, o ganhar dinheiro, são coisas que devem ser feitas quando se é jovem. Olha, eu fui a pé visitar muitos lugares como Banaras e Brindavan: mas agora, para dar uns poucos passos, tenho que recorrer a um palanquim. Tenho que buscar apoio dos demais. E na velhice, o corpo perde seu vigor. Não tem mais força. Também a mente perde sua fortaleza. Então, é possível fazer algo? Os jovens sanniasines de nosso monastério, começam em precoce idade a dirigir a mente a Deus. A juventude é a época apropriada. (Dirigindo-se ao discípulo). Filho meu, agora está na época em que deves praticar austeridades e adoração a Deus. Depois será para ti possível praticar todas estas coisas? Tudo o que quiser alcançar, trata de alcançar agora; esta é a época propícia”.
Discípulo: Afortunados são aqueles que agora recebem tuas bênçãos. Os que vêem depois, não terão esta rara oportunidade.
Mãe: Que queres dizer? Queres dizer que eles não terão êxito? Deus existe sempre, em todas as partes. O Mestre está sempre aí. Com Sua graça, terão êxito. Acaso as pessoas de outros países não estão fazendo progressos espirituais?
Discípulo: A mente sente desejo quando a pessoa sabe que é amada, nos ama tu, realmente?
Mãe: Não vos amo? Eu amo até aqueles que só fazem uma pequena coisa por mim! E vós fazeis tanto! Ao tocar qualquer coisa aqui, recordo-lhes. Penso com freqüência em todos os que estão comigo; e quanto aos que vivem longe, digo ao Mestre: “Oh, Senhor! Protege-os. Nem sempre posso recorda-los”.
Outubro de 1918
O yapam faz firme
a mente e a dirige para Deus
A Mãe estava sentada sobre a cama. O discípulo lia cartas dos devotos. Krisnalal Maharaya também estava presente. As cartas continha, frases como esta: “A mente não pode ser concentrada”, etc. A Mãe escutou e logo, com voz mais animada, disse: “A mente alcança firmeza se repetirem o ‘nome de Deus’ quinze ou vinte mil vezes ao dia. Isto é verdadeiramente assim. Oh, Krishnalal, eu mesma experimentei! Que pratiquem primeiro; se fracassarem, que se queixem. O yapam deve se praticar com algo de devoção, mas não fazem assim. Eles não querem fazer nada; só saber queixar-se, dizendo: ‘Por que não tenho êxito?’”.
Um devoto entrou na casa e perguntou a Mãe sobre a meditação e yapam. A Mãe disse: “A repetição do Santo Nome uma quantidade de vezes já fixada, com a ajuda do rosário e levando a conta com os dedos, supõe-se que dirige a mente para Deus. A tendência natural da mente é correr de um lado a outro. Por tais meios se atrai a Deus. Se enquanto repetir-se o ‘nome e Deus’, se vir Sua forma ou se ficar absorto Nele, cessa o yapam. Pode-se conseguir tudo, quando se tem êxito na meditação”.
‘A mente é, por natureza, inquieta; por isso, no princípio, quando se pratica meditação, deve-se tratar de regularizar a respiração. Isso ajuda a acalmar a mente. Mas não se deve abusar, pois o resultado pode ser o contrário e se produz cansaço ao cérebro. Podes falar da visão de Deus ou a meditação, mas lembre, a mente é tudo. Alcança-se tudo quando se alcança a concentração da mente”
“É muito natural que o homem esqueça Deus. Por isso, toda vez que surge a necessidade, Deus se encarna na terra e Ele mesmo faz sádhanas para mostrar, com o exemplo, o caminho. Esta vez, Ele dá, também, o exemplo da renúncia”.
TERCEIRA PARTE
Capítulo III
(Páginas tomadas de diários de vários discípulos, monges e chefes de família)
As práticas espirituais em geral
Pranaiama,
peregrinações e kundalini
As que seguem, são notas tomadas por um discípulo monástico.
Discípulo: Mãe, é bom praticar asanas (posturas yóguicas) e pranaiama (exercícios respiratórios)?
Mãe: Essas práticas conduzem à obtenção de poderes sobrenaturais, os quais desviam o homem do caminho espiritual.
Discípulo: É bom ir de um lugar a outro, em peregrinação?
Mãe: Se a mente sente-se tranqüila em um só lugar, não há necessidade de ir em peregrinação.
Discípulo: A mim me resulta impossível meditar. Por favor, desperta minha kundalini.
Mãe: Se despertará com o tempo. Pratica yapam e meditação. Não se desperta por si só. Pela contínua meditação, a mente alcança tal firmeza, que não te sentirás inclinado a deixar a prática. Quando a mente não está em modo meditativo, não há forças. Em tal condição, saúda e levanta-te, deixando o lugar de meditação. A real meditação é de natureza espontânea.
Distração mental e
yapam
Discípulo: Mãe, por que a mente não quer concentrar-se? Quando trato de pensar em Deus, a mente é atraída por outros objetos.
Mãe: É mal e a mente é atraída por objetos mundanos. Por “objetos mundanos” entende-se: dinheiro, família, etc. Mas é coisa natural se pensas no trabalho em que se ocupa. Se não te é possível meditar, pratica yapam. A realização chegará por meio do yapam. Se o estado meditativo chega, está bem, mas, de nenhuma maneira, trates de alcançar pela força.
Lugar para fazer
as práticas espirituais
Discípulo: É melhor fazer as práticas espirituais em um lugar solitário, que no monastério, em Banaras?
Mãe: Se praticas disciplinas espirituais por certo tempo em lugar solitário como Rishikesh, verás que tua mente se fortalecerá e logo poderás viver em qualquer lugar, ou associado a qualquer pessoa, sem que isso te afete o mínimo. Quando a planta é tenra, deve-se por uma cerca. Mas quando cresce, as cabras e as vacas já não lhe causarão dano. A prática espiritual em lugar solitário é algo essencial. Ora a Deus com lágrimas nos olhos, quando buscar inspiração, ou tenhas que enfrentar alguma dificuldade ou dúvida. O Senhor te tirará toda impureza, acalmará tua angústia mental e te iluminará espiritualmente.
Trabalho e
práticas espirituais
Discípulo: Eu sou demasiado fraco para cumprir as práticas espirituais. Tomo refúgio a teus pés. Faz o que seja necessário para me levantar.
Juntando as mãos, a Mãe começou a rogar ao Mestre: “Que o Mestre preserve teu espírito de renúncia!”. Logo acrescentou: “Ele te protege. Nada deves temer. Faz o trabalho do Mestre e também pratica disciplinas espirituais. O trabalho ajuda a manter afastados da mente, os pensamentos e idéias inúteis. Estes surgem na mente, se não tens nada para fazer”.
Práticas de
asasnas e pranaiama
Discípulo: Tenho praticado asana (posturas) por alguns dias, para manter minha saúde em bom estado. As posturas ajudam a digestão e também a prática da continência.
Mãe: Tem um pouco de cuidado. Se continuar com esses exercícios por um longo tempo, é possível que a mente se incline para o corpo. Por outro lado, se deixas esses exercícios, pode afetar tua saúde. Por isso é que tens que atuar com cautela.
Discípulo: Mas, pratico só por cinco ou dez minutos, para fazer uma boa digestão.
Mãe: Está bem. Preveni-te porque se fazes algum exercício e logo o deixa, isso pode, no fim, afetar tua saúde. Bendigo-te, filho meu, para que possas alcançar a consciência de Deus.
Discípulo: Também estou praticando um pouco de pranaiama. Devo continuar com ela?
Mãe: Sim, podes praticar um pouco. Mas não vá ao excesso e esquentes teu cérebro e sistema nervoso. Se a mente se acalma por si só, então, que necessidade há de pranaiama?
Discípulo: Nada alcançamos, Mãe, sem o despertar da kundalini.
Mãe: É certo, filho. Gradualmente a kundalini se despertará. Tu realizarás tudo repetindo o “nome de Deus”. Até quando a mente não está quieta, podes sentar-te num lugar e repetir o Santo Nome um milhão de vezes. Antes do despertar da kundalini, ouça o som anahata; mas nada pode ser alcançado sem a graça da Divina Mãe. As duas ou três da manhã, estava pensando que talvez não fosse ter a visão de Shiva (1). Tu sabes que a imagem de Shiva, do templo de Banaras, é muito pequena. Está debaixo d’água e coberta com flores e folhas de bilva. Dificilmente pode-se ver a imagem. Tão logo como esta idéias surgiu em minha mente, vi claramente a imagem de Shiva, feita de pedra de cor muito escura. Em seguida, tive a revelação de que era Visvanath mesmo a quem adoramos no templo. Uma devota estava pondo sua mão sobre a imagem. Num instante, eu também pus a mão sobre a imagem.
(1)
A conversa teve lugar em Banaras.
Discípulo: Mãe, a imagem de pedra não nos satisfaz por muito tempo.
Mãe: Por que dizes isto, filho meu? Quantos pecadores desesperados vêm a Banaras e alcançam a libertação, tocando a imagem de Shiva. E Ele, o grande Deus, carrega sobre seus ombros, sem queixa nenhuma, os erros de todos.
Discípulo: Que espécie de lugar é adequado para as práticas espirituais e que é que devemos fazer com eles?
Mãe: Para ti, o lugar é Banaras. Prática espiritual significa manter a mente fixa aos pés de Deus e mergulha-la em Sua contemplação. Repete Seu Nome.
Discípulo: Qual é o fim a vida?
Objeto da vida
Mãe: Realizar a Deus e permanecer mergulhados em Sua contemplação. Sois vós sanniasines (monges) e pertencem a Deus. Ele cuida de teu bem-estar espiritual, aqui e mais além. Por que, então, te deves afligir? É possível estar na contemplação de Deus sempre? Por certo tempo, trabalha; em outros momentos, pensa em Deus.
Discípulo: Mãe. Dá-me tua bênção para que eu possa ter profunda meditação e permanecer absorto no pensamento de Deus.
A Mãe pôs sua mão sobre minha cabeça e me abençoou, dizendo: “Discerne sempre entre o real e o irreal”.
Discípulo: É fácil praticar teoricamente esse discernimento, mas o esquecemos quando chega o momento de aplica-lo. E então quando nos falha. Concede-me força para que, nos momentos críticos, mantenha-me no caminho reto.
Mãe: Filho meu, que Sri Ramakrishna te proteja sempre! Que possas alcançar o conhecimento e a sabedoria!
Discípulo: Mãe, tantos dias se passaram e eu, contudo, não realizei nada.
Mãe: Deus mostrará Sua graça, tirando tua mente do reboliço e tumulto do mundo, mantendo-a fixa a Seus pés. É isso pouca coisa? Swami Yogananda costumava dizer: “Pode ser que não possamos sempre praticar a meditação e a oração, de acordo com o desejo de nosso coração; mas estamos livres das aflições do mundo”. Fixe-te em mim; estou sofrendo muito por causa de Radhu”.
Discípulo: É meu desejo passar algum tempo fazendo práticas espirituais, na solidão de um local ermo.
Mãe: Muito bem. Esta é a época propícia. Estás na idade própria para praticar essas disciplinas. Dedica-te às práticas, mas sempre seja cuidadoso com tua comida. Swami Yogananda praticou tremendas austeridades e como resultado, sofreu muito e deixou seu corpo muito jovem.
O guru e Deus
Um dia, durante a conversação, uma mulher perguntou a Santa Mãe como ela devia considera-la. A Mãe respondeu: “Podes pensar em mim como Radha, ou qualquer outra forma que seja agradável à tua mente. Será suficiente, também, se me consideras com tua própria mãe”.
Visões e
desenvolvimento espiritual
A discípula disse a Santa Mãe: “Muitas devotas têm visões, mas eu não tenho nenhuma”. A Mãe disse: “Isso tem pouca importância”. Esta resposta encheu de esperança a mente da discípula. Perguntou a Mãe se ela também teria um desenvolvimento espiritual. Contestou a Mãe, com ênfase: “Seguramente, o terás com o passar do tempo”.
Culto e deveres
Em contestação a uma pergunta da discípula, referente ao culto do Mestre, disse-lhe: “Tu tens deveres do lar para atender e não poderás ocupar-te do culto. Ora ao Mestre/ Ele fará tudo por ti. Ele é teu, o mesmo que a lua é a “tia” de todas as crianças”.
Um discípulo perguntou, uma vez, à Mãe: “Mãe, que modo de vida devo levar?”.
Mãe: Leva a via como está fazendo até agora. Ora ardentemente a Deus e pensa constantemente Nele.
Caídas no caminho
espiritual, egotismo e vontade Divina
Devoto: Mãe, entrou em mim o temor, ao ver que até pessoas altamente espirituais caem.
Mãe: Se estiveres em contínuo contato com os objetos que produzem prazer, há probabilidades de que sucumbas à sua influência.
Devoto: Nada pode realizar o homem, com seu esforço individual. É Deus quem está fazendo todas as coisas através dele.
Mãe: É certo. Mas está sempre consciente disso? Cegadas pelo egoísmo, as pessoas crêem que são agentes independentes no que a ação refere-se. Elas não dependem de Deus. Deus protege àquele que confia Nele.
Um discípulo monástico perguntou à Santa Mãe: “Mãe, alguém que foi abençoado, sendo tu seu guru, acaso necessita de alguma disciplina espiritual?”.
Necessidade das
disciplinas espirituais
Mãe: Isso é assim, mas o motivo real é isto; em um lugar, pode haver distintas espécies de comestíveis, contudo, alguém deve cozinha-los. Aquele que cozinha logo, come cedo. Alguns comem pela manhã, outros à tarde; a até há outros que jejuam, por ser demasiado preguiçoso para cozinhar.
Discípulo: Mãe, não compreendo o que queres dizer.
Mãe: Quanto mais intensamente uma pessoa pratica as disciplinas espirituais, tanto mais cedo alcança a Deus. Mas, até sem praticar nenhuma disciplina, ao final, chegará a Ele, seguramente que chegará. Só que aquele que passa seu tempo inutilmente, sem praticar oração e meditação, tardará muito para chegar. Tu renunciaste ao mundo para praticar disciplinas espirituais. Como não pode dedicar-se a elas todo o tempo, é necessário que faças algum trabalho, considerando-o como se o estivesse encarregado o Mestre. Para ti, uma vida muito austera não é aconselhável. Tu sofres de cólicas. Deves cuidar de tua alimentação. Não é uma enfermidade fatal, mas é dolorosa.
Conhecimento de Brahman
Certo dia, um discípulo perguntou à Mãe: “Mãe, como se alcança o conhecimento de Brahman? Deve praticar-se passo a passo, ou vem espontaneamente?”. A Mãe respondeu: “O caminho que conduz a Brahman é muito difícil. Ora ao Mestre e Ele te dará conhecimento de Brahman a seu devido tempo”.
Controle da mente
Em Koalpara, um discípulo disse à Santa Mãe: “Mãe, a mente é muito inquieta. De nenhum modo a posso fixar”. Em resposta, a Mãe disse: “Como o vento dissipa as nuvens, assim o Nome de Deus destrói as nuvens da mundanidade”. Nesse mesmo dia, a outro discípulo, que se queixou da debilidade da mente, a Santa Mãe disse: “Pode alguém destruir o desejo, por completo? Um pouco fica, enquanto tens o corpo; mas, pode ser dominado do mesmo modo que alguém que encontra o encantamento de uma serpente, por meio do pó encantado”.
Fé e erudição
Referindo-se a fé em Deus, a Santa Mãe uma vez falou: “Pode alguém alcançar a fé com mero estudo dos livros? Demasiada leitura cria confusão. O Mestre dizia que a única coisa que se deveria aprender nas escrituras é: somente Deus é real e o mundo é ilusório. Se eu te escrevesse uma carta, pedindo-te que me trouxesse certas coisas, por quanto tempo necessitarias da carta? Até algum tempo, não conheces seu conteúdo. Mas uma vez que saibas o que disse, necessitas da carta por mais tempo? Então, procurarás essas coisas e me as fará chegar. Caso contrário, de que serviria ler e reler a carta, dia e noite?”.
Caminho para a
libertação
Um dia, no curso da conversa, um discípulo disse à Mãe: “Não é possível cumprir coisa alguma na vida mundana”. Em resposta, a Mãe disse: “Filho, o mundo é como um pântano profundo. Uma vez que o homem fica atrapalhado com ela, lhe é muito difícil sair. Até Brahma e Vishnu perderam o juízo no mundo. Que não dizer dos homens! Repete o ‘nome de Deus’. Se assim o fazes, Ele, algum dia, cortará tuas ligações. Filho meu, pode alguém alcançar a libertação, a menos que Deus mesmo lhe tire os grilhões? Tem profunda fé em Deus. Considera o Mestre teu refúgio, como as crianças fazem com seus pais”.
Submissão à
vontade de Deus e progresso espiritual
Um dia, em Yairambati, um discípulo perguntou à Mãe: “Mãe, quando se estão debaixo de um kalpataru (árvore fabulosa que satisfaz todos os desejos), todos dizem que devemos pedir algo. Que desejo especial devem expressar os filhos ante a Mãe? A Mãe sabe o que é bom para seus filhos e sempre lhes dá aquilo que é bom para eles. Como dizia Sri Ramakrishna: ‘A mãe cozinha para seus filhos diferentes pratos, de acordo com o poder de digerir que tem cada um’. Mãe, faça-me o favor de dizer-me o que é mais benéfico para mim”.
Mãe: Quão pouca inteligência possui um homem! Pode precisar de uma coisa, mas pede outra. Começa a modelar uma imagem de Shiva e termina fazendo a de um macaco. Por isso, o melhor é resignar todos os desejos aos pés de Deus. Ele fará o que é melhor para nós. Mas, deve-se orar para alcançar devoção e desapego. Estes não podem ser considerados como desejos.
Ausência de um
fervoroso desejo na vida espiritual
Certo dia a Santa Mãe havia recebido muitas cartas dos devotos. Durante a tarde, o discípulo lia-lhe essas cartas. Depois de escutar seu conteúdo, a Mãe disse: “Notastes quantos diferentes desejos tem sido expressados por esses filhos? Alguns escrevem: ‘Temos praticado tanto yapam, meditação e oração, mas não estamos conseguindo nada’. Por outro lado, outros escrevem sobre seus pesares e sofrimentos; sua pobreza e mal-estar no mundo. Eu não posso escutar tudo isso. Sempre oro ao Mestre, dizendo: ‘Oh Senhor! Queiras Tu protege-los aqui e mais além’. Eu, que sou tua mãe, que outra coisa posso rogar para eles? Mas, quantos são os que verdadeiramente querem realizar a Deus? Onde encontramos esse desejo ardente? Eles, sem dúvida, declaram ter grande devoção e desejo, mas sentem-se satisfeitos se conseguem mesmo que seja uma migalha de gozo. Dizem: ‘Ah, que bondoso é Deus!’. Alguns devotos escrevem-me perguntando sobre Radhu. Antes que qualquer coisa, fazem menção a Radhu, para cumprir comigo. Ninguém a protegerá, depois que eu tenha fechado meus olhos para sempre”.
Libertação e
devoção
Um dia, o discípulo inquiriu a Mãe sobre mukti (libertação) e bhakti (o amor a Deus). A Mãe disse: “Quanto à libertação, ela pode ser dada a qualquer momento, mas Deus não quer dar bhakti tão facilmente”. Pronunciou estas palavras de um modo tal, que parecia que o dom da libertação estivesse na palma de sua mão. Mas, imediatamente, mudou o tópico da conversa.
Desejo por
realizar Deus
Uma manhã cedo, em Yairambati, um terneiro estava mugindo perto da casa da Santa Mãe. O haviam separado da Mãe, que iam ordenhar. Ao ouvir os mugidos, a Mãe foi rapidamente para onde estava o terneiro, dizendo: “Espera, eu te desamarro”. Dizendo isto, desamarrou o terneiro. O discípulo surpreendeu-se ao ver, nesse momento, refletida no rosto da Mãe, a verdadeira ternura. Viu nela a verdadeira encarnação da compaixão. Ah! Se nós pudéssemos clamar a Deus como esse terneiro! Certamente, Ele nos tiraria toda a ligação mundana.
TRABALHO
E MEDITAÇAO
Deve-se combinar o
trabalho com a meditação
A conversação prosseguiu até uma hora avançada da noite. Um discípulo disse à Mãe: “K. nos disse: ‘Trabalhem firme para cumprir com seus deveres e logo alcançarão todas as coisas, como foi ordenado por Deus’”. A isto, a Santa Mãe disse: “Sem dúvida, devem cumprir com seus deveres. Isso mantém a mente em boa condição. Mas também, é muito necessário praticar yapam, meditação e oração. Essas disciplinas devem ser praticadas, pelo menos, pela manhã e a noite. Tal prática é como o timão de um barco. Quando alguém se senta à noite para orar, pode recorda-se de todas as coisas boas ou más que fez no dia. Logo, pode comparar o estado mental desse dia, com o do dia anterior. Depois, ao fazer o yapam, deve-se meditar no Ideal Escolhido. Durante a meditação, primeiro pode-se penar no rosto do Ideal Escolhido, porém, deve-se meditar no corpo inteiro, dos pés à cabeça. A menos que pratiques meditação de manhã e a noite, fora do trabalho, como poderás saber se fazes uma coisa desejável ou indesejável?”.
Riscos de levar uma vida de exclusiva meditação
O discípulo disse: “Alguns dizem que não se alcança nada por meio do trabalho. Que se pode obter êxito na vida espiritual pelo yapam e meditação”. Em resposta, a Mãe disse; “Como sabem eles o que traz o êxito e o que não traz? É possível alcançar tudo porque se pratica yapam e meditação por uns poucos dias? Nada, absolutamente, se alcança, a menos que Mahamaia (Ilusionista Cósmica) aclare o caminho. Noutro dia, notaste que essa pessoa não estava bem da cabeça. Por ter se esforçado excessivamente na oração e meditação? A inteligência do homem é muito precária. É como a rosca de um parafuso. Se o colocas mal, perde-se o juízo. Ou então, é apanhado nas redes da Mahamaia e se acredita muito inteligente. Chega a sentir que assim está muito bem. Mas se enroscar corretamente, segue-se o caminho reto e goza de paz e felicidade. Deve-se lembrar sempre de Deus e pedir-lhe o reto entendimento. Quantos hão que podem meditar e praticar yapam o tempo todo? No princípio, praticam com muito entusiasmo; porém, ficam constantemente sentados sobre o tapete no qual praticam, seus cérebros se alteram, como no caso de N. Fazem-se vaidosos. Sofrem, também, de moléstias mentais, pensando sobre diferentes temas. É muito melhor trabalhar, do que permitir à mente que vague de uma a outra parte, pois quando a mente tem rédea solta, cria muita confusão. Meu Naren (Swami Vivekanada) pensou nestas coisas e sabiamente fundou instituições onde as pessoas poderiam fazer trabalho desinteressado”. Referindo-se, novamente, a N., a Mãe disse: “Vês como, por estar constantemente sentado no mesmo lugar, sua mente alterou-se? Suas obsessões e raridades aumentam constantemente. Sempre se queixa de mal-estares mentais. Por que tens que estar tão preocupado? Todas essas experiências não deveriam dar-lhe sensatez?”.
O trabalho é tão
sagrado quanto a austeridade
Um discípulo, que vivia com a Santa Mãe e estava a seu serviço, encarregava-se sempre do culto na capela e de outras tarefas. Inteirando-se de que alguns monges do monastério de Belur haviam decidido sair para praticar tapasia (austeridades), disse à Mãe: “Creio que, para mim, não é bom ocupar-me de todas essas tarefas. Desejo praticar austeridades. Por favor, dê-me tua permissão”. A Mãe disse: “Que é isso, filho meu? Tu estás fazendo, agora, meu trabalho. Estás dedicando-te à obra do Mestre. É isto, de algum modo, menos espiritual que as austeridades? Então, por que deves abandonar estas tarefas? Porém, se em qualquer momento, sentires uma forte inclinação para praticar austeridades, podes ir e dedicar-te a isso por um mês ou dois”.
Adoração e
yapam
Uma devota pediu a Santa Mãe que lhe ensinasse como fazer certa oferenda espiritual ao Mestre. A Mãe disse: “Tu estás levando uma vida mundana. Não poderás ocupar-te do culto. Eu disse-te que repetisse Seu Nome. Pratiques yapam. Por meio disso, realizarás tudo”.
Um devoto perguntou à Santa Mãe: “Serve de alguma coisa, repetir, simplesmente, Seu nome, sem intensa devoção?”.
Como praticar o
yapam
Mãe: Já sabia que se tu saltares a água, ou se alguém te empurrar, tua roupa se molhará, não é assim? Medita todos os dias, embora tua mente não esteja desenvolvida. Por meio da meditação constante, alcançarás a concentração da mente. Discerne sempre entre o relativo e o real. Toda vez que tua mente for atraída por algum objeto, lembre que é algo transitório e trate de que a mente retorne ao pensamento de Deus. Um homem estava pescando com seu caniço. Passou pelo lugar um grupo de pessoas, acompanhando a uns recém-casados e tocando música. Porém, a atenção do pescador estava fixa na cortiça. A mente do aspirante espiritual deve ter a mesma firmeza.
Um discípulo monástico disse à Santa Mãe: “Mãe, meu desejo é escolher um lugar onde possa praticar disciplinas espirituais; mas não anda bem minha saúde”.
Repetir o mantram
diariamente um número fixo de vezes
Mãe: Agora, por certo tempo, ocupa-te em algum trabalho e logo quando sentires uma forte inclinação para praticar austeridades, poderás deixar o trabalho.
Discípulo: Pratico yapam, mas não posso concentrar minha mente.
Mãe: Repita o “nome de Deus”, sendo que a mente concentre-se ou não. Será bom para ti que possas repetir diariamente, o Santo Nome um número fixo de vezes.
Discípulo: Mãe, terei que praticar o Santo Nome, mantendo em minha mente um número fixo de repetições?
Mãe: Se tu fazes a prática com a preocupação do número de repetições, tua mente poderá ficar concentrada no número, somente; portanto, eu te aconselharia a repetir o “nome de Deus” sem ter tão preciso quanto ao número.
Discípulo: Por que a mente não se absorve em Deus, quando repetimos Seu nome?
Concentração e
yapam
Mãe: Isso acontecerá a seu devido tempo. Até quando a mente não está concentrada, não deixes de repetir a fórmula sagrada. Repetindo o Nome, a mente ficará fixada por si só no ideal, como fica fixa a chama de uma vela onde não há vento. É o vento que faz a chama vacilar. De igual modo, nossas fantasias e desejos fazem com que a mente fique intranqüila. Ademais, a concentração pode retardar-se se a fórmula sagrada não é pronunciada corretamente. Uma mulher tinha recebido de seu guru, a fórmula sagrada: “Rukmini-nathaia”. Como custava-lhe pronunciar esta fórmula, para ela tão longa, só repetia: “Ruku, Ruku”. Por esta razão, durante alguns dias,não fez nenhum progresso. Mas logo, pela graça de Deus, começou a pronunciar corretamente a fórmula sagrada.
Quando a Mãe esteve no monastério de Yagadamba, em Kwalpara, teve um devoto com a seguinte conversação:
Devoto: É necessário lavar o rosto, como está prescrito, antes de repetir o sagrado “nome de Deus”?
Eficácia da
repetição do Nome de Deus com concentração
Mãe: Sim, deve-se observar essas regras quando alguém se encontra em sua casa. Porém, estando na rua, se pode fazer a repetição mentalmente.
Devoto: No segundo caso, devemos repetir só o “nome de Deus”, ou também a fórmula sagrada, recebida do Mestre?
Mãe: Deves repetir, também, a fórmula sagrada. Ao repetir o “nome de Deus” uma vez, quando a mente está concentrada, equivale a um milhão de repetições, quando a mente está afastada de Deus. Podes repetir o Nome durante o dia inteiro; mas se a mente está em qualquer outra parte, isso não produz muito resultado. A repetição deve ser acompanhada pela concentração. Só assim se alcança a graça de Deus.
Devoto: O que estou fazendo é suficiente para mim, ou devo fazer algo mais?
Mãe: Continua com o que está fazendo agora. Sri Ramakrishma já te aceitou entre os seus.
Devoto: Diz-se que se realiza a Deus suplicando a Ele sinceramente, por três dias. Eu tenho orado por um tempo tão longo, então por que não alcanço nenhuma realização?
Mãe: Tudo virá com o tempo, filho meu. As palavras de Sri Ramakrishna, que são tão verdadeiras como as palavras de Shiva, só podem cumprir-se. Dedica-te a Ele e refugia-te a Seus pés. É suficiente que lembres que há alguém, chame de pai ou mãe, que sempre te está protegendo.
Devoto: Eu tenho absoluta fé em tuas palavras.
Um discípulo disse à Mãe: “Mãe, eu não posso contar com o rosário quando pratico yapam. Se meus dedos se movem, minha língua guarda silêncio. Quando minhas mãos e língua estão ativas, minha mente não se concentra”.
Mãe: Depois de algum tempo, verás que teus dedos e língua permanecerão inativos, mas a mente seguirá pensando em Deus.
Fazer yapam
contando com os dedos
Uma vez, um devoto esqueceu o modo de contar com os dedos, a repetição do mantram. Escreveu a um discípulo da Mãe, para que perguntasse sobre isso. Sobre isso, a Mãe disse: “Que importa? Pode-se fazer de qualquer maneira. O propósito de tudo isso, é dirigir a mente para Deus”.
O horário e a
regularidade na prática espiritual
Referindo-se a meditação e o yapam, a Santa Mãe disse a um discípulo: “É muito necessário ter horas fixas para estas coisas, porque não se pode dizer quando chega o momento favorável. Ninguém tem nenhum aviso de antemão. Portanto, deve-se observar a regularidade, por mais carregado que estejas com os deveres a cumprir”.
Discípulo: Há períodos de doenças e também, momentos em que se está muito ocupado no trabalho. Por isso, nem sempre é possível observar a regularidade a respeito do tempo.
Mãe: Não se pode ter controle sobre as enfermidades, mas em meio a mais intensa atividade, deve-se recordar a Deus e saúda-lo.
Discípulo: Quais são as melhores horas?
Mãe: A conjunção do dia e da noite é o momento mais propício para orar a Deus. A noite desaparece e aparece o dia; o dia desaparece, e começa a noite; essa é a conjunção do dia e da noite. A mente, naturalmente, alcança a tranqüilidade nesses momentos.
A respeito da debilidade da mente, a Santa Mãe disse ao discípulo: “Filho meu, essa é a lei da natureza. Não tens observado a lua cheia e a lua nova? De modo semelhante, a mente, algumas vezes, está dominada por boas tendências ou por más tendências”.
O yapam, enquanto
se viaja
Numa ocasião de festividade, um atleta estava fazendo várias demonstrações surpreendentes. Uma delas consistia em fazer com que se rompesse uma enorme pedra colocada em seu peito. Enquanto as pedras se rompiam com uma maça, ouviu-se a Mãe dizer: “Oh, Senhor! Salve-o!”. Quando terminou este ato, a Mãe perguntou-me: “Filho meu, eles conhecem algum mantram, ou têm algum outro segredo?”.
O yapam e o
progresso espiritual
Discípulo: Não, Mãe, não há nada desse gênero. É o resultado de uma contínua prática. Ouvi o relato de que um homem, na América do Norte, costumava levar todos os dias um terneiro em seus braços, até o campo dos pastores. Seguiu fazendo isso diariamente, até que o terneiro se converteu em um grande boi. Até depois de grande, seguia levando-o com a mesma facilidade de quando era pequeno. Costumava ostentar sua façanha ante todos. Estes são os resultados da prática;
Mãe: Assim é. Aí se vê o poder do hábito. Do mesmo modo o homem, por sua contínua prática de yapam, alcança a realização.
GRAÇA DIVINA
Austeridade e
graça Divina
Certo sanniasin da Ordem de Ramakrihna esteve praticando severas austeridades no ghat de Manikarnika, em Banaras. Quando um discípulo da Mãe estava para sair para Kolicata, o monge disse: “Por favor, pergunte à Mãe quando descerá sobre mim a graça de Deus”. Quando o discípulo comunicou isso à Mãe, com um tom sério, disse: “Escreve-lhe que não existe tal regra de que a graça de Deus descerá sobre alguém, simplesmente porque está praticando austeridades. Antigamente os rishis (sábios espirituais) praticaram austeridades por milhares de anos, com a cabeça para baixo e os pés para cima e acendiam fogos ao seu redor. Mesmo assim, só alguns deles receberam a graça de Deus”.
Deus não é algo
que possa ser comprado
Um dia, disse um discípulo à Mãe, com muita ênfase: “Mãe, venho aqui com bastante freqüência e tenho recebido sua graça. Mas por que não foi realizada alguma coisa? Sinto que sou o mesmo de antes”. A Mãe respondeu: “Filho meu, suponha que estás dormindo e que alguém leva a cama para outra casa. Neste caso, te darias conta, assim que despertasse, de ter sido levado a outro lugar? De nenhuma maneira. Só depois que passar por completo tua sonolência, saberás que estás em uotro lugar”.
Certo dia um discípulo perguntou a Mãe, em Yairambati: “mãe, como se alcança a realização de Deus? A adoração, o yapam, a meditação ajudam?”.
Mãe: Não, nada ajuda.
Discípulo: Então, como se alcança a visão de Deus?
Graça Divina e
prática espiritual
Mãe: Só pela Sua graça. Mas deve-se praticar meditação e yapam. Isso tira as impurezas da mente. As disciplinas espirituais devem ser praticadas. Assim como alguém pode sentir a fragrância de uma flor tocando-a, ou consegue o perfume de sândalo esfregando o tronco de sua madeira com uma pedra, da mesma maneira se alcança o despertar espiritual pensando constantemente em Deus. Mas tu podes realizar a Ele neste mesmo instante, se consegues a indiferença (não ter desejo por coisa alguma).
Meditação,
trabalho e graça Divina
Certa vez, em 1901, referindo-se às prédicas, a Santa Mãe disse a um discípulo monástico: “Senta-te a meditar pela manhã e à noite. Mantém tua cabeça fresca e pratica meditação e oração. É muito difícil fazer isto. Mais fácil é cavar a terra com uma pá”. Olhando a fotografia do Mestre, disse: “Nada poderás realizar sem a Sua graça”. O discípulo disse-lhe que não podia meditar e orar com regularidade, por causa dos muitos deveres que tinha que cumprir no ashrama. Em resposta, a Mãe disse: “Para quem são todos estes trabalhos? Todos pertencem a Ele”. Continuando, a Mãe disse: “Mais tarde verás que a mente se converterá em teu guru e te instruirá”.
Outro dia, a Santa Mãe disse: “Temos praticado tento yapam, temos seguido tantas disciplinas espirituais, mas nenhuma dessas coisas tem utilidade alguma. Como pode alguém alcançar a libertação, a menos que a Mahamaia desembarace o caminho? Oh, homem, refugia-te em Deus! Refugia-te Nele! Unicamente então, a Mahamaia te outorgará Sua graça e facilitará que sigas o caminho para a libertação”. Logo fez o seguinte relato, pertencente à vida do Mestre, em Kamarpukur: “Era durante o mês de yaishta. À tarde, havia caído um forte aguaceiro, inundando parte dos terrenos. O Mestre dirigia-se para o monte, evitando os charcos. Havia muitos peixes e as pessoas os matavam com pedras. Um peixe começou a dar voltas ao redor dos pés do Mestre. Ao ver isto, o Mestre disse às pessoas: ‘Por favor, não o matem. Vejam como se refugia a meus pés. Se alguém de vós pode, que o leve ao tanque de Haldarpukur’. Então Ele mesmo agarrou o peixe e o levou ao tanque. Quando voltou para casa, o Mestre contou o ocorrido e disse: ‘Unicamente se alguém toma refugio assim em Deus, estará salvo”.
A graça Divina no
momento da morte
Um discípulo monge escreveu a Mãe uma carta cheia de desespero. Depois de ouvir o conteúdo, a Mãe disse muito seriamente e com vigor: “Como é possível, acaso o nome do Mestre é uma coisa sem valor? Cedo ou tarde aqueles que tem vindo aqui e pensam no Mestre, verão seguramente o Ideal Escolhido. Se isso não acontece durante o período de sua vida, pelo menos terão uma visão Dele, um momento antes de morrer”.
VIDA DE PUREZA E RENÚNCIA
A glória da
renúncia
Um jovem chamado Manasa foi ver a Santa Mãe com o desejo de receber dela a iniciação e o hábito ocre. A Santa Mãe, de muito boa vontade, concedeu-lhe a que havia desejado. Isso o fez sentir-se muito feliz. Ao entardecer, ele estava sentado na casa do tio Kali, cantando hinos a glória da Divina Mãe. A Santa Mãe gostava muito desses cânticos. Estavam presentes Radhu, Maku, Nalini e uma das cunhadas da Mãe. Uma das cunhadas observou: “Ela fez deste jovem um sadhu”. Maku disse: “É certo. Vejam o que fez nossa tia: que esses bons rapazes abracem a vida monástica. Seus pais os criaram com tanto sacrifício! Todas suas esperanças estavam depositadas em seus filhos! Agora, todas essas esperanças se despedaçaram. E o que poderá fazer este jovem, agora? Ou irá a Rishikesh e mendigará sua comida, ou limpará as chagas e excrementos dos doentes em um hospital, por que? Também é uma forma de religião casar-se e consolidar a vida do lar. Olha, tia, se tu fazes sadhus estes jovens, a Mahamaia se zangará contigo. Se eles querem ser sadhus, que decidam por si mesmos. Por que tem que ser tu o instrumento que os faz abraçar a vida monástica?”. Em resposta, a Santa Mãe disse: “É que tu não consideras a estes jovens o que são, eles são ‘filhos divinos’. Viverão num mundo imaculado, como essas flores, cujo perfume ninguém sentiu. Que pode ser mais belo que isso? Tu viste, por si mesma, que espécie de felicidade pode dar a vida mundana. Em todo esse tempo, que aprendeste de mim? Por que tanta atração pelo mundano? Por que tanta tendência para o animal? Não podes, nem sequer em sonho, conceber um ideal puro de vida? Nem sequer agora podes viver com teu marido como irmão e irmã? Por que esse desejo de levar uma vida de porcos? Esta miséria do mundo corrói até meus ossos”. Todos os presentes estavam muito emocionados ao ouvir Santa Mãe. Continuando, ela acrescentou: “Uma pessoa que não está casada e leva uma vida pura, avançará para Ele a passos largos, seja rogando ou não a Ele. Os demais, estando atados de pés e mãos, acham difícil safar-se das ligações do mundo, mesmo quando tratam de pensar em Deus”.
Conselho da mãe de
um monge
Um dia, a mãe de um monge pediu à Santa Mãe que convencesse seu filho a retornar para a vida do lar. A Mãe disse: “É uma rara boa ventura ser a mãe de um monge. As pessoas não podem livrar-se sequer do apego que sente por um objeto de bronze. É coisa mais fácil renunciar ao mundo? Tu és a mãe, por que tens que te afligir? Embora teu filho seja agora um sadhu, ele cuidará de ti”.
Exortação a um
aspirante indeciso
Um jovem discípulo da Mãe recebeu, inesperadamente, uma proposta de matrimônio da casa de um homem muito rico. Oferecia-lhe uma grande soma de dinheiro, com o qual eliminaria para sempre toda a necessidade financeira. O jovem, depois de graduar-se, havia sido nomeado diretor de uma escola. Sua mente não estava de todo livre do desejo de gozo. Por isso, sondou a Santa Mãe para ver que opinião teria acerca do matrimônio. Depois de ouvir tudo, a Mãe disse-lhe: “Filho meu, tu estás muito bem como estás. Por que desejas queimar-se no fogo do mundano? Está fazendo uma boa obra. Com tua ajuda, muitos meninos estarão recebendo educação. Sua associação contigo lhes beneficiará e serão bons homens; isso será também meritório para ti”. Porém o jovem replicou: “Mãe, minha mente se intranqüiliza de vez em quando. Deseja fortemente os prazeres. Isso me assusta”. A Mãe disse: “Não temas. Digo-te que nesta Koli Yuga (época sombria), o pecado mental não é pecado. Tira de tua mente toda a preocupação sobre isso. Não tens porque temer”. Depois e ouvir tal afirmação da Santa Mãe, o devoto nunca mais voltou a pensar em matrimônio, nem permitiu que sua mente se agitasse por momentâneos impulsos.
Vida monástica e vida do lar
Uma devota disse-lhe: “Mãe, todos os teus filhos devem ser o mesmo, para ti. Porém, se um escreve pedindo-te opinião sobre seu matrimonio, tu o permite casar-se; e, por outro lado, se outro deseja renunciar ao mundo, tu lhes dá um tipo diferente de conselho, glorificando a vida de renúncia. Teu dever não é guiar a todos, para o melhor caminho?”. A Mãe respondeu: “Imagine um homem que deseja intensamente os prazeres, crês que me dará ouvidos se eu o proibir de satisfazer esse desejo? De outro modo, imagine outro homem que, como resultado de muitos atos meritórios de vidas passadas, considera tudo isso como ardil da maia e Deus como a única realidade. Não devo ajuda-lo um pouco? Há algum modo de pôr fim ao sofrimento desta vida do mundo?”.
A Santa Mãe disse a uma discípula, cujo filho recusava a casar-se: “Ah! Todos os rapazes, hoje em dia, dizem que não querem casar-se. Mas, sabes? Só os que pertencem a um plano de existência muito elevado, podem consagrar-se à vida monástica e libertar-se de todas as ligações. Por outro lado, há alguns que nasceram para gostar um pouco da vida mundana. Eu digo que se deve discernir bem acerca do que há nos prazeres mundanos. Mas, são uma coisa completamente diferente, os discípulos e companheiros do Mestre”.
Discípula: Mãe, ele (O filho da discípula) é teu próprio filho. Sua futura felicidade ou sofrimento depende de ti. Faz o que quiseres com ele.
Matrimônio ou renúncia?
Mãe: Eu te digo que se case e satisfaça os gozos desta vida. Do contrário, não se sabe quando poderia cair vítima de algum desejo insatisfeito. Mas tu podes estar segura disso: que enquanto ele permanecer sob a proteção do Mestre, não escorregará nunca! Nesse sentido, não tens porque te preocupar nunca. Foi dado um mantram que me comunicou o Mestre e por meio dele, pode-se alcançar a perfeição. O que mais pode afligir-te?
Elogio da renúncia
interior
Um discípulo perguntou à Mãe: “O Mestre disse que os que o aceitassem como seu ideal espiritual, não voltaria a nascer. Por outro lado, Swamiyi (Swami Vivekananda) disse que não há libertação possível sem ser iniciado na sanniasa (vida monástica). Então, qual é a saída para os chefes de família?”.
Mãe: Sim, o que o Mestre disse é certo e é igualmente certo o que disse Swamiyi. Os chefes de família não necessitam renunciar ao externo. Eles alcançarão espontaneamente a renúncia interior (1). Porém alguns necessitam renunciar exteriormente. Por que tens temor? Entrega-te ao Mestre e recorda sempre que Ele está contigo.
(1)
O leitor deve considerar que esta conversação teve lugar quando viviam os
grandes chefes de família que vieram com Sri Ramakrishna, cujas vidas ficaram como arquétipos
extraordinários de devoção e renúncia.
O IDEAL DA SANNIASA
Salvaguarda na
vida do sanniasin
Em certa ocasião, a Mãe disse a um sadhu: “Sri Ramakrishna costumava dizer: ‘Oh sadhu, tem cuidado!’. Os sadhus devem estar sempre alerta. O caminho de um sadhu é sempre escorregadio. Quando alguém caminha por um solo escorregadio, deve faze-lo na ponta dos pés. Acaso, ao fazer-se monge, é como jogar uma parida de naipes? Se tu tivesses desejado, poderias ter se casado e sido um chefe de família. Porém, agora que deixou de lado essas intenções, não deves permitir que tua mente se ocupe dessas coisas. Não se come o que se cuspiu. O hábito ocre protege o monge, como a coleira do cão, de todo perigo. Nada incomoda um cão que leva a coleira, porque isso indica que tem dono. Todas as portas estão abertas para um sadhu. Tem entrada em todas as partes. A mente tende naturalmente para as más ações. Está como sonolenta para fazer o bem. Antes, eu tinha por costume levantar-me para meditar as três da madrugada. Um dia, não fiz desse modo, porque sentia-me fisicamente indisposta. A falta de regularidade, nesse dia, teve como resultado que não seguisse essa rotina por vários dias. Por isso, digo que a perseverança e a tenacidade são necessárias para alcançar êxito em toda boa obra. Quando eu estava vivendo no nahabat de Dakshineswar, costumava rezar nas noites de lua cheia: ‘Oh, Senhor! Até na lua há manchas. Faz que minha mente não tenha nenhuma mancha’”.
Livre de ciúmes e
apego
Um monge deve estar acima do apego e dos ciúmes. Deve ser o mesmo em todas as circunstâncias. Sri Ramakrishna dizia a Hriday: “Tu deves ser indulgente comigo e eu contigo, então, tudo ficará bem. De outro modo, teremos que submeter nossas diferenças ao administrador do templo”.
Instrução e vida
monástica
Conversando com a Mãe, K. disse: “Mãe, todos teus filhos são instruídos; mas eles (referindo-se aos que viviam no ahsrama de Kwalpara) são teus filhos iletrados. Sarat Maharaya (Swami Saradananda), escreveu livros sobre o Mestre e estes estão espalhando a mensagem e ensinamentos do Mestre por todas as partes. Teus outros filhos dão conferências. Está se fazendo tanto para divulgar as idéias de Sri Ramakrishna!”. A Santa Mãe respondeu: “Que queres dizer? Nosso Mestre não sabia muito por leituras ou escritos. Por seu intermédio, se fará muita obra nesta parte do país. Desta vez o Mestre veio à Terra para libertar a todos, ricos e pobres, instruídos ou não instruídos. A brisa malaya está soprando aqui. Aquele que despregue sua vela e se refugia no Mestre, será bem-aventurado. Desta vez, todas as árvores e plantas, até os que têm muito pouco tronco, talvez excetuando o bambu e os pastos, serão transformados em madeira de sândalo, ao toque desta brisa malaya. Por que deves afligir-te? Vós todos são meu filhos. Porém, lembre isto: um sadhu com instrução, é como um elefante, cujos colmillos estão forrados de ouro”. Depois desta conversa, a Mãe entrou no templo.
SOBRE
O KARMA
Um discípulo perguntou à Santa Mãe: “Se Deus é nosso pai e mãe, por que nos faz cometer pecados?”.
Deus, karma e
sofrimento
Mãe: Sem dúvida, é devido a Deus todas a criatura animada e inanimada; mas no mundo relativo, todos os seres atuam e sofrem conforme o seu passado karma e tendências inatas. O sol, não há dúvida, é um só, mas suas manifestações diferem segundo os objetos e os lugares...
Discípulo: Se tudo acontece pela vontade de Deus, por que Ele não tira a lei do karma?
Mãe: Sim, se Ele quiser, pode cortar o período da evolução. Mas nós não conhecemos Sua vontade. Até Sri Ramakrishna teve que sofrer por causa desta lei de karma. Um dia, seu irmão mais velho, delirando de febre alta, quis tomar água, que lhe foi proibida, quando o Mestre lhe tirou o copo da mão. Isso irritou seu irmão, que o maldisse, dizendo: “Por não ter me deixado tomar água, tu não poderás comer coisa alguma em teus últimos dias”. Sri Ramakrishna disse-lhe: “Irmão, o fiz somente pelo teu bem, e tu me amaldiçoou”. A isto, o irmão rompeu a chorar e disse: “Querido irmão, eu não sei porque disse isso. Eu não sei porque essas palavras saíram da minha boca”. E tu sabes, filho meu, que o Mestre, durante sua última doença, teve que sofrer o resultado se seu passado karma. Não pode comer coisa alguma.
Devoto: Mãe, pode-se anular o efeito do karma prarabdha (1), repetindo o “nome de Deus”?
(1) O karma, o resultado das ações passadas e está dividido em três categorias: prarabdha, agami e sanchita. Aquele que já começou a dar frutos, é o prarabdha; aquele que já está pronto para frutificar é agami; e sanchita é aquele armazenado ou em reserva. Ilustra-se com um exemplo comum, a arte de atirar flechas com arco. Prarabdha, é semelhante a flecha que já deixou o arco; deve dar no branco. Agami é como a flecha já colocada na corda do arco; está pronta para ser disparada, mas pode ser retida. E sanchita é como a flecha que está no estojo; está de reserva.
Yapam e mitigação
Mãe: Deve-se sofrer ou desfrutar dos resultados do karma parabdha. Nada pode evita-lo. Mas o yapam, ou repetição do “nome de Deus” diminui sua intensidade. Seria como o caso do homem que estava destinado a perder uma perna, mas que, em troca, só sofre a picada de um espinho em um pé.
ACERCA DE SRI RAMAKRISHNA
Sua adesão à
verdade
A Mãe disse, uma vez: “Quão consagrada estava a verdade do Mestre! Ai, nós não podemos seguir seu exemplo!”. O Mestre costumava dizer que somente a verdade é tapasia (austeridade) e a Idade de Ferro (Koli Yuga). Aderindo-se à verdade, se alcança Deus”.
Sua divindade
Referindo-se a Sri Ramakrishna, certa vez a Mãe disse a um devoto: “Real e verdadeiramente, Ele era Deus mesmo. Tomou este corpo humano para tirar as aflições e sofrimentos dos demais. Andava disfarçado, como um rei faz para percorrer a cidade. Desapareceu no momento em que foi reconhecido”.
A Mãe viveu por certo tempo em uma casa alugada em Bosepara, de Baghbazar, para tratar ali de Radhu. Uma discípula estava com ela, para servi-la. Um dia, a Mãe pediu à discípula que fizesse a oferenda de alimento ao Mestre, mas a discípula não conhecia o mantram adequado e os outros detalhes. Ela disse à Mãe: “Eu não sei como fazer o oferecimento do alimento ao Mestre”.
Oferenda de
alimento ao Mestre
Mãe: Olha, considere o Mestre como alguém muito íntimo e roga-lhe, dizendo: “Vem aqui, senta-te e come”. Logo, imagina que Ele veio, sentou-se e está comendo. É realmente necessário um mantram para servir a comida a uma pessoa de nossa intimidade? É como ter um familiar como hóspede. O Mestre aceitará tua adoração em qualquer forma que a realizes. A Mãe, contudo, ensinou a discípula um mantram com o qual podia oferecer a comida ao Mestre.
Oração ao Mestre
Para consolar a uma jovem mãe que havia perdido sua única filha, a Santa Mãe disse-lhe: “Filha minha, que posso dizer-te? Ponho ante ti uma fotografia do Mestre e tenha a certeza de que Ele estará sempre contigo. Abre-te teu angustiado coração. Deixa correr tuas lágrimas e reze com sinceridade: ‘Oh, Senhor! Leva-me ao teu lado e concede-me paz mental!’. Fazendo isto constantemente, alcançará logo a paz mental. Tem devoção ao Mestre, e cada vez que te afligires, conta tudo a Ele”.
Oração ao Mestre e alcance do amor extático
Uma tarde, a irmã Sudhira e uma jovem discípula estavam sentadas, em companhia da Mãe. A Mãe disse-lhes: “Quem orou sinceramente ao Mestre mesmo uma só vez, não tem nada a temer. Orando-lhe constantemente, por Sua graça, alcança-se o amor extático (prema bhakti). Este prema, filhas minhas, é o mais profundo, íntimo e secreto da vida espiritual. As gopis de Brindavan o alcançaram. Elas não estavam conscientes de coisa alguma no mundo, salvo de Krishna. Em uma parte do cântico de Nikalantha, diz-se: ‘Deve-se conservar com grande cuidado esta preciosa jóia do prema’”. A Mãe cantou. Logo acrescentou: “Ah, quão doces são os cânticos de Nilakantha! O Mestre gostava tanto! Quando o Mestre vivia em Dakshineswar, costumava ir ali Nilakantha, de vez em quando, e cantava para Ele. Que felizes éramos ali! Quanta gente, de diferentes temperamentos, ia ver o Mestre! Dakshineswar, naquele tempo, era para nós o manancial da felicidade.”.
Mantram e culto
Uma devota perguntou à Santa Mãe: “Mãe, muita gente adora a Shiva regularmente. Posso faze-lo também?”. Em resposta, a Santa Mãe disse: “O mantram que te foi dado, contém tudo. Com este, podes adorar Durga, Kali e a todos os deuses e deusas. Mas se não desejas, podes aprender o culto a Shiva. Tu não necessitas faze-lo. Isso só aumentaria tuas preocupações”.
Alguém perguntou à Mãe como se deveria oferecer a comida a Sri Ramakrishna. Ela disse: “Não há necessidade alguma de seguir rituais, quando se oferece comida ao Mestre. O mantram que foi recebido do próprio guru é suficiente para tudo”.
CONSELHOS
A um jovem de
inclinações espirituais
Um jovem, que era discípulo da Santa Mãe, havia ido vê-la durante sua última enfermidade. A Mãe perguntou-lhe sobre a mãe e outros parentes do jovem e logo lhe disse que ela (a Santa Mãe) não viveria por muito tempo mais. Com isto, o discípulo ficou muito aflito e expressou seu temor de ficar desamparado na vida, quando ela lhe faltasse. Então a Mãe falou-lhe assim: “Lembra sempre que só Sri Ramakrishna é nosso protetor. Se esqueceres isso, te encontrarás desorientado, como perdido em um labirinto. Sabes por que te perguntei hoje por tua mãe e outros membros de tua família? Tempos atrás, inteirei-me, por intermédio de G., da morte de teu pai. Então, perguntei se tua mãe tinha outros parentes e também se tinha meios e vida. Ademais, perguntei se dependia de ti. Quando supus que ela podia arranjar-se sem ti, pensei: ‘Isso é bom. O rapaz tem inclinações espirituais. Agora, pela graça e Sri Ramakrishna, não haverá nenhum obstáculo sério que te impeça levar a vida espiritual’. Todo filho deve servir à sua mãe. Quanto mais vós, que têm vindo aqui para dedicar a vida ao serviço dos demais. Se teu pai não tivesse deixado meios de vida a tua mãe, eu haveria pedido que ganhasse dinheiro e te preocupasses em dar-lhe comodidade. Pela graça de Sri Ramakrishna, esse obstáculo foi tirado. Simplesmente trata, agora, que o dinheiro deixado para ela, não seja desperdiçado. Faz algum arranjo a respeito e cuida dela o tanto que possas. É pouco vantajosa essa situação, para ti? Pode-se ganhar dinheiro de modo estritamente honesto. O dinheiro sempre mancha a mente. Por essa razão pedi que tu ajustes os assuntos pecuniários de tua mãe o mais rápido possível. Tal é o fascínio do dinheiro, que se ocupas muito dele, te sentirás atraído. Podes pensar que estás acima do dinheiro e que nunca sentirás nenhuma atração, porque já havias renunciado a ele. Ademais, poderás pensar que em qualquer momento o podes deixar como reserva. Não, filho meu, nunca cobices estes pensamentos em tua mente. Por meio de uma pequena escusa, entrará em tua mente e te sufocará, sem que te dês conta. Especialmente sendo tu de Kolicata, sabes como o dinheiro pode arrastar as pessoas a uma vida dissoluta. Arranja os assuntos de tua mãe o mais rápido possível e sai de Kolicata. Além disso, se tu podes persuadir tua mãe a que vá a um lugar sagrado; os dois podem levar uma vida espiritual esquecendo as relações mundanas. Agora, tua mãe está sacudida pela aflição. Creio que esse seria o melhor modo de arranjar as coisas. Tua mãe já tem uma idade bastante avançada. Fala-lhe sempre de Deus. Cumprirás, realmente, com teu dever de filho, se ajuda-la a escolher a melhor maneira de fazer sua última viagem. Tu crescerás, nutrindo-te em seu seio. Quanto terás que sofrer, antes de chegar a ser um homem! Sabe que servi-la é o teu mais alto dever. Mas seria diferente o assunto, se ela se opusesse à tua vida espiritual. Por que não a trazes aqui? Verei suas inclinações e posso dar-lhe, em poucas palavras, se for necessário, algumas instruções. Mas, tem cuidado! Não te enredes no mundo, com o pretexto de servir tua mãe. Depois de tudo, não se trata mais que assegurar o sustento e proteção de uma viúva. Isso requer muito pouca coisa. Trata de arranjar os assuntos o quanto antes, embora seja à custa de alguma perda. Sri Ramakrishna nunca pode suportar o toque do dinheiro. Todos vós se separastes do mundo levando Seu nome nos lábios. Lembrem sempre Suas palavras. O dinheiro está na raiz de todos os desastres que tu vês no mundo. O dinheiro pode ser o engodo que leva a mente a outras tentações. Tem cuidado!”.
A um jovem devoto
chefe de família
Um jovem devoto chefe de família falou, certa vez, um tanto desrespeitosamente a um sanniasin. A Mãe, no curso de uma conversa, disse ao devoto: “O Mestre é muito compassivo contigo. É por isso que tu sentes uma espontânea atração por Ele desde sua meninice. Deves, no entanto, recordar umas poucas coisas e tratar de coloca-las em prática durante tua vida. Tem cuidado com estas três coisas: primeiro, uma casa situada na margem de um rio; a qualquer momento, o rio pode destruí-la e ser arrastada pela corrente; segundo, uma serpente; deves cuidar muito quando vês uma, pois não há modo algum de saber quando saltará em ti e te picará; terceiro, um sadhu; não saber tu que uma palavra ou um pensamento de um sadhu, pode causar dano a um chefe de família? Cada vez que te encontras com um sadhu, deves ser respeitoso com ele. Não lhes deves ter falta de respeito, com réplicas ou expressões de menosprezo”.
Ao longo de sua vida, o discípulo lembrou carinhosamente, destas palavras da Mãe.
A uma discípula
viúva
A Santa Mãe disse a uma discípula, depois de inicia-la: “Olha, filha minha, no geral não dou iniciação a nenhuma mulher imediatamente depois de haver perdido o esposo, mas fiz uma exceção em teu caso, porque tens temperamento espiritual. Procura que eu não tenha que me arrepender. O Mestre sofre pelo pecado cometido pelo discípulo. Repete sempre, com regularidade, a fórmula sagrada”.
Uma vez, estando a discípula por ir à casa do sogro, a Mãe lhe fez a seguinte advertência: “Não tenhas familiaridade com ninguém. Não participes muito das obrigações sociais da família. Diz: ‘Oh mente! Sê fiel comigo mesma. Não sejas inquisitiva acerca dos demais’. Aumenta gradualmente o tempo que dedicas aos ensinamentos de Sri Ramakrishna”.
Outro dia em que estava só com a discípula, disse a Santa Mãe: “Nunca tenhas plena confiança em nenhum homem; nem sequer com teu pai ou irmão. Muito menos com outros. Te repetirei: não confies em nenhum homem, embora seja Deus mesmo quem se apresenta dessa forma”.
Alem disso, lhe proibiu de freqüentar o monastério e outros lugares onde viviam os monges. Disse-lhe: “Tu podes ter má intenção, em tua mente. Tu os visita com pensamentos puros. Mas tua presença levanta algumas idéias impuras em suas mentes, então, tu serás, em parte, responsável”. Proibiu-lhe de fazer peregrinações sem discriminação de tempo e companhia. Pediu-lhe que se encarregasse de dar alimentos a uns poucos santos, se dispusesse e recursos materiais. Sinalizando-lhe uma devota ali presente, disse-lhe: “Olha, ela aprendeu uma grande lição, enquanto visitava um lugar sagrado”. Citando um cântico, disse: “As peregrinações e excursões são a causa de sofrimentos. Oh, mente! Não te inquietes por essas coisas”. “Se sentes realmente desejo, podes alcançar muito mais em tua casa, mesmo”.
Um dia em que algumas devotas estavam criticando uma certa pessoa, a Mãe disse à discípula: “Não percas o respeito por ela. Lembre que foi ela quem te trouxe aqui pela primeira vez”.
A discípula queria adotar um menino. A Santa Mãe lhe fez notar sua própria dificuldade ao ter feito algo semelhante, com respeito a Radhu e acrescentou: “Nunca dê um passo semelhante. Cumpre sempre com teu dever para com os demais, mas teu amor, deve dá-lo somente a Deus. O amor humano sempre traz, com seu despertar, indizíveis aflições”,
Elogio à modéstia da mulher
A Mãe sentia-se melhor com o tratamento do Dr. Syamdas Kaviraya. Em uma tarde, várias devotas foram vê-la. Uma delas usava formosa roupa e adornos. Parecia estar muito intranqüila. Dirigindo-se às devotas, a Mãe disse: “Sabem vós que o único adorno da mulher é seu incômodo? Quando é oferecido aos pés da divina imagem, a flor sente-se mais bem-aventurada. De outro modo, é melhor para ela secar-se na planta. Causa-me muita pena quando vejo um homem elegante e asseado fazer um ramalhete de flores e leva-lo ao nariz exclamando: ‘Ah! Que delicioso perfume!’. Talvez no momento seguinte as atire ao chão e até chegue a pisoteá-las. Logo, nem sequer as olhe”. (Mais tarde, se supôs que, a muito tempo atrás, o marido dessa mulher, tão especialmente adornada, a tinha deixado e partido com rumo desconhecido).
PENSAMENTO SOBRE DIVERSOS TEMAS
Atos piedosos e época propícia
Uma vez um discípulo desejava fazer uma peregrinação a Banaras com sua mãe; mas ela não assentiu, porque não era época propícia. O discípulo falou disso à Santa Mãe. Em resposta, disse-lhe: “Filho meu, eles dizem que fazer peregrinações em tempo não propício, destrói o mérito de prévios atos piedosos. Mas, também é certo que deva-se cumprir todas as intenções piedosas o mais rápido possível”.
O discípulo não pode alcançar o sentido dessas palavras que, aparentemente, tinham um duplo significado. Vendo sua confusão, a Mãe aclarou: “Segundo a opinião de gente mundana, não é próprio visitar lugares sagrados quando não é tempo propício. É certo que alguém pode deixar de lado uma intenção piedosa, levando em conta que o tempo não seja propício, mas a morte não faz nenhuma distinção de tempo. Como ninguém sabe quando vem a morte, deve-se levar a prática, todas as vezes que se apresente a oportunidade, as intenções piedosas, sem esperar um tempo ou época em particular”.
Não se deve ter demasiada confiança
Um dia disse um discípulo à Mãe: “Mãe, nenhuma má idéia vem à minha mente”. Com um rápido gesto, ela não o deixou prosseguir e disse: “Nunca digas isto. Não se deve dizer semelhante coisa”.
Acerca de um falso
rumor, devoção, etc.
Nalini, que conversava com outras jovens, disse à Santa Mãe: “Bem, tia, que espécie de falso rumor (apavada) é bom?”. A Mãe disse: “Como pode dizer de um falso rumor, que é bom ou mau?”. Logo, em uma breve conversa, ela disse: “Mas eu penso que um falso rumor referente à riqueza é bom. Se alguém diz: ‘Tu és bem rico’, se sentirá interiormente feliz mesmo estando abatido ou aflito”. Então, a Santa Mãe mudou o tema: “Bem, já temos falado bastante disto. Podem dizer-me que é que alguém deve desejar de Deus?”.
Nalini: Por que, tia? Deve-se desejar o conhecimento divino, a devoção e outras coisas semelhantes que o façam feliz no mundo.
Mãe: Dito em poucas palavras, o que se deve desejar de Deus é que se tire todo o desejo, porque o desejo é o único que há na raiz de todo sofrimento. É a causa dos repetidos nascimentos e mortes. É o obstáculo que há no caminho da libertação”.
Uma discípula ortodoxa disse uma vez à Santa Mãe: “Mãe, estou surpresa de ver que aqui as jovens viúvas comem certos pratos proibidos da região onde eu moro. A sociedade se opõe a isso”.
Costumes sociais e
aspirantes espirituais
Mãe: Tu vês que estas são normas sociais e que variam nas diferentes partes do país. Em minha região, às jovens viúvas é permitida uma maior amplitude em questões de comida e adornos. Elas, naturalmente, desejam essas coisas. Se não lhes é permitido comer aquilo que lhes trazem em público, o comerão às escondidas. No caso mostra-se a elas, primeiro, certa brandura e gradualmente, que estão fazendo algo contra as prescrições sociais. Assim, elas podem deixar de faze-lo espontaneamente... Porém, não permitas que tua mente agite-se por detalhes triviais. Isso te fará esquecer o Mestre. Qualquer coisa que as pessoas digam, tu lembres o Mestre e faz o que considera correto. O Mestre disse: “Olha as pessoas como um verme”. Mas isso não deve se aplicado a todos. Só se aplica aos caluniadores e as pessoas de sórdidas tendências.
Na
última vez que a Mãe esteve em Yairambati, a cozinheira, que era da casta brahmin,
foi para ela uma noite, perto das nove horas, dizendo: “Mãe, toquei num
cachorro. Devo bahar-me”.
Pureza
A Mãe respondeu: “Já é muito tarde. É suficiente que laves as mãos e os pés e que troques o vestido”. A cozinheira exclamou: “Oh, não basta!”. A Mãe disse-lhe: “Então, salpica um pouco de água do Ganges sobre teu corpo”. Mas isso tampouco satisfez a cozinheira. No final, a Mãe disse: “Então, toque a mim”.
Observar
cuidadosamente
Uma vez a Mãe disse: “Quando vais de um lugar a outro, observa as coisas ao teu redor e te mantenhas informado do que acontece no lugar onde vives. Porém, tem teus lábios fechados”.
Enfrentando
dificuldades
Certo dia a Mãe disse a um discípulo: “Olha, filho meu, não é possível ter a certeza de que tu nunca terás que enfrentar certos riscos. Dificuldades sempre se apresentam, mas não perduram muito tempo. As verás passar como a água debaixo da uma ponte”.
A santidade da
cabeça
Certo dia Mini, o gato predileto de Radhu estava deitado num costado do pátio. Uma devota o acariciava com o pé. Fazendo isto, pôs o pé sobre a cabeça do gato, então a Mãe disse: “Oh, filha minha, que estás fazendo! A cabeça é o lugar do guru. Não se deve tocar a cabeça com o pé. Saúda o gato”. A devota disse: “Eu nunca soube disso. Hoje aprendi uma lição”.
Falar de bom modo
Um dia, em Yairambati, alguém usou palavras duras enquanto falava com a insana mãe de Radhu. Ao ouvir isso, a Mãe rebateu: “Não se deve ferir aos demais nem sequer com palavras. Não se deve falar, tampouco, sem necessidade, de uma verdade desagradável. Se alguém se deixa levar pelo emprego de palavras grosseiras, até mesmo o caráter se entorpece. Perde-se a sensibilidade e não se tem mais controle sobre o que se fala. O Mestre costumava dizer: “Não deve-se perguntar a um aleijado como foi que ficou aleijado”.
Mostrando respeito
a tudo
Uma manhã, enquanto a Mãe estava passando azeite pelo corpo, alguém estava varrendo o pátio. Depois de terminar, atirou a vassoura a um lado. Vendo isto, a Mãe disse: “Que é isso? Por que atirou tão descuidadamente a vassoura, depois se acabar o trabalho? O mesmo tempo se necessita para deixa-la com cuidado a um canto, que atira-la assim. Não se deve tratar com aspereza coisa alguma, por mais insignificante que seja. Se tu respeitas uma coisa, a coisa te respeitará. Acaso não vais necessitar de novo, da vassoura? Ademais, é também uma parte da família. Deste ponto de vista, merece ser tratada com consideração. Sim, até uma vassoura deve ser tratada com atenção. Até um trabalho insignificante deve ser cumprido cuidadosamente”.
Amor divino e amor
humano
Uma devota falou à Santa Mãe sobe uma amiga cuja frieza no carinho a fez sofrer. A isto, a Mãe disse: “Se amas a qualquer ser humano, terás que sofrer por eles. Bem-aventurado, realmente, é aquele que só ama a Deus. Não há sofrimento algum no amor a Deus”.
Serviço aos
grandes seres e seus riscos
Falando das transgressões em que incorrem os que servem aos grandes seres, a Santa Mãe disse: “Olha, quando se serve a um grande ser, pode-se cometer um erro. Pode acontecer assim: enquanto ele desfruta do privilégio de ocupar-se de tal serviço, cresce seu egotismo. Então deseja manejar, como a um boneco, a pessoa que serve. Deseja ter e exercer influência em tudo o que faz: comer, sentar-se ou levantar-se. Perde o espírito de serviço. Mas, por que deveria ser assim para aqueles que servem a seus superiores, esquecendo seu próprio bem-estar e que consideram seu prazer e sofrimento como seu próprio? E vós falais da caída do servidor! Muitas grandes almas se rodeiam de riqueza e esplendor. Isso atrai a muitos em ser seus servidores. Tais servidores se enjoam do gozo de sua situação e assim, preparam o caminho de sua própria ruína. Digam-me, quantos são capazes de servir, conhecendo o verdadeiro espírito de serviço!”.
Logo a Mãe ilustrou isso com uma parábola. Disse: “Quando a luz da lua cai sobre o lago, os peixinhos saltam em jubiloso gozo, crendo que a lua refletida na água é um deles. Mas quando a lua se oculta, eles seguem sendo com eram. Depois de desfrutar intensa alegria, caem num estado de depressão. Eles não podem compreender o que passou”.
Sua
responsabilidade como guia espiritual
Uma vez, um devoto, ao ouvir a Santa Mãe dizer que logo deixaria o corpo, sentiu-se sumamente deprimido, pensando que ficaria desamparado depois que isso ocorresse. Para infundir-lhe ânimo, a Mãe disse-lhe: “Crês que mesmo quando este corpo desaparecer, poderei ficar livre, a menos que cada um daqueles, cuja responsabilidade tomei sobre mim, alcance sair do cativeiro? Tenho que viver constantemente com eles. Me foi dado o peso por completo de todas as coisas, boas ou más, a respeito deles. É acaso pouca coisa dar a iniciação? Que tremenda responsabilidade temos que aceitar! Quantas angústias temos que passar por eles! Tu mesmo podes ver. Teu pai faleceu e isso me fez sentir, em seguida, grande preocupação por ti. Pensei: Como é que o Mestre o põe a prova, outra vez? Oro constantemente para que possas sair logo dessas penosas provas. Por esta razão tenho aconselhado tudo isto. Podes compreender todas as coisas que te digo? Se puderes, isso aliviaria enormemente minha preocupação. Sri Ramakrishna está jogando com Seus diferentes filhos, de diversas maneiras, mas sou eu quem deve suportar os impactos. Não posso deixar de lado, não mais, a quem aceitei como meus próprios”.
ÍNDICE
E GLOSSÁRIO
Pág.
Prefácio, por Swami Vijoyananda
INTRODUÇÃO A PRIMEIRA EDIÇAO EM INGLÊS, por Swami Nikhilananda
PRIMEIRA SÉRIE (tomado das páginas de um diário escrito por uma discípula)
SEGUNDA SÉRIE (são páginas escolhidas do diário de um discípulo monástico)
TERCEIRA SÉRIE (páginas tomadas de diários de vários discípulos, monges e chefes de família)
TEMAS VARIADOS PARA RECORDAR
Vendo o bem até no mal – Sobre a educação e o matrimônio das jovens – Utilidade do trabalho (atividade) – Recordando Sri Ramakrishna – A mulher deve cultivar a doçura – Adoração das imagens – Educação da mulher – Alguns ensinamentos espirituais – Sattwa (calma, pureza), qualidade que conduz à renúncia – A devotas estão acima das regras de casta – Como servir a Imagem Divina no templo – Como cantava Sri Ramakrishna – Os casados e a vida espiritual – Reverência para com o guru – Nem mesmo as pequenas coisas se devem gastar mal ou desperdiçar – Cumpramos nossas dívidas com todos – A realização de Deus e a graça divina – Significado do sofrimento - Confissão e absolvição de todos os pecados – Que há no dinheiro? – Sobre Swami Premananda – Contraste entre um grande ser e um homem comum – Os discípulos monásticos de Sri Ramakrishna – Sofrimentos no ministério espiritual – Espíritos desencarnados, sua libertação – Todas as coisas mundanas são ilusórias – O almiscareiro e a imanência de Deus – Prática espiritual e realização de Deus – Como deve ajudar o devoto ao monge – o ideal monástico – Necessidade de autocontrole para os chefes de família – Seus parentes e sua vida familiar – Controle da mente e realização de Deus – Seu afeto para com os pobres – Sobre práticas e experiências espirituais – A iniciação é necessária – Função da mente no desenvolvimento espiritual – o amor divino e os iswarakotis – A renúncia e a realização de Deus – A razão e a realização de Deus – Yapam, controle dos sentidos e realização de Deus – O amor extático e a realização de Deus – Caridade – Só os laços do amor podem ligar a Deus – Os desejos e a reencarnação – a vida monástica e a vaidade – Realização de Deus e graça Divina – Deus e o problema do sofrimento – Prática de yapam com os dedos – O mistério do Karma e a vontade Divina – As práticas espirituais podem atenuar os efeitos de nossos pecados – A vida depois da morte – O estado de não-dualidade – Sri Ramakrishna adorando sua própria fotografia – A presença do Mestre – A deidade participa das oferendas – Graça Divina; Deus é o mais íntimo de nós mesmos – O desejo é o que sustenta o corpo – o Nirvana e outros estados de salvação – Os iswaras podem voltar do Nirvana – Os desejos e a salvação - Aceleração da evolução espiritual – Significado da realização de Deus – Reconhecimento de que Deus é “o mais íntimo” – A Renúncia do Mestre – Estado espiritual dos que morrem não conscientes – Um chefe de família pode ser iswarakoti – Um verdadeiro guru só inicia por compaixão – Ardente desejo por Deus – A renúncia de Sri Ramakrishna – A realização espiritual depende da Vontade Divina – Significado dos sofrimentos do Mestre – Lugar que ocupa o trabalho na vida espiritual; justificativa das atividades da Ordem de Ramakrishna – Os desejos são reais e aparentes – o aspirante tem a proteção Divina – Os efeitos do karma são inevitáveis, mas as práticas espirituais podem mitiga-los – A pureza depende da mente – A morte em Banaras (Benares) conduz à salvação – Às vezes as escrituras não são guias seguros – A verdade e a salvação – A glória da personalidade do Mestre – Acerca do alimento puro e impuro – O progresso espiritual é gradual – Estão qualificados os Sudras e as mulheres para levar vida monacal? – Não é bom morrer de uma doença pela qual não se fez nenhuma penitência – O Mestre com relação ao Ideal Escolhido – olhar a fotografia do Mestre se não se pode concentrar – Até onde se deve observar as regras de pureza sobre a comida? – A obsessão sobre a pureza é sinal de impureza mental – Entrega a Deus e disciplina espiritual – Deus, o único prazer da vida – O dever do sanniasin (monge) – Orar ao Senhor – Um devoto zangado com Deus – A graça de Deus comparada aos raios do sol – Por que o homem não tem a visão de Deus – O yapam (repetiçao do mantram) de um devoto de mente pura - A juventude é a época apropriada para as práticas espirituais –o yapam faz firme a mente e a dirige para Deus.
AS PRÁTICAS ESPIRITUAIS EM
GERAL
Pranaiama, peregrinações e kundalini – Distração mental e yapam – Lugar para fazer as práticas espirituais – Trabalho e práticas espirituais - Práticas de asana (postura correta) e pranaiama (controle do prana por meio de exercícios respiratórios) – Objeto da vida – o guru (guia espiritual) e Deus – Visões e desenvolvimento espiritual – Culto e deveres – Caídas no caminho espiritual, egotismo e vontade Divina – Necessidade das disciplinas espirituais – Conhecimento de Brahman – Controle da mente – Fé e erudição – Caminho para a libertação – Submissão à vontade de Deus e progresso espiritual – Ausência de um fervoroso desejo na vida espiritual – Libertação e devoção – Desejo por realizar a Deus.
TRABALHO E MEDITAÇÃO
Deve-se combinar o trabalho com a meditação – Riscos de levar uma vida de exclusiva meditação – O trabalho (ação) é tão sagrado como a austeridade.
YAPAM
Adoração e yapam – Como praticar yapam – Repetir o mantram diariamente um número fixo de vezes – Concentração e yapam – Eficácia da repetição do Nome de Deus com concentração – Fazer yapam contando com os dedos – O horário e a regularidade da prática espiritual – O yapam enquanto se viaja – O yapam e o progresso espiritual.
GRAÇA DIVINA
Austeridade e graça Divina – Deus não é algo que possa ser comprado – A graça Divina opera lentamente – Graça Divina e prática espiritual – Meditação, trabalho e graça Divina – A graça Divina no momento de morrer
VIDA DE PUREZA E RENÚNCIA
A glória da renúncia – Conselho da mãe de um monge – Exortação a um aspirante indeciso – Vida monástica e vida no lar – Matrimônio ou renúncia? – Elogio da renúncia interior.
O IDEAL DA SANNIASA
Salvaguarda na vida do sanniasin (monge) – Livre de ciúmes e apego – Instrução e vida monástica.
ACERCA DO KARMA
Deus, karma e sofrimento – Yapam e mitigação do karma
ACERCA DE SRI RAMAKRISHNA
Sua adesão à verdade – Sua Divindade – Oferenda de alimentos ao Mestre – oração ao Mestre – Oração ao Mestre e alcance do amor extático – Mantram e culto.
CONSELHOS
A um jovem de inclinações espirituais – A um jovem devoto chefe de família – A uma discípula viúva – Elogio a modéstia na mulher.
PENSAMENTOS SOBRE DIVERSOS TEMAS
Atos piedosos e épocas propícias – Não se deve ter demasiada confiança – Acerca de um falso rumor, devoção, etc. - Costumes sociais e aspirantes espirituais – Pureza – Observar cuidadosamente - Enfrentando dificuldades – A santidade da cabeça – Falar de bons modos – Mostrando respeito a tudo – Amor Divino e amor humano – Serviço aos grandes seres e seus riscos – Sua responsabilidade como guia espiritual.