CONCEPÇÃO DE DEUS NOS VEDAS
BRAHMAN (DEUS)
Desde o início, o hinduísmo vem
evoluindo. Acredita-se que num estágio inicial, os ancestrais dos hindus tenham
sido politeístas. A terra, a água, o fogo, o vento, o céu, o sol, o amanhecer,
a noite e a tempestade eram todos deificados e adorados como deuses. Mas
enquanto os deuses eram glorificados pelos hinos védicos, as pessoas
dirigiam-se e referiam-se a cada um desses deuses como sendo o Deus Supremo, o
Senhor de todos os deuses, e o criador deste universo.
Gradualmente,
a mente indo-ariana descobriu um denominador comum por detrás dessa
multiplicidade de deuses. O hino Nāsadīya,
ou o “hino da criação”, do Rig-Veda, nos conta numa linda e poética linguagem a
respeito de um único e primordial princípio, extremamente abstrato, designado
como AQUILO, a partir do qual o mundo
inteiro evoluiu. Esse princípio é a pura consciência, ou puro espírito. Está
além do mundo do espaço e do tempo, além da multiplicidade, insondável e
impossível de ser conhecido por mentes humanas comuns. Tal princípio já existia
antes mesmo que os deuses, os homens, ou qualquer outra coisa na criação
existisse, e é a partir desse princípio único que o mundo dos Muitos evoluiu. A
genialidade indo-ariano finalmente chegou Àquele que é a única causa de tudo, o
Único Deus, que em sânscrito védico chama-se Brahman. Após essa realização divina, os textos védicos
repetidamente ecoaram a verdade a respeito da unidade de Brahman.
As
afirmações védicas como: “Ekam sad viprā bahudhā vadanti”-
“Apenas Um existe, e os sábios chamam-No por vários nomes”, não só enfatiza
a unidade de Deus, mas também cria
uma firme fundação para a universalidade e a tolerância no hinduísmo. A idéia
de harmonia entre as religiões é um ingrediente fundamental do hinduísmo. O
grande sábio Manu declarou: “A pessoa deve conhecer o Espírito Supremo que tudo
governa, mais sutil que o mais sutil, de gloria resplandecente, capaz de ser
realizado pela meditação daqueles de mente pura. Alguns chamam-No Agni (o Fogo), outros chamam-No Manu (o Pensador), ou Prajāpati (o Senhor das criaturas),
Indra (o Glorioso), Pranā (a Fonte da vida), e o eterno
Brahman (o grandioso).
NIRGUNA
BRAHMAN (Deus Impessoal)
Se
perguntarmos, “Quem existia antes da criação?”, a resposta lógica será “apenas
o criador existia, ou Deus”. Mas se perguntarmos, “Como era Deus antes da
criação?”, então a resposta do hinduísmo será que Deus, antes da criação,
estava em seu estado de existência transcendental. Aqui, a palavra
“transcendental” significa que a existência de Deus estava além do nosso tempo,
espaço e causalidade. O hinduísmo sustenta que quando Deus criou o mundo, Ele
também criou o tempo e o espaço. Portanto, a existência pré-criação deve estar
além do tempo e do espaço, pois esses pertencem exclusivamente a este mundo.
A
existência de Deus nesse estado pode ser chamada de “a verdadeira existência de
Deus”. Nesse estado Deus está além de todas as limitações que são impostas pelo
tempo, pelo espaço e pela causalidade. Deus nesse estado transcendental é
eterno, infinito e imutável.
No
hinduísmo, Deus, em seu estado transcendental de existência chama-se Nirguna
Brahman, ou o Espírito Supremo, o Brahman Supremo, o Deus impessoal e
sem atributos. Nirguna Brahman não pode Ter uma personalidade, pois a
personalidade é uma limitação. Não tendo uma personalidade, Nirguna Brahman
está também além de gêneros. Assim, os pronomes “Ele” ou “Ela” não podem ser
usados para denotar Nirguna Brahman. Os Vedas usam o pronome neutro do sânscrito
“Tat”, que em português eqüivale ao pronome demonstrativo “Aquilo”, indicando
que Nirguna Brahman não é nem masculino, nem feminino.Exemplo: Tat tvam asi - Isto é Aquilo
(Brahman);
Ao
transcender o espaço, Nirguna Brahman é Infinito. Ao transcender o tempo,
Nirguna Brahman é Eterno. Livre das constantes mudanças geradas pela
causalidade, Nirguna Brahman é imutável.
O
hinduísmo também usa expressões como “Verdade Absoluta”, “Consciência” e
“Bem-aventurança Infinita” para designar Nirguna Brahman. Mas independente dos
termos usados, Nirguna Brahman jamais pode ser descrito adequadamente através
de palavras e expressões finitas, pertencentes ao nosso mundo de limitações.
Nirguna Brahman é indescritível. O grande santo e filósofo hindu, Shankarāchārya,
diz que afirmações védicas tais como Sat-Chid-Ānandam–“Brahman é a
Existência Eterna, o Conhecimento Absoluto e a Bem-aventurança Infinita”- são
apenas dicas a respeito da natureza de Nirguna Brahman, nunca uma descrição Daquilo.
SAGUNA
BRAHMAN (Deus Pessoal)
Quando uma
pessoa, com a sua mente finita, tenta pensar no infinito Brahman, sem saber,
projeta as limitações de sua mente finita em Nirguna Brahman. Resultando disso,
Nirguna Brahman parece tornar-se finito para ela, pois a mente humana só pode
pensar em termos humanos, e sem saber
projeta caraterísticas, ou qualidades, em Nirguna Brahman, que assim adquire
uma personalidade que lembra muito uma personalidade humana, não importa o quão
glorificada. Nirguna Brahman impessoal parece tornar-se o Brahman pessoal, ou
Deus pessoal. Na realidade, Nirguna Brahman não sofre qualquer mudança ou
modificação, e o Deus pessoal não é diferente do Deus impessoal , ou Nirguna
Brahman, só que experienciado através do véu do tempo, do espaço e da causalidade...
O Deus
pessoal no hinduísmo chama-se Saguna
Brahman, ou Īshvara. Para o
homem que está no mundo do tempo, espaço e causalidade, Īshvara, ou Saguna
Brahman é o criador deste mundo. Ele é onipotente, onisciente e onipresente.
Através da Sua mera vontade, Ele se manifesta como esse universo multifacetado Nele,
Ele está além do bem e do mal do mundo.
Īshvara é não somente o criador, mas também o preservador e o
destruidor. A criação, a preservação e a
destruição andam de mãos dadas neste mundo. Īshvara, portanto, tem esses
três aspectos básicos, que são: (1) o aspecto criador, (2) o aspecto
preservador, (3) o aspecto destruidor. Esses aspectos básicos de Īshvara
chamam-se Brahmā, Vishnu e Shiva, respectivamente. Quando Īshvara
cria, Ele chama-se Brahmā,
enquanto Ele preserva, Ele chama-se Vishnu, e quando Ele destrói, Ele
chama-se Shiva. Īshvara não é
masculino ou feminino, embora os hindus vejam-No como pai e mãe, e de acordo
com a atitude mental do devoto, este pode também estabelecer outros tipos de
relacionamento com Īshvara. Eles podem vê-Lo como um amigo, como uma
criança, e até mesmo como um marido, pois tais relacionamentos não são nada
além de projeções mentais em Īshvara. Muitas das grandes santas do
hinduísmo consideravam-se casadas espiritualmente com Deus, e viam-No como
sendo o seu Marido Divino. Algumas santas viam Deus como sendo uma Criança
Divina. Muitos santos do hinduísmo, como Kamalākānta,
Rāmprasād, Srī Rāmakrishna e outros, viam Deus como sendo a
Mãe Divina. Tais relacionamentos eram puramente mentais e completamente livres
de qualquer associação com o corpo físico.
De acordo
com Srī Rāmakrishna tais atitudes para com Deus podem gerar
sentimentos de grande intimidade entre Deus e o devoto, e assim apressar a
realização de Deus.