Karma Yoga
A Educação da Vontade
Swami Vivekananda
Índice
ÍNDICE
1
PREFÁCIO
2
SWAMI
VIVEKANANDA 3
CAPÍTULO
1 - KARMA E SEUS EFEITOS SOBRE O CARÁTER 3
CAPÍTULO
2 - CADA UM É GRANDE EM SEU PRÓPRIO MEIO 7
CAPÍTULO
3 - O SEGREDO DO TRABALHO 13
CAPÍTULO
4 - O QUE É O DEVER 17
CAPITULO
5 - NÃO É AO MUNDO QUE AJUDAMOS, E SIM A NÓS MESMOS 20
CAPÍTULO
6 - DESAPEGO E ABNEGAÇÃO COMPLETOS 23
CAPÍTULO
7 - LIBERDADE 28
CAPÍTULO
8 - O IDEAL DE KARMA-YOGA 33
1
SWAMI
VIVEKANANDA, discípulo dileto do famoso místico hindu, Sri Ramakrishna, é um
pensador também filho da índia, que se impôs ao mundo por sua cultura,
alicerçada numa salutar filosofia prática e aureolada por uma alta
espiritualidade. Seu renome refulgiu com mais intensidade e amplitude depois da
Conferência das Religiões, realizada nos Estados Unidos em 1903, que reuniu os
mais notáveis representantes de religiões da época. Ali Vivekananda se destacou
por sua serenidade, sabedoria e lucidez mental.
Conferencista notável
e autor de várias obras sobre Yoga e temas filosófico-sociais, considerada por
muitos um verdadeiro roteiro para quem quer que aspire a ser senhor e não
escravo de suas ações, e se disponha a discipliná-las para torná-las mais
inteligentes e eficientes.
Karma significa,
sinteticamente, ação, e Yoga, união. Todo ser humano há de ter um ideal na
vida' seja de família, pátria, humanidade ou Deus, e por meio de Karma Yoga ele
pode unificar-se e integrar-se em seu ideal. Por isso, toda esta obra gira em
torno da maneira como pode e deve cada qual cumprir o seu dever nesse sentido e
aumentar sua eficiência e utilidade ' qualquer que seja a sua vocação e
objetivo.
Sob o ponto de vista
cristão, Karma Yoga interpreta e desenvolve o incisivo pensamento de São Paulo:
"A fé sem obras é morta". Uma das grandes dificuldades de todos é
levar sua teoria à prática, sua crença à realização. Pois nesta obra terão uma
chave que lhes poderá abrir o portal. para essa consecução. Essa chave está ao
alcance de todos, qualquer que seja a sua concepção da vida, a sua capacidade e
a sua posição social. Basta que queiram aumentar a sua eficiência, ampliar sua
atuação e encurtar o caminho de seus esforços em busca do êxito.
Toda ação, para ser
positiva, obedece a leis fixas e imutáveis, que, se desatendidas ou omitidas,
podem levar-nos ao fracasso e a decepções inevitáveis. Karma Yoga significa
ação positiva, correta, aplicada segundo as mais sábias leis da vida. Estudá-la
é aprofundar o conceito da vida. Praticá-la é fortalecer o seu caráter,
desenvolver a sua capacidade pessoal, e valorizar o seu Eu. Eis o que o leitor
aprenderá nestas páginas.
Prefácio
Desde remotas eras, a vida espiritual ou religiosa tem sido
interpretada como incompatível com a vida social ou material. Os filhos de
Deus" não deviam misturar-se com os "filhos do homem", e
vice-versa.
Os místicos em geral eram acoimados de sonhadores ou
lunáticos, abstratos, indiferentes e alheios ao mundo onde nasciam, viviam e
comiam. Ao passo que seus acusadores se diziam indivíduos práticos, de pés
firmes Pia terra e integrados nos deveres impostos pela vida social ou
material. Entre os povos, o hindu tem sido o mais-particularmente focalizado
por essa crítica, pois que em regra ele se absorve na vida religiosa ou mística
com o mesmo ardor com que o ocidental se empolga, por exemplo, pela política ou
uma partida esportiva.
Todavia, a crítica imparcial discerne sem dificuldade que o
erro tanto pode estar com o místico como com o prático, ao exagerar cada qual
as suas próprias convicções e excluir de sua conduta outras leis igualmente
importantes da vida, sem cuja observância não pode haver a harmonia que traz a
verdadeira felicidade. Errado anda o místico que, aborrecido do mundo, o
considera uma simples tentação ou ilusão, e o abandona para desaparecer num mosteiro
ou floresta e ali mergulhar-se na calma vida contemplativa por meio da
automortificação e oração. Errado também se mostra o prático que, nada
alcançando além dos sentidos, toma este mundo como a única dádiva de Deus ou do
homem, e os resultados imediatos e utilitários como o mais positivo objetivo da
vida.
Ambos esses encarnam extremadas concepções mentais, que
finalmente lhes acarretarão fatal sofrimento ou fracasso. A verdade meridiana
se ergue eqüidistante entre essas duas concepções, e é da conjugação destas que
depende a salvação ou felicidade perdurável do indivíduo.
Mas como desvendar essa verdade? Eis o que poderá o leitor
aprender nas lúcidas páginas que seguem, escritas por um notável filósofo
hindu, que soube aliar magistralmente o senso místico oriental ao pendor
prático do ocidental. Além de revelarem essa verdade, mostram ser o hindu um
indivíduo "prático" na lídima acepção da palavra, pois sabe como
coordenar a vida espiritual com a material, e como se pode comportar espiritualmente
num mundo material, sem necessidade de embrenhar-se em bosques ou
enclausurar-se em mosteiros.
2
Em
última análise, "Prático" não é o indivíduo imediatista, que se
esquece de que "nem só de pão vive o homem", como remístico "
não é quem ignora que não se encarnam neste mundo para viver fora dele.
“Prático” no real sentido, é quem seja capaz de ser "filho do homem"
mas também "filho de Deus” de “dar a César o que é de César e a Deus o que
é de Deus"; enfim, de atuar neste mundo como o faz toda pessoa inteligente
num país estrangeiro, onde cumpre seus deveres mas tem seu coração preso à
pátria distante. Esse é o karma-yogue.
Eis, em resumo, o que
é Karma-Yoga, a lição que aprendemos do brilhante autor desta obra, já
traduzida em muitas línguas e que agora brindamos aos leitores do nosso
vernáculo. È uma réstia de luz a mais projetada numa época em que o mundo sonha
com um melhor padrão econômico, cultural e espiritual para seus habitantes.
Nosso escopo é contribuir deste, modo para que essa lição seja sábia e
proveitosamente assimilada por todos.
Swami
Vivekananda
"Ide a Calcutá e tereis um filho", tais foram as
palavras ouvidas em sonho, no templo de Visvevaránata, em Benares, por uma mãe
penitente e sem filhos.
Narendranatb Dutt (Vivekananda) nasceu em Calcutá, a 12 de
janeiro de 1863. Seu pai, que era advogado notável e político influente,
deu-lhe a melhor educação possível, de acordo com os princípios modernos,
Desde mui jovem, Vivekananda foi atraído pela religião e a
filosofia; devido, porém, à sua cultura ocidental, tinha o espírito cheio de
dúvidas. Há um Deus? É este mundo todo ilusão ou realidade? Estas perguntas
oprimiam seu cérebro, sem poder alcançar uma resposta satisfatória. A
incredulidade e a sede do divino, alternativamente, tomavam posse de seu
intelecto.
Foi neste período de sua vida que um amigo o levou a Sri
Ramakrishna, que reconheceu de momento o futuro grande homem que ia comover o
mundo.
Em tom sarcástico, perguntou o jovem: "Há um Deus?"
"Sim, meu filho", respondeu Ramakrishna, colocando seus dedos sobre o
coração do jovem; e, com isto, desapareceu o jovem céptico Narendra e nasceu
Vivekananda, o sacerdote e profeta da humanidade.
O tumulto de seu coração se havia acalmado, pois nascera a
certeza que lhe permitiu declarar mais tarde, no Congresso das Religiões: ' Eu
vi Deus, conheci a Verdade".
Vivekananda graduou-se aos 19 anos e se destinava a seguir a
carreira da advocacia; porém Ramakrishna o dissuadiu disso. Por morte do seu
pai, viveu com seu mestre até o falecimento deste, submetendo-se às severas
disciplinas das diferentes Yogas.
Em 1893, como Delegado ao Congresso das Religiões, em
Chicago, apareceu, pela primeira vez, ante um público ocidental, empregando,
daí por diante, seu tempo a ensinar no Ocidente a verdadeira filosofia
oriental. Como fruto de suas conferências, nasceu o extraordinário movimento
espiritualista que se nota nas Américas do Norte e do Sul.
Vivekananda passou os últimos dias de sua vida num mosteiro
de Calcutá e morreu a 4 de julho de 1902.
Capítulo 1
- Karma e seus efeitos sobre o caráter
A palavra karma se deriva do sânscrito kri, fazer; toda ação
é karma. Tecnicamente, esta palavra quer dizer: os efeitos das ações.
Metafisicamente é usada com o seguinte significado: é o efeito provocado por
nossas ações anteriores. Porém em Karma-Yoga só tratamos da palavra karma como
eqüivalente de ação. A meta da humanidade é o conhecimento; este é o ideal
unívoco da filosofia oriental.
O propósito do homem não é gozar, e sim conhecer. A
felicidade tem seu fim. É um erro supor que o prazer é a meta. O motivo das
misérias do mundo está em o homem pensar ingenuamente que o prazer é a
finalidade que ele deve buscar. Depois de algum tempo, ele descobre não ser à
felicidade porém ao conhecimento que se dirige; compreende que tanto o prazer
como a dor são seus mestres e que tanto aprende através do bem como do mal.
3
O
desfilar do prazer e da dor ante sua alma lhe sulca diferentes traços, e estas
impressões combinadas formam o seu "caráter". Se considerardes o caráter
de um homem, notareis que ele não é mais do que um agregado de suas tendências,
a soma das ou inclinações de sua mente; achareis que a desgraça e a felicidade
são fatores eqüivalentes na formação de seu caráter. O bem e o mal atuam de
forma semelhante na formação do caráter.
Em certas ocasiões a
desgraça é melhor mestre do que a felicidade. Se estudássemos os grandes
caracteres, chegaríamos a crer que na maioria dos casos a desgraça lhes ensinou
mais do que a felicidade; que a pobreza lhes ensinou mais do que a riqueza, e
que foram os reveses mais do que os elogios o que lhes despertou o fogo
interior.
Sabemos, porém, que
este conhecimento é inato; nada nos vem do exterior; tudo está no interior.
Quando dizemos que um homem "conhece", deveríamos dizer que ele
"desconhece"; o que um homem "aprende" é em realidade
apenas aquilo que ele descobre ao tirar as envolturas de sua alma, a qual é um
depósito inesgotável de conhecimentos.
Dizemos que Newton
descobriu a gravitação. Estaria ela por acaso oculta em algum lugar à sua
espera? Não. Estava em sua própria mente; chegou o momento determinado e ela se
descobriu. O conhecimento que o mundo possui como um tesouro provém da mente; a
grandiosa biblioteca do universo está oculta em vossa própria mente. A queda de
uma maçã chamou a atenção de Newton, e então ele estudou a sua própria mente;
pôs em ordem os seus pensamentos e descobriu um novo, ao qual denominou “lei de
gravitação". Isto não estava na maçã nem em lugar algum. Portanto, todo
conhecimento mental ou espiritual está na mente. Em muitos casos ele permanece
oculto até que sua cobertura vai se retirando pouco a pouco e então dizemos que
"estamos aprendendo".
O progresso no
conhecimento é o resultado do processo de descobrir. O homem em que se vai
levantando este véu, é o que mais conhece; naquele em que o véu se mantém
caído, é ignorante, e quem conseguiu erguê-lo de todo, chegou a onisciência.
Sempre existiram homens oniscientes e espero que haverá milhares deles nos
séculos futuros.
O conhecimento está na
mente como o fogo está na pedra. É a fricção que o faz brotar. O mesmo acontece
com os nossos sentimentos e ações: sorrisos e lágrimas, alegrias e tristezas,
gargalhadas e gemidos, maldições e bênçãos, elogios ou censuras. Se nos
estudássemos com imparcialidade, veríamos que cada um deles surgiu do nosso
interior, por um impulso provocado por golpes exteriores. O resultado é aquilo
que somos. A reunião de todos estes golpes é o que chamamos Karma, ou ação.
Cada impulso mental ou físico dada à alma, através do qual é provocada a
chispa, e que se apresenta como poder e conhecimento, é, karma; usando a
palavra em seu sentido mais amplo, estamos sempre acumulando karma. Quando
estou falando, é karma; os que me escutam, é karma; respiramos Karma; andamos,
karma. Tudo quanto fazemos física ou mentalmente e deixa suas marcas em cada um
de nós, é karma.
Há certas ações que
são como uma reunião, a soma total de um grande número de ações pequenas. Se
nos aproximarmos das costas do mar e escutarmos as ondas arrebentarem-se contra
as rochas, percebemos um grande barulho; no entanto, uma onda está formada por
milhões de pequeninas ondas, cada uma das quais percebemos um ruído
característico que nós não percebemos; a única coisa que ouvimos é o conjunto
de todas elas. Do mesmo modo, cada batida do coração é uma ação; certas ações
as sentimos e se tornam tangíveis para nós, sendo, no entanto, nada mais do que
uma reunião de pequenas ações. Se desejais conhecer o caráter de um homem, não
vos detenhais em seus grandes atos. Qualquer néscio pode se converter em herói
em certas circunstâncias. Observai um homem quando executa suas ações comuns e
insignificantes; essas são em verdade as que revelam o seu verdadeiro caráter,
ou o caráter de um grande homem. As grandes ocasiões fazem grande o mais vulgar
dos homens, porém só é grande aquele cujo caráter é sempre grande, sempre igual
em todos os momentos.
Em seus efeitos sobre
o caráter, o karma é o poder maior que o homem tem que enfrentar. O homem é de
certo modo um centro que atrai para si todos os poderes do universo, e uma vez
reunidos, os emite novamente numa poderosa corrente. Este centro é o homem
real, o onipotente, o onisciente, e atrai a si todo o universo. Bem e mal,
felicidade e miséria, tudo corre para ele e se reúne ao seu redor, e modela a'
poderosa corrente das tendências que formam o seu próprio caráter, e as atira
para o exterior. Assim como tem o poder de atrair, tem também o poder de
emitir.
Todas as ações que
vemos no mundo, os movimentos sociais, tudo quanto nos rodeia, não representa
nada mais do que o produto do pensamento, a manifestação da vontade do homem.
Máquinas, instrumentos, cidades, tudo é manifestação da vontade humana; e a
vontade resulta do caráter, e o caráter é ação do karma. Como é karma, é a manifestação
da sua vontade.
4
Os
homens de vontade poderosa têm sido grandes trabalhadores; almas gigantescas
dotadas de uma vontade capaz de arrancar os mundos de suas órbitas, e' essa
vontade foi adquirida mediante um trabalho persistente efetuado durante
séculos. A vontade de um Buda ou de um Jesus não podia ser adquirida em uma só
vida. Sabemos quem foram. seus pais, porém, nada nos prova que eles tivessem
pronunciado uma só palavra em benefício da humanidade.
Milhões de
carpinteiros como José têm existido, milhões vivem ainda. Têm existido no mundo
milhões de pequenos reis corno o pai de Buda. Se somente se tratasse de uma
transmissão hereditária, como explicar que esse rei, que não foi obedecido nem
pelos seus criados, fosse pai de um filho a quem meio mundo adora? Como
explicar o abismo que medeia entre o carpinteiro e seu filho, a quem milhões de
seres humanos adoram como um Deus? A resposta escapa à teoria da
hereditariedade. Donde lhes veio a gigantesca vontade que Buda e Jesus
impuseram ao mundo! Donde provém o acúmulo de poder?
Deve ter estado neles
presente durante idades sem conta, crescendo sempre, até que para o bem da
sociedade apareceu um Buda, e depois um Jesus que continua expandindo Seu poder
através de nossos dias.
Tudo isto é produto do
karma, isto é, ação. Ninguém pode obter coisa alguma, a não ser merecendo-a.
Esta é uma lei eterna. Um homem pode lutar toda a sua vida para conseguir
riquezas, pode enganar a mil pessoas, porém no fim, se não merece ser rico, sua
vida se torna insuportável. Podemos acumular milhares de objetos para o nosso
bem-estar físico, porem só o que merecemos é realmente nosso. Um néscio pode
comprar todos os livros do mundo e ordená-los em sua biblioteca, porém só será
capaz de ler aqueles que merece; e este merecimento é resultado do karma. Nosso
karma determina o que merecemos e o que somos capazes de assimilar.
Somos responsáveis
pelo que somos e podemos nos converter naquilo que desejamos ser. O que somos
agora é resultante de nossas ações passadas. Devemos atuar bem no presente, a
fim de modelar resultados bons para o futuro que ambicionamos. Direis:
"qual é a utilidade de aprender a atuar? Cada qual faz como quer".
Porém não devemos desperdiçar nossas energias. Falando sobre Karma-Yoga, o Bhagavad-Gita
diz que devemos executar todo trabalho com habilidade, como se fosse uma
ciência; sabendo-se como trabalhar, obtêm-se os maiores resultados. Deveis
recordar que a ação não é nada mais do que a exteriorização do poder da mente '
que já existia nela. O poder está dentro de cada homem, da mesma forma que o
conhecimento. As ações são golpes que o despertam e o fazem surgir.
O homem se move por
vários motivos; não pode haver ação sem um motivo que a determine. Algumas
pessoas desejam ser famosas e trabalham para isso. Outras ambicionam dinheiro e
lutam por ele. Outras buscam poder e se esforçam por alcançá-lo. Há as que
desejam o céu e tentam conquistá-lo. Há as que querem imortalizar seu nome.
Isto não acontece na China, onde nenhum homem consegue um título em vida; é um
costume melhor de que o nosso, apesar de tudo. Na China, quando um homem se
revelava em qualquer coisa, davam-lhe um título de nobreza a seu pai já morto,
ou a seu avo.
Os militantes de
certas seitas maometanas trabalham toda a vida para obter um túmulo importante.
Conheço seitas em que,
quando nasce uma criança, já lhe preparam um túmulo. Segundo eles, este é o
maior trabalho do homem, e quanto maior e suntuoso for o Túmulo, tanto mais
rico se supõe que o homem é. Outros fazem benefícios; depois de cometerem toda
a classe de maldades, levantam um templo ou dão dinheiro aos sacerdotes para
que lhes assegurem um lugar no céu. Pensam que esta dádiva os purificará e
assim receberão o perdão de suas culpas.
São estes os motivos
que levam o homem a agir. Há, porém, aqueles que trabalham por amor ao
trabalho. Em cada país existe uma elite que trabalha só por amor ao trabalho,
sem se preocupar com recompensa alguma. Trabalha simplesmente porque o trabalho
lhe faz bem. Há outros que beneficiam os pobres e a humanidade por motivos mais
elevados; só por amor ao bem. Quando se pretende o renome ou a fama, raras
vezes se consegue resultados imediatos, pois geralmente eles são alcançados
quando já estamos velhos e fatigados desta vida.
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Se
um homem trabalha sem motivo egoísta, será que não ganha coisa alguma? Sim,
ganha algo de mais elevado. O altruísmo é a maior recompensa, melhor mesmo do
que a saúde, porém os homens não têm paciência de praticá-lo. Amor, verdade e
altruísmo não são meras figuras de retórica, sem as realidades que devem
constituir nosso mais elevado ideal, mesmo que seja apenas pelo poder que estas
qualidades lhe conferem. Primeiramente, um homem que trabalha cinco dias ou só
cinco minutos sem nenhum motivo egoísta, sem pensar no futuro, no céu, nem no
castigo, chegará a ser um poderoso gigante moral.. É difícil de se levar isto à
prática, porém, em nosso íntimo reconhecemos o seu valor e o bem que produz.
Quando o homem se
torna impessoal, possui a maior manifestação de poder. Um carro arrastado por
quatro cavalos pode precipitar-se de uma montanha, estando sem freios, ou pode
também o cocheiro brecá-lo. Qual a maior manifestação de poder: refrear os
cavalos ou deixá-los precipitar-se? Uma bala de canhão atravessa o espaço,
corre uma distância considerável e cai; outra é detida por uma parede, e o
choque gera um calor intenso. Toda manifestação de energia impulsionada por um
motivo egoísta, é uma delapidação, pois não produzirá poder que volte ao seu
agente; porém, se ela for contida, desenvolverá potência.
Este autocontrole
produzirá uma vontade enérgica, um Buda ou um Cristo. Os ignorantes não
conhecem este segredo; no entanto ambicionam dirigir a humanidade. Mesmo um
tonto pode dirigir o mundo, se ele trabalhar e esperar; basta aguardar alguns
anos, reprimir a néscia idéia de governar, e quando tiver alcançado isto, terá
conquistado o verdadeiro poder. A maioria das pessoas não enxerga além de
alguns anos, como certos animais não vêem além de alguns passos. O mundo é um
círculo estreito. Não temos paciência de olhar um pouco além, e por isto nos
tornamos perversos e imorais. Esta é a nossa debilidade e impotência.
Nenhuma forma de ação,
por inferior que seja, deve ser desprezada. Deixai que o homem que não conhece
o que existe de melhor, trabalhe com fins egoístas, em busca do nome e da fama;
porém, aproximai-vos cada vez mais de motivos mais elevados e procurai
empreendê-los. "Temos direito ao trabalho, porém não ao seu fruto".
Não penseis nos frutos. "Por que preocupar-se com os resultados?" Se
desejais ajudar um homem, nunca penseis no agradecimento. Se necessitais
realizar uma obra grande ou boa, não vos inquieteis pelo resultado.
Surge agora uma
pergunta difícil, relativa ao ideal da ação. É necessária atividade intensa;
devemos trabalhar sempre. Não podemos estar um minuto sem trabalhar. Então,
como descansar? Eis aqui um aspecto da luta da vida: o trabalho em cujo
torvelinho somos rapidamente arrastados. E eis o outro: A calma, a sossegada
renúncia; tudo é paz ao seu redor, há muito pouco ruído e exibição; só a
natureza com seus animais, suas plantas e montanhas. Nenhum deles apresenta um
quadro perfeito.
Se um homem acostumado
à solidão se põe em contato com o torvelinho do mundo, será sacrificado por
ele; da mesma forma que o peixe que vive no fundo do mar e é levado à sua
superfície, morre pela ausência da pressão que mantinha a sua integridade. Pode
um homem habituado ao tumulto da vida encontrar-se à vontade num lugar tranqüilo?
Não. Sofrerá, e é bem possível que perca a razão. O homem ideal é aquele que em
meio do maior silêncio e solidão encontra atividade intensa, e em meio da maior
atividade sente o silêncio e a tranqüilidade do deserto. Um homem assim
aprendeu o segredo da restrição: governa-se a si mesmo. Enquanto anda pelas
ruas de uma grande cidade repleta de tráfico, sua mente está tranqüila como se
estivesse em uma caverna aonde não pudesse chegar um único som, e trabalha
intensamente todo o tempo. Este é o ideal do Karma-Yoga, e se o tiverdes
alcançado, tereis aprendido realmente o segredo da ação.
Devemos, porém,
começar pelo princípio, aceitar os trabalhos tal qual nos chegam, e nos tornar
cada dia mais altruístas. Devemos realizar a obra e encontrar o motivo que a
inspira; e quase sem exceção, nos primeiros anos acharemos que nossos motivos
são sempre egoístas; porém gradualmente este motivo se desvanecerá, até que por
fim possamos realizar uma obra verdadeiramente altruísta.
Todos podemos esperar
que um dia ou outro, lutando continuamente pela senda da vida, chegará um tempo
em que sejamos perfeitamente altruístas; e no momento que o conseguirmos, todos
nossos poderes se concentrarão e o conhecimento que já é nosso se manifestará.
6
Capítulo 2 - Cada um é grande em seu próprio meio
Segundo a filosofia sânkya, a natureza se manifesta mediante
três forças ou modalidades, chamadas em sânscrito satwa, rajas e tamas. Estas
forças são no mundo físico o que podemos chamar equilíbrio, atividade e
inércia. O que caracteriza tamas, é a obscuridade ou inércia; rajas é atividade
expressa como atração e repulsão, e satwa é o equilíbrio das duas.
Em cada homem existem três forças. Algumas vezes predomina
tamas; então nos tornamos preguiçosos, inativos; achamo-nos escravizados por
certas idéias e nos sentimos pesados. Outras vezes prevalece a atividade, e
outras, enfim, este repousado equilíbrio de ambas. Porém, nos homens comuns
predomina sempre uma destas forças. A característica de certos homens é a
inatividade, a preguiça; a de outros, a atividade, o poder, a energia; e em
outros encontramos a doçura, a calma e a nobreza, resultantes do equilíbrio
entre a ação e a inação. Tanto nos animais como nas plantas e nos homens
encontramos as manifestações mais ou menos típicas destas diferentes forças.
Karma-Yoga trata especialmente destes três fatores. Ensinando
o que são e como empregá-los, auxilia-nos a realizar melhor nossas ações e com
maior satisfação. A sociedade humana é uma organização hierárquica. Todos
sabemos o que é moralidade; ninguém ignora o que é dever; não obstante, é fácil
comprovar que sua interpretação difere em cada país. O que é moral em um pode
não o ser no outro. Por exemplo: num país os primos podem casar-se e noutros
este fato é imoral. O mesmo se pode dizer entre cunhados. Em certos países as
pessoas podem casar-se uma só vez, e em outros, muitas vezes, e assim
sucessivamente. No entanto, deve haver uma regra fixa, universal, de
moralidade.
O mesmo acontece relativamente ao dever. A idéia de dever
varia muito entre as diferentes nações; porém temos intuição de que deve
existir alguma idéia universal do dever. Do mesmo modo, uma certa classe da
sociedade supõe que certas coisas constituem o seu dever ? enquanto que outra
classe crê o contrário, e se horroriza se os tivesse que fazer. Aparecem dois
caminhos: o do ignorante que pensa existir uma única senda que conduz à
verdade, e o do sábio que, de acordo com a nossa constituição mental ou dos
distintos planos da existência em que nos encontramos supõe que a moral e o
dever têm de variar. O importante está em saber que há graduações no dever e na
moralidade; que o dever de um estado de vida em certas circunstâncias não pode
ser o de outro.
Daremos um exemplo: Todos os grandes mestres nos ensinaram
que não devemos oferecer resistência ao mal, que a não-resistência é o mais
elevado dever de moralidade. Todos sabemos que se certo número de pessoas
tentasse por em prática esta máxima, o edifício social cairia em pedaços, os
malvados tomariam posse de nossas propriedades e de nossas vidas, e fariam
conosco o que desejassem. Bastaria que esta não-resistência fosse, praticada um
só dia, para haver um desastre. No entanto, reconhecemos a verdade contida no
ensinamento de "não resistir ao mal".
Isto nos parece o mais elevado dos ideais; porém, ensinar
esta doutrina eqüivaleria a condenar grande parte do gênero humano. Mais ainda,
seria fazer-lhes sentir que estão sempre agindo mas seria causar-lhe escrúpulos
de consciência por todos os seus atos. Isto os debilitaria, e esta constante
autodefesa-aprovação alimentaria mais vícios do que qualquer outra debilidade.
Para o homem que começou a odiar-se, a porta da degeneração está aberta, e o
mesmo acontece a uma nação.
Nosso primeiro dever é não nos odiarmos, pois piara progredir
precisamos primeiro ter fé em nós e em seguida em Deus. Portanto, a única
alternativa que nos resta é reconhecer que o dever e a moralidade variam
segundo as circunstâncias. Não devemos crer que o homem que resiste ao mal está
praticando o mal , pois, segundo as circunstâncias em que se acha colocado,
pode até ser este o seu dever.
Lendo o Bhagavad-Gita, muitos de nós têm ficado assombrados
ao deparar no segundo capítulo Sri Krishna chamando Arjuna de hipócrita e
covarde, por se recusar a lutar e resistir. Sendo seus adversários parentes e
amigos, disse-lhe Arjuna que a não-resistência era o mais elevado ideal do
amor. O ensinamento contido nestas palavras significa que todas as ações
possuem dois extremos iguais: o positivo e o negativo.
Quando as vibrações luminosas são muito lentas, não as vemos,
da mesma maneira que não as vemos quando são demasiado rápidas. A mesma coisa
acontece com o som; quando muito baixo, não o ouvimos, nem quando é muito alto.
O mesmo se dá com a resistência e a não-resistência. Um homem não resiste
porque é débil e preguiçoso, e portanto não resiste porque não pode agir assim;
outro, sabe que pode dar um golpe irresistível se quiser, e no entanto, não só
não o dá, como bendiz seu inimigo. O que não resiste por debilidade, peca, e
portanto não pode receber nenhum benefício da não-resistência; enquanto que o
outro cometeria um pecado se resistisse.
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Buda
abandonou seu trono e renunciou à sua posição social, o que foi uma verdadeira
renúncia; porém não pode haver renúncia no caso de um mendigo que não tem nada
a renunciar. Assim, pois, devemos ser sempre muito cuidadosos quando falarmos
sobre a não-resistência e o amor ideal. Primeiramente, é necessário sabermos se
temos, realmente o poder de resistir ou não. Então, se o temos e renunciamos,
estamos realizando um grande ato de amor; porém, se não podemos resistir e
estamos nos enganando com a idéia de que somos guiados por motivos dos mais
elevado amor, estamos fazendo exatamente o contrário. Arjuna se tornou covarde
em presença do poderoso exército que tinha contra si; seu amor o fez esquecer
seu dever para com sua pátria e seu rei. Por isto lhe disse Sri Krishna que era
um hipócrita: 'Talas como um sábio, porém tuas ações te denunciam como um
covarde; portanto, levanta-te e luta".
Esta é a idéia central
de Karma-Yoga. Karma-yogue é o homem que compreende que o mais elevado ideal é
a não-resistência, e além disso que, esta não-resistência é a mais alta
manifestação de Poder, quando realmente se possui; e também que a resistência
ao mal é um passo no caminho para alcançar o, poder da não-resistência.
Enquanto não SO tiver alcançado este ideal, o dever do homem é resistir ao mal;
deve trabalhar, deve lutar e resistir com toda a força de que seja capaz. Só
então, quando tiver obtido o poder de resistir, será uma virtude a
não-resistência.
Certa vez encontrei em
meu país um homem que anteriormente. eu havia conhecido como muito ignorante e
estúpido. Não sabia nada nem desejava saber; vivia como um bruto. Perguntou-me
o que deveria fazer para conhecer a Deus; o que faria para ser livre.
"Podeis dizer uma mentira?”, perguntei-lhe. "Não", respondeu-me.
"Então deveis aprender à dize-la. É melhor dizer uma mentira do que ser um
bruto ou um pedaço de madeira. Sois inativo Porque, com certeza, ainda não
alcançastes o mais elevado estado, aquele que está além de todas as ações, o
estado de serenidade e calma; sois demasiado torpe para fazer o mal". Mas,
este é um caso extremo, e eu caçoava com ele; o que eu desejava demonstrar é
que um homem deve ser ativo para chega, â perfeita calma.
A inatividade deveria
ser evitada por todos os meios. Atividade é sinônimo de resistência. Resistir a
todos os males mentais e físicos, e quando o tiverdes conseguido, virá a calma.
É muito fácil dizer: "Não odeies ninguém, não resistas ao mal", Porém
todos sabemos o que isto significa na prática. Quando nos observam, podemos
fazer unia ostentação de não-resistência, porém em nossos corações se encontra
o câncer que nos corrói. Não experimentamos a calma que provém da
não-resistência, mas compreendemos que seria melhor resistir.
Se ambicionais
riquezas, porém ao mesmo tempo sabeis que o mundo considera mau o que desejais,
talvez não vos atireis à luta para as conseguirdes mas vossa mente ficará dia e
noite atrás do dinheiro. Isto é hipocrisia e não serve de nada. Atira-vos ao
inundo e depois de algum tempo, quando tiverdes sofrido e gozado de tudo o que
há nele, a renúncia virá, e com ela a calma. Assim, pois, satisfazeis vossos
desejos, e logo chegará o momento em que reconhecereis quão pouco valem; porém,
antes de terdes realizado esses desejos e passado por essa atividade, é
impossível que vos encontreis em estado de completa calma, serenidade e
autodomínio.
Estas idéias de
serenidade e renúncia têm sido pregadas desde milhares de anos; todos as
conhecem desde a infância, e no entanto muito poucos no mundo alcançaram
realmente esse estado. Não sei se já vi em minha vida vinte pessoas que
gozassem realmente de calma e praticassem a não-resistência; eu que já percorri
a metade do mundo!
Cada homem deveria
fixar seu próprio ideal e esforçar-se em realizá-lo; esta é a maneira mais
segura de progredir do que impondo seus ideais aos outros homens, ideais que
jamais conseguirão realizar. Por exemplo, se dermos à criança a tarefa de
caminhar vinte milhas, ou ela morre, ou uma apenas entre mil se arrasta até a
meta para chegar ao fim, rendida de cansaço. Algo semelhante a isto é o que
fazemos geralmente com o mundo. Nem todos os indivíduos de urna sociedade
determinada possuem a mesma mentalidade, a mesma capacidade e idêntico poder de
fazer as coisas; devem, pois, auxiliar diferentes ideais, e nós não temos o
direito de criticar nenhum ideal,
Cada pessoa deve
esforçar-se tanto quanto possível para realizar seu próprio ideal. Não é justo
que eu seja julgado por vossos métodos, nem os vossos pelos outros. A macieira
não deve ser julgada como se fosse um carvalho, nem o carvalho como uma
macieira. Para julgar a macieira deveis aplicar o sistema da macieira, e para o
carvalho, o seu próprio sistema.
8
Unidade
na variedade é o plano da criação. Por muito que os homens e mulheres sejam
diferentes entre si, há uma unidade fundamental. Os diferentes caracteres
individuais e as diversas classes de homens e mulheres são variações naturais
na criação. Por isto não devemos julgar sempre da mesma forma nem abdicar do
nosso ideal. Tal procedimento só dá lugar a uma luta antinatural, e o resultado
é que o homem começa a odiar a si mesmo e se vê impedido de ser um bom
religioso. Nosso dever é ajudar para que cada um viva melhor o seu ideal,
esforçando-se ao mesmo tempo para que este ideal se aproxime o mais possível da
verdade.
Na ética hindu este
fato foi reconhecido há muito tempo; suas escrituras estabelecem diferentes
regras para as várias classes de homens: para o chefe de família, para o
sannyasin (o que renunciou ao mundo) e para o estudante.
A vida do indivíduo,
segundo as escrituras hindus, tem seus deveres particulares, à parte dos que
interessam à comunidade. O hindu principia a sua vida como estudante, depois se
casa e se converte em chefe de família; na velhice retira-se e finalmente
abandona o mundo e se torna sannyasin. Estas diferentes etapas de sua vida
estão determinadas por certos estados. Nenhum desses estados é considerado
superior ao outro; a vida do casado é tão nobre como a do celibatário que se
dedicou à obra religiosa.
O varredor da rua é
tão importante e glorioso como o rei em seu trono. Tirai este do seu trono e
obrigá-lo a realizar o trabalho do varredor, e vereis como ele se comporta.
Colocai o varredor no trono e vereis como governa. É inútil dizer que o homem
que vive fora do mundo é maior do que o que vive nele. É muito mais difícil
viver no mundo e adorar a Deus, do que abandoná-lo e viver uma vida pobre e
cômoda.
As quatro classes da
Índia foram ultimamente reduzidas a duas: a de chefe de família e a de monge. O
chefe de família se casa e cumpre os seus deveres de cidadão; e o dever do
outro é dedicar todas as suas energias à religião, pregar e adorar a Deus.
Dirvosei algumas
passagens do MahaNirvanaTantra, que trata deste assunto, e vereis que é uma
tarefa difícil ser um homem chefe de família e cumprir ao mesmo tempo todos os
seus deveres.
"O chefe de
família deve ser devoto de Deus: o conhecimento de Deus deve constituir a
finalidade de sua vida. No entanto, deve trabalhar constantemente, cumprir seus
deveres e abandonar os frutos de suas ações a Deus.
É coisa muito difícil
trabalhar e não se preocupar com os resultados, ajudar um homem e não pensar no
agradecimento, fazer alguma boa obra renunciando de antemão o proveito
econômico e moral que nos pudesse resultar. Até o mais tímido covarde se torna
valente quando o mundo o enaltece.
Um louco pode executar
ações heróicas quando a sociedade as aprova e aplaude, porém, um homem ser
sempre bom sem contar com a aprovação de seus semelhantes, é em verdade o maior
sacrifício que pode fazer! O dever do chefe de família é ganhar o sustento para
ele e os seus, porém deve ter o cuidado de não fazê-lo valendo-se de mentiras
ou enganos, nem roubando aos seus semelhantes; deve lembrar que sua vida é para
Deus e os pobres.
Sabendo que o pai e a
mãe são os representantes visíveis de Deus, o chefe de família deve tratar de
agradá-las por todos os meios ao seu alcance. Se o pai e a mãe estão contentes,
Deus está satisfeito com o filho. É realmente um bom filho aquele que nunca diz
palavras grosseiras a seus pais.
Diante dos pais não
deve mostrar-se engraçado, nem revelar impaciência ou raiva. Em presença do pai
e da mãe, o filho deve inclinar-se respeitosamente, permanecer de pó, e não
sentar-se sem que eles lho ordenem.
Se o chefe de família
tem alimentos, bebidas e roupa sem olhar primeiro se seus país, filhos, esposa
e pobres estão necessitando destas coisas, ele comete pecado. A mãe e o pai são
as cansas de seu corpo; por conseguinte, o filho deve sofrer todos os
aborrecimentos para fazê-los felizes.
Do mesmo modo são os
seus deveres para com a sua esposa; ninguém deve desprezá-la; deve considerá-la
como se fosse sua própria mãe. E ainda quando se encontre em dificuldades, o
marido não deve irritar-se com a esposa.
Aquele que pensa numa
mulher a não ser sua esposa, e a prejudica mesmo que seja mentalmente, vai para
o inferno.
9
Diante
de mulheres não se deve dizer palavras grosseiras, nem se gabar. Não se deve
dizer: "Eu fiz isto ou aquilo".
O chefe de família
deve agradar sua esposa com dinheiro, roupas, amor, fé e palavras doces, sem
aborrecê-la. O homem que conquistou o amor de uma casta esposa, alcançou um
grande êxito em sua religião e possui todas as virtudes".
São os seguintes os
deveres dos pais para com os filhos:
"Um filho deve
ser criado carinhosamente até os quatro anos; instruído até os dezesseis; aos
vinte, empregado, nalgum trabalho, e então ser tratado afetuosamente pelo pai
como seu igual. Da mesma forma deve ser tratada uma filha, e educada com o
maior cuidado. E quando se casar, o pai deve dar-lhe jóias e bens.
"Depois, o dever
do homem é atender seus irmãos e irmãs, e os filhos destes se são pobres; e
ainda os demais parentes, seus amigos e serviçais. É seu dever auxiliar as
pessoas da mesma povoação, os pobres e todos os necessitados de ajuda. Se um
homem possui meios suficientes e não ajuda seus parentes e pobres, é
considerado um bruto e desumano.
"Deve evitar
excessiva atração por alimentos, roupas, cuidados com o corpo, pois que isto
ressumbra luxo. O chefe de família deve ser puro de coração e limpo de corpo,
sempre ativo e disposto a agir. "Para com os seus inimigos deve ser herói.
É dever seu resistir-lhes. Este é o dever do chefe de família. Não deve
lamentar-se nem mostrar-se passivo. Se não se comporta como herói perante os
inimigos, ele deixa de cumprir o seu dever. Para os amigos e parentes deve ser
manso como um cordeiro.
"É dever do chefe
de família não reverenciar os malvados, porque se os reverencia, estimula-lhes
a perversidade. Cometerá grande erro se não considerar os que são dignos de
respeito ou as pessoas honradas. Não deve ser demasiadamente pródigo de sua
amizade; deve observar as ações e as atitudes dás pessoas com as quais deseja
ter amizade, e só se tornar amigo delas depois de bem observá-las.
"Deve abster-se
destas três coisas: falar de si mesmo, proclamar seu nome e seus poderes e
referir-se às riquezas e aos segredos que os outros lhe confiaram.
"O homem não deve
dizer se é pobre ou rico, nem jatar-se de sua fortuna. Não deve consultar
opiniões alheias. Tudo isto é dever religioso, não é uma vã sabedoria profana;
se o homem não cumprir estes preceitos, deverá ser considerado imoral.
"O chefe de
família é a base do edifício social; o que mais possui. O pobre, o débil, as
crianças e as mulheres que não trabalham, dependem do chefe de família;
portanto, ele deve cumprir os seus deveres sem se sentir humilhado. Se se
mostra fraco ou cometeu algum erro, não deve falar em público, e se te me
fracassar em qualquer empreendimento, não devia falar nele.
"Por-se em
evidência não somente é impróprio como o torna inapto para a execução de seus
legítimos deveres na vida. Ao mesmo tempo deve esforçar-se para adquirir
conhecimentos e fortuna. Este é o dever, e se não o cumpre, não será
considerado. O chefe de família que não se esforça por conseguir fortuna, é
desconsiderado, porque dele dependem centenas de pessoas. Se obtiver fortuna,
estas pessoas poderão gozar dela.
"Se não fossem
centenas de homens que têm se esforçado para se tornarem ricos e o têm
conseguido, o que seria desta civilização, destes asilos e destes grandes
edifícios?
"Nestes casos não
é, censurável buscar riqueza, porque é para distribuí-Ia. O chefe de família é
o centro vital de qualquer sociedade. Para ele é um culto adquirir e gastar
nobremente a riqueza, pois o que luta para tornar-se rico por meios lícitos e
propósitos bons, está fazendo praticamente a mesma coisa que o anacoreta em sua
cela, orando, pela salvação das almas. Em ambos encontramos o mesmo aspecto de
uma mesma virtude, que é a abnegação e sacrifício inspirados pelo sentimento de
devoção a Deus e a tudo quanto é seu.
"Deve lutar para
adquirir um bom nome; não deve jogar nem freqüentar a companhia de malvados,
nem mentir nem provocar inquietude a ninguém.
10
"Comumente
os homens empreendem coisas que não podem realizar, e buscam enganar e enganam
as pessoas que possuem os meios que lhes faltam. Há também o fator tempo. O que
no momento é um fracasso, pode em seguida transformar-se em êxito.
"O chefe de
família deve dizer a verdade, falar carinhosamente, utilizando-se das
expressões que condizem com a cultura daquele que as ouve; não deve falar da
vida alheia.
"O chefe de
família, fazendo lagos, plantando árvores à beira dos caminhos, construindo
logradouros e abrigos para homens e animais, abrindo estradas e construindo
pontes, alcança a mesma meta que o maior dos yogues".
Esta é uma parte da
doutrina de Karma Yoga a atividade e dever do ' chefe de família. Mais além se
diz: "Se o chefe de família morre na batalha, lutando pelo seu país ou por
sua religião, chega à, mesma meta que o yogue pela meditação", mostrando
assim que o que é dever para um não o é para outro. Isto não quer dizer, que
este dever humilhe e o outro eleve; cada dever tem seu lugar adequado, e
segundo as circunstâncias em que nos achemos colocados, assim será a maneira de
cumprirmos os nossos deveres.
Do mesmo modo se
infere que a debilidade é condenável. Esta idéia particular de nossos
ensinamentos ocorre tanto na filosofia como na religião e no serviço. Se lerdes
os " Vedas", encontrareis muitas vezes repetida esta palavra:
"intrepidez". O temor denota debilidade. Um homem deve cumprir o seu
dever sem se preocupar com a crítica dos demais.
Se um homem se isola
do mundo para adorar a Deus, não deve pensar que aqueles que ali vivem e agem
não estão adorando a Deus. Nem os que vivem no mundo dedicados às suas esposas
e filhos devem pensar que os que o abandonaram sejam desprezíveis e vagabundos.
Cada um é grande em seu meio. Ilustrarei este pensamento com um conto.
Certo rei costumava
formular esta pergunta aos sannyiasins que chegavam ao seu país: "Qual é o
homem de maior mérito: o que abandona o mundo e se torna sannvasin ou o que
vive no mundo e cumpre os seus deveres de chefe de família?" Muitos sábios
tinham pensado em resolver este problema. Uns asseguravam que o sannyasin era o
de maior mérito; porém o rei lhe pedia que provassem esta afirmação. Quando não
conseguiam fazê-lo, ordenava-lhes a se tornarem chefes de família. Outros
diziam: "O chefe de família que cumpre seus deveres, é o homem meritório
por excelência". Ao que o rei respondia pedindo provas. Quando não podiam
dar-lhas, ordenava-lhes que fossem chefes de família.
Chegou por último um
jovem sannyasin a quem o rei dirigiu a mesma pergunta. "Cada um, oh! rei,
é grande em seu próprio meio". Prova-mo, disse o rei.
"Provar-vos-ei", respondeu o sannyasin, "porém primeiro deveis
vir viver comigo durante alguns dias para que eu possa prová-lo". O rei
consentiu e seguiu o sannyasin fora de seu território. Atravessaram muitos
países, até chegarem a um grande reino em cuja capital se realizava uma solene
cerimonia. O rei e o sannyasin ouviram o ruído dos tambores e das músicas, e
também dos discursos;
O povo estava reunido
nas ruas enfeitadas de flores. O rei e o sannyasin pararam para ver e ouvir o
que se passava. O pregador proclamava em alta voz que a princesa, filha do rei
daquele país, estava ali para escolher esposo entre os que aparecessem diante
dela.
Era um antigo costume
da Índia que as damas escolhessem esposo desta maneira; cada uma tinha uma
idéia sobre a classe de homem que ela desejava para marido: umas preferiam o
mais rico, e assim sucessivamente. Os príncipes dos países vizinhos se
apresentavam ante ela com suas mais luxuosas vestes. As vezes também se serviam
de pregadores que apregoavam suas qualidades e as razões que os levavam a
alimentar a esperança de ser os preferidos. A princesa era conduzida em seu
trono de um lado a outro, com grande pompa. Olhava os admiradores, ouvia suas
declarações e se não lhe agradavam, dizia: "Adiante", esquecendo-se
por completo dos pretendentes desprezados. Se, pelo contrário, algum lhe
agradava, atirava sobre ele uma coroa de flores, e casavam-se.
11
A
princesa do país no qual o nosso rei e sannyasin tinham chegado, celebrava uma
dessas interessantes cerimonias. Era a princesa mais bela do mundo, e seu
esposo governaria seu reino depois da morte de seu pai. O gosto da princesa era
casar-se com * mais formoso, porém não encontrava nenhum que a agradasse.
Várias vezes já esta cerimonia havia se realizado, porém a princesa não
escolhera o esposo. Esta reunião era a mais bela de todas, e a mais concorrida.
A princesa surgiu em seu trono, conduzida pelos seus cortesãos. Parecia não
olhar para ninguém, e todos começaram a ficar descontentes. Neste momento
chegou um jovem, um sannyasin, belo como o sol descendo à terra, e colocou-se
num recanto para observar o que estava acontecendo.
O trono com a princesa
foi levado até ele, e logo que ela o viu, parou e atirou-lhe a grinalda sobre o
peito. O jovem sannyasin devolveua, dizendo: "Que absurdo é este? Eu sou
um sannyasin. A mim que me importa o matrimonio?" O rei pensou que aquele
homem fosse pobre e por esse motivo não se atrevia a casar-se com a princesa, e
então lhe disse: "Com minha filha te entrego metade do meu reino agora, e
o resto depois de minha morte, e pos novamente a grinalda na cabeça do
sannyasin. O jovem a devolveu de novo, dizendo: "É, um absurdo. Não
preciso casar-me". E seguiu rapidamente o seu caminho. Mas a princesa, que
se tinha enamorado profundamente daquele jovem, disse: "Se não me casar
com ele, morrerei", e foi-lhe ao encalço.
Então o nosso
sannyasin disse ao rei: "Rei, sigamos este par", e caminharam atrás
dele uma distância regular. O jovem sannyasin que havia recusado casa-rse,
internou-se mato a dentro algumas milhas. Chegou então a um bosque, onde
penetrou seguido da princesa, e ambos, por sua vez, eram seguidos pelos outros
dois personagens. Mas o cobiçado sannyasin conhecia muito bem o bosque com suas
intrincadas sendas, de modo que logo desapareceu, sem que a princesa pudesse
descobri-lo. Depois de procurá-lo em vão, durante muito tempo, sentou-se sob
uma árvore e começou a chorar, pois não sabia como sair do bosque. Neste
momento nosso rei e o sannyasín se aproximaram e lhe disseram: "Não
choreis; ensinar-vos-emos o caminho para sair daqui, porém a esta hora já está
muito escuro. Ali está uma árvore frondosa, descansemos sob sua copa, que pela
manhã partiremos cedo e vos mostraremos o caminho'.
Naquela árvore morava
um passarinho com sua companheira e seus filhinhos. O passarinho olhou para
baixo, e ao ver os estrangeiros, disse à sua esposa: "Que faremos,
querida? Há três hóspedes em casa; faz frio e não temos fogo". Começou a
voar e conseguiu um pequeno tição de fogo; levou-o no bico e deixou-o cair
entre os hóspedes que lhe ajuntaram lenha e puderam acender bom fogo. Porém o
passarinho não estava satisfeito. De novo disse à sua esposa: "Que
faremos, querida? Estas pessoas têm fome e não temos alimentos. Somos donos da
casa; nosso dever é dar alimento a todos os que chegam à nossa porta. Devo
fazer o que possa, e lhes darei meu corpo". Dito isto, lançou-se em meio
do fogo e pereceu. Os hóspedes o viram cair e trataram de salvá-lo, porém não
houve tempo.
A companheira do
passarinho viu o que seu esposo havia feito e disse: "Aqui há três
pessoas, e elas só têm um pássaro para comer. Não é bastante; meu dever, como
esposa, é não deixar que tenham sido vãos os esforços de meu esposo. Que os
hóspedes disponham de meu corpo também!" E atirou-se à chama, que a
queimou.
Então os três
filhotinhos, ao verem que ainda não era suficiente o alimento para os três
hóspedes, disseram: "Nossos pais fizeram o que puderam e todavia não
basta. Nosso dever é continuar sua obra.
Que vão nossos corpos
também!" E se atiraram igualmente ao fogo.
Assombrados com o que
viram, os personagens não puderam, como é lógico, comer aqueles pássaros.
Passaram a noite sem comer, e de manhã o rei e o sannyasin indicaram o caminho
à princesa, que regressou para a casa de seu pai.
Então o sannyasin
disse ao rei: "Rei, vistes como cada um é grande em seu próprio meio. Se
quiserdes viver no mundo, vivei como aqueles pássaros, disposto a qualquer
momento a vos sacrificardes pelos outros. Se quiserdes renunciar a ele, sede
como aquele jovem, para quem a mais formosa mulher e um reino nada
significaram. Se quiserdes ser um chefe de família, fazei com que vossa vida
seja um sacrifício pelos demais. Se escolherdes a vida da renúncia, não olheis
a beleza nem o dinheiro, nem o poder. Cada um é grande em seu próprio meio; porém
o dever de um não é o dever do outro".
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Capítulo 3 - O segredo do trabalho
Ajudar os outros aliviando suas necessidades físicas é muito
importante, porém o auxílio é tanto maior quanto maior é a necessidade e
duradouro o auxílio. Se as necessidades de um homem podem ser aliviadas durante
uma hora, devemos ajudá-lo; se podem ser remediadas por um ano, o auxílio será
maior; porém se for eliminado para sempre, este será, sem dúvida, o melhor
auxílio que lhes será prestado.
O conhecimento espiritual é o único que pode destruir nossas
misérias para sempre; os demais só satisfazem as necessidades por algum tempo.
O conhecimento do espírito é o único que consegue destruir para sempre o
desejo; assim, o auxílio espiritual é o mais elevado auxílio que se pode
oferecer ao homem. Quem dá conhecimento espiritual é o maior benfeitor do
gênero humano, e por isto vemos que foram sempre os homens de maior poder que
têm auxiliado a humanidade em suas necessidades espirituais, porque a
espiritualidade é a verdadeira base de nossa vida.
Um homem são e espiritualmente forte, será forte em qualquer
outro aspecto, se assim o desejar; enquanto não houver fortaleza espiritual no
homem, nem mesmo suas necessidades físicas poderão ser satisfeitas. Depois do
auxílio espiritual vem o intelectual; a dádiva de conhecimento é muito mais
elevada do que a de alimento e roupa; é ainda maior do que a de dar vida a um
homem, porque a vida deste consiste realmente no conhecimento. A ignorância é
morte, o conhecimento é vida. E esta é de pouco valor se transcorre na
obscuridade, engolfada na ignorância e na miséria.
Vem em seguida o auxílio físico. Ao considerarmos a questão
do auxílio ao demais, devemos tratar sempre de não cometer o erro de crer que o
auxílio físico é o único que se pode dar. Não só é o último como também o
menor, pelo motivo de não produzir uma satisfação permanente.
A necessidade que sinto quando tenho fome, satisfaço-a
comendo, porém, a fome volta; meu sofrimento só termina quando estou
satisfeito, acima de toda necessidade. Então a fome não me fará infeliz; nenhum
sofrimento nem dor poderá comover-me. Portanto, aquele auxílio que tende a nos
tornar espiritualmente fortes, é o mais elevado; segue o intelectual, e em
último lugar o físico.
As misérias deste mundo não podem ser resolvidas somente pelo
auxílio físico; enquanto a natureza do homem não mudar, as necessidades físicas
persistirão, bem como as desventuras, sem que auxílio físico algum possa
remediá-las totalmente. A única solução está em purificar a humanidade. A
ignorância é a mãe de todos os males e misérias. Quando o homem tiver luz, e
for puro e espiritualmente forte e educado, então a miséria findará. Ainda que
convertamos nossas casas em asilos de caridade e povoemos a terra de hospitais,
as misérias humanas não terminarão enquanto não se mudar a índole do homem.
Lemos. no Bhagavad-Gita, repetidas vezes, que todos devemos
trabalhar incessantemente. Toda obra é por sua própria natureza composta de bem
e mal. Não podemos realizar obra alguma que não redunde em benefício de algo ou
de alguém; nem pode haver coisa alguma que não provoque mal em algum lugar. Em
cada ação tem que haver necessariamente partes de bem e de mal; no entanto nós
aconselham que atuemos sem parar. Ambos, o bem e o mal, produzirão seus
resultados, seu karma.
A boa ação nos trará bom efeito, e a má, a sua má
conseqüência; porém, tanto uma como a outra estão ligadas à nossa alma. A
solução obtida no Gita relativamente a esta propriedade da ação, é que, se
deixamos de nos ligar à ação que praticamos, ela não produzirá nenhum efeito
sobre a nossa alma. Procuremos compreender o significado desta frase: "não
ligar-se" à ação.
O sentido do Gita é o seguinte: Agir incessantemente, porém
desligado da ação.
Samskara pode ser traduzido aproximadamente por
"tendência inerente". Comparando a mente com um lago, cada onda que
vem à superfície não desaparece totalmente; deixa atrás de si um movimento que
a pode fazer ressurgir novamente. A este movimento capaz de tornar a manifestar-se
uma nova onda, é que se chama saraskara.
Cada trabalho que cumprimos, cada movimento que realizamos,
cada pensamento, deixa uma impressão na substância mental, e mesmo que esta não
seja visível na sua superfície, age profundamente, isto é, subconscientemente.
O que nós sabemos é determinado a cada instante pela soma destas impressões
mentais. O que eu sou neste momento é o resultado das impressões de minha vida
passada. A isto chamamos caráter; é o que está determinado em cada homem pela
soma total de suas impressões. Se prevalecem as boas, seu caráter será bom; se
o contrário, será mau.
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Se
um homem diz freqüentemente más palavras, tem maus pensamentos e executa más
ações, sua mente estará cheia de más impressões; estas influirão em seus
pensamentos e ações sem que ele seja consciente delas. Portanto, estas más
impressões atuam continuamente, e o resultado deve ser mau; esse homem tem que
ser mau, e não poderá evitá-lo. O produto dessas impressões desenvolverá nele
um forte poder que constituirá o motivo de suas más ações; será como uma
máquina em mãos daquelas impressões, e estas o obrigarão a praticar o mal.
Da mesma forma, se um
homem tem bons pensamentos e pratica boas ações, a soma total dessas impressões
será boa, e o levará a praticar boas ações, talvez mesmo inconscientemente.
Quando um homem praticou certo número de boas obras e teve bons pensamentos,
experimenta uma tendência irresistível para o bem; e mesmo quando quiser
praticar o mal, sua mente, que é a soma total de suas tendências, não lho permitirá.
Neste caso se diz que o bom caráter do homem já está firme.
Assim como a tartaruga
oculta as patas e a cabeça dentro de sua carapaça, e embora a façais em pedaços
não a descobrireis, assim o caráter do homem que tem controle sobre si está
definitivamente firmado. Controla as suas forças internas e ninguém poderá
modificar sua vontade. Por este contínuo reflexo de bons pensamentos, de boas
impressões que se movem na superfície da mente, a tendência para o bem se
robustece, resultando disto que nos sentimos capazes de controlar os indryas
(os órgãos dos sentidos ou centros nervosos).
Só desta forma o
caráter será moldado; só então o homem conhece a verdade, e já não pode fazer
mal a ninguém. Podeis deixá-lo em qualquer companhia; não haverá perigo nenhum
para ele.
Há, todavia, um estado
superior a este: é o desejo de libertação. Deveis lembrar-vos que a liberdade
da alma é a meta de todas as yogas, e cada uma destas conduz ao mesmo
resultado. Por meio das obras, os homens podem chegar ao estado que Buda
alcançou em grande parte pela meditação e Cristo pela devoção. Buda foi um
jnani1 ativo; Cristo um bhakta2,
porém ambos alcançaram a mesma meta. A dificuldade está em que a libertação
implica inteira liberdade; liberdade de fazer o bem, tanto como de praticar o
mal.
É como uma cadeia de
ouro, que escravisa tanto como uma de ferro. Tenho um espinho cravado num dedo
e uso outro espinho para extraí-lo; depois, atiro fora os dois; não tenho
necessidade de guardar nenhum espinho, porque acima de tudo, são espinhos. Da
mesma forma, as más tendências têm de ser contrapostas pelas boas, e as más
impressões da mente, pelas ondas frescas e boas, até que todo o mal desapareça
quase por completo, ou seja submetido e controlado num recanto da mente; porém
as boas tendências também devem ser conquistadas. Desta forma o homem
"ligado", "desliga-se". Agi, porém não permitais que a ação
ou o pensamento produza uma profunda impressão em vossa mente; deixai que as
ondas vão e venham. Que as ações importantes provenham dos músculos do cérebro,
porém não permitais que se gravem profundamente em vossa alma.
Como pode isto
acontecer? Observemos que as impressões de uma ação à qual nos ligamos
perduram.
Posso encontrar-me com
centenas de pessoas durante o dia, e entre elas com uma apenas a quem amo;
quando chega a noite e penso em todas as fisionomias que vi, só unia se
apresenta em minha mente: 'a que talvez nie olhou menos, porém que amo; as
demais se terão. desvanecido. Minha atração por aquela pessoa causou em minha
mente uma impressão mais profunda do que todas as outras. Fisiologicamente as
impressões foram todas iguais; cada uma das fisionomias que vi se retratou na
retina e o cérebro se apoderou da imagem; no entanto, o efeito na mente não foi
o mesmo. Muitas das pessoas eram talvez inteiramente novas para mim, porém
aquela da qual tive um rápido vislumbre, encontrou associações internas. Talvez
já a tivesse gravada em minha mente durante anos, talvez conhecesse muitíssima
coisa sobre ela, e esta nova visão despertou centenas de recordações
adormecidas em minha mente; e talvez esta impressão já fora repetida um sem
numero de vezes do que as outras fisionomias, e por isto produziu tal efeito em
minha mente.
Por conseguinte, sabe
"desligados"; deixai que as coisas atuem, porém que atuem nos centros
cerebrais. Agi constantemente, porém não permitais que uma só onda domine vossa
mente. Trabalhai como se fósseis estrangeiros aqui na terra; trabalhai
incessantemente, porém não vos ligueis à ação; ligar-se é algo terrível.
1 Quem pratica Jnana Yoga, ou Yoga do
conhecimento.
2 Devoto ou seguidor de Bhakti Yoga.
14
Este
mundo não é nossa habitação; é somente um dos muitos estados pelos quais
estamos passando. Recordai aquele grande ditado da filosofia sânkya: "A
totalidade da natureza é para a alma, não é a alma para a natureza". A
natureza não existe senão para a educação da alma; não tem outro significado;
está aqui, porque a alma (leve ter conhecimento e libertar-se pelo
conhecimento.
Se tivéssemos sempre
este pensamento, jamais nos ligaríamos à natureza; saberíamos que esta é um
livro aberto que devemos ler, e que já não terá valor algum para nós quando
tivermos adquirido o conhecimento que ele encerra. No entanto, nos
identificamos com a natureza; pensamos que a alma lhe pertence, que o espirito
é para a carne, e, como afirma o provérbio, pensamos que o homem "vive
para comer" e não que "come para viver". Consideramos a natureza
como se fossemos nós mesmos e deste modo nos ligamos a ela. E quando nos ligamos
a ela, em nossa alma se produz uma profunda impressão, que nos domina e nos
leva a agir não como homens livres mas como escravos.
O ponto capital deste
ensinamento é que devemos agir como "senhores" e não como
"escravos". Não vedes como todos trabalham? Ninguém pode estar em
absoluto repouso. Noventa e nove por cento dos homens trabalham como escravos e
o' resultado é a miséria; todos trabalham egoístamente. Trabalhai por
liberdade. Trabalhai por amor. A palavra Amor é muito difícil de ser compreendida.
O amor não existe, enquanto não existir liberdade. Não há possibilidade do
verdadeiro amor no escravo. Se conquistais um escravo e o fazeis trabalhar em
vosso proveito, ele cumprirá seu ganha-pão, porém não haverá amor nele. Do
mesmo modo, quando nós trabalhamos para as coisas do mundo como escravos, não
pode haver amor em nós, e o nosso trabalho não é verdadeiro trabalho.
Isto é tão certo com
referência ao trabalho que realizamos para os nossos parentes e amigos, como ao
trabalho feito para nós mesmos. Trabalho egoísta é trabalho de escravo, e eis
aqui uma prova: Cada ato de amor acarreta felicidade; não há ato de amor que
não traga paz e alegria. A existência ! o conhecimento e o amor estão
intimamente relacionados; onde está um também estão os outros dois. São os três
aspectos do Um sem Segundo. Existência-Conhecimento-Felicidade.
Quando esta existência
se torna relativa, conhecêmo-la como mundo; este conhecimento se modifica logo
como conhecimento das coisas do mundo, e esta felicidade constitui a base do
amor que o coração do homem é capaz de sentir. Portanto, o verdadeiro amor
nunca pode reagir de maneira a causar dor ao ser amado. Suponde que um homem
ame uma mulher. Ele a quer só para si e a zela constantemente; necessita tê-la
a seu lado; que coma e se mova a seu mandato. É escravo dela e quer possuí-Ia
como escrava. Isto não é amor, mas apenas uma ,espécie de afeto mórbido de
escravo. Não pode ser amor, porque provoca dor. O amor não produz reações
dolorosas; o amor só produz felicidade. Quando tiverdes conseguido amar vossa
esposa, esposo e filhos, a todo o mundo, ao universo, de tal modo que não haja
reação de dor ou de ciúmes, nem sentimento egoísta algum, então estareis no
estado apropriado de desligar-vos.
Krishna disse:
"Contempla-Me, Arjuna. Se Eu deixasse de agir um só instante, o universo
todo desapareceria. Nada tenho a ganhar na ação; sou o Senhor único. Por que
atuo então? Porque amo o mundo". Deus está desligado porque ama; um amor
assim verdadeiro, desfaz nossas ligações. Onde quer que haja apego pelas coisas
mundanas, há atração física entre grupos de partículas de matéria; algo que
atraia os corpos cada vez mais próximos e que não se podem juntar bem, produz
dor, porém, onde há amor real não existem de nenhum modo atrações físicas. Tais
amantes podem estar a mil milhas de distância um do outro e seu amor será
sempre o mesmo; não morre, e jamais provocará dor.
Obter este desapego
pode ser o trabalho de uma vida, porém, logo que o tivermos alcançado, nos
encontraremos na meta do amor e conquistaremos a liberdade; nos libertaremos
das cadeias da natureza e a contemplaremos tal qual é. Não conseguirá mais
prendermos; seremos inteiramente livres e não tomaremos em consideração o
resultado das ações. Para que nos preocuparmos com os resultados?
Pedis recompensa a
vossos filhos. Nosso dever consiste em trabalhar para eles, e aí termina o
assunto. Em tudo, aquilo que fizerdes por um semelhante, por uma cidade ou por
um Estado, assumi idêntica atitude: não espereis recompensa. Se podeis tomar
invariavelmente a posição de quem dá livremente, sem pedir recompensa alguma,
então vosso trabalho não produzirá ligações. Estas somente vêm quando esperamos
recompensa.
Se agir como escravos
produz egoísmo e trevas, agindo como senhores de nossas próprias mentes
gozaremos a felicidade de retidão e justiça; porém vemos que no mundo o reto e
o justo são palavras vãs de crianças. Há duas coisas que guiam a conduta do
homem: o poder e a compaixão. O exercício do poder leva invariavelmente ao
egoísmo. Os homens e as mulheres aproveitam-se tanto quanto possível do poder,
ou das vantagens que dele podem tirar.
15
A
compaixão é a essência do céu. Para ser bons, devemos ser clementes. Até a
justiça e o direito devem ser apoiados na clemência. Pensar em tirar proveito
da obra quê 'realizamos, prejudica nosso progresso espiritual; ainda mais:
provoca a miséria. Há outra maneira de levar à prática a misericórdia e a
caridade altruísta: é considerar as obras como "adoração" (quando
cremos num Deus pessoal). Deste modo abandonamos o fruto de nossas ações ao
Senhor; e adorando assim, não temos o direito de esperar nenhuma gratidão pelas
obras que fazemos.
O Senhor age
incessantemente e está sempre livre de ligações. Assim como a, água não pode
molhar a folha do Loto, assim também a obra não pode escravizar o homem
altruísta. O altruísta e desligado pode viver em meio da multidão de uma cidade
pecadora e não ser manchado pelo pecado.
Esta idéia de
abnegação absoluta está ilustrada no seguinte conto: Depois da batalha de
Kurukshetra, os cinco irmãos pândavas celebraram um imponente sacrifício, dando
ao mesmo tempo esmolas aos pobres. Todos estavam assombrados ante a
magnificência do sacrifício e diziam que nunca se vira outro igual no mundo.
Mas depois da cerimonia chegou ali um pequeno rato, cuja metade do corpo era
doirada e outra metade parda. Principiou então a espojar-se no assoalho da sala
do sacrifício, e depois disse: "Isto não é sacrifício".
"Como?", disseram, "dizes que isto não é sacrifício? Ignoras
quanto dinheiro e jóias foram distribuídos aos pobres e quanto cada um deles se
tornou rico e feliz? Este foi o sacrifício maior que um homem já realizou.
Porém o ratinho
retrucou: "Certa vez, numa pequena aldeia residia um pobre brâmine com sua
esposa, seu filho e sua nora. Eram muito pobres e viviam das pequenas dádivas
que lhes eram oferecidas por pregarem e ensinarem. Aquela cidade passou por um
período de fome durante três anos e o pobre brâmine sofreu muito mais do que
outrora. Finalmente, quando à família que há dias já não se alimentava, o pai
trouxe uma maçã e uni pouco de farinha de cevada que tivera a sorte de
conseguir, dividiu tudo em quatro partes iguais e deu uma a cada familiar.
Preparavam-se para comê-la, porém nesse momento bateram à porta. O pai a abriu
e apareceu um hóspede. (n bom saber que na índia um hóspede é pessoa sagrada: é
considerado como um Deus enquanto dura a hospedagem, e deve ser tratado com
devoção). Então o pobre brâmine lhe disse: "Entrai, Senhor; bem-vindo
sejais". Pôs diante do hóspede seu alimento, que ele comeu rapidamente,
dizendo: "Oh! Senhor, faz dias que não como, e este alimento ainda veio
aumentar a minha fome". Então a esposa disse a seu marido: "Dá-lhe a
minha parte", ao que ele disse: "não". Porém ela insistiu,
dizendo: "Está aqui um esfomeado e nosso dever como chefes de família é
dar-lhe de comer. Como esposa cumpro o meu dever dando a minha parte, visto que
não tens nada mais para lhe oferecer". E deu-lha. Mas, depois de comê-la,
o hóspede ainda estava com fome. Em vista disso, o filho disse: "Tomai
também a minha parte. O dever de um filho é ajudar os pais a cumprirem suas
obrigações". O hóspede comeu, mas não se mostrou satisfeito, e por isto a
esposa do filho lhe deu a sua ração. O hóspede saiu bendizendo-os. Naquela
mesma noite, os quatro morreram de fome.
Alguns grãos daquela
farinha caíram no chão, e ao espojar-me nela, a metade de meu corpo ficou
doirado, como vedes. Desde então venho correndo o mundo inteiro, procurando
outro sacrifício como aquele, porém em nenhuma parte o encontro, o que não me
permitiu doirar a outra parte do meu corpo. Portanto, afirmo que isto não é
sacrifício.
A caridade começa a
desaparecer na índia; os grandes homens diminuem em número. Quando estudava
inglês, li um conto sobre um menino que trabalhava e dava algo à sua mãe, e por
isso era elogiado! Que significa isto? Nenhum menino hindu. poderá compreender
esta espécie de moral. Eu a compreendo agora depois de conhecer a idéia
ocidental: cada qual para si; e alguns homens ficam com tudo o que possuem,
abandonando pais, mães, esposas e filhos! Este não deve ser nunca o ideal de um
chefe de família.
Estais agora em
condições de compreender um karma-yogue: ajudar, ainda que seja à custa de sua
vida, dos seus semelhantes, sem esperar o fruto da ação. Mesmo quando fordes
enganados milhões de vezes, não vos impressioneis nem penseis no que estais
fazendo. Nunca vos orgulheis de vossas esmolas aos pobres, nem espereis sua
gratidão; ficai, ao contrário, agradecido porque tivestes ocasião de praticar a
caridade. Também vereis claramente que ser perfeito chefe de família é muito
mais difícil do que ser sannyasin. A verdadeira vida de trabalho é, em verdade,
tão dura, se não mais, do que a verdadeira vida de renúncia.
16
3
É que, em geral, o cristão é carnívoro, e o hindu, vegetariano.
Capítulo 4
- O que é o dever
No estudo de Karma-Yoga é preciso saber o que é o dever. Se
devo fazer algo, primeiramente devo conhecer meu dever. A idéia do dever é
diferente em cada nação. Os maometanos afirmam que o que está escrito no Corão
é seu dever; os hindus o que está nos Vedas, e os cristãos o que está na
Bíblia. Vemos, pois, que há diversas idéias sobre o dever, as quais mudam
segundo os estados da vida, os períodos históricos e as nações. É impossível
definir claramente o termo "dever", bem como nenhum outro têrmo
abstrato universal; só podemos fazer uma idéia do que ele representa, mediante
o conhecimento de seus resultados.
Quando certos acontecimentos ocorrem em nossa presença,
experimentamos um impulso natural ou adquirido a agir de certa maneira; quando
surge este impulso, a mente reflete sobre a situação; umas vezes pensa que é
bom agir de certo modo em certas condições, e outras que é injusto fazê-lo em
condições idênticas. O conceito mais universal do dever é que o homem bom deve
agir de acordo com a sua consciência. Porém, como se pode atribuir que um ato
se converta em dever? Se um cristão encontra um pedaço de carne e não o come
para salvar sua própria vida, nem para conservar a de outrem, sem dúorem, vida
sentirá que não cumpriu o seu. dever. Porém, se um hindu se atreve a comê-la ou
dá-Ia a outrem, com certeza sentirá também que não cumpriu o seu dever3.
No século passado teve grande popularidade na Índia um bando
de ladrões chamados thugs; acreditavam que seu, dever consistia em matar a
todos quantos fossem ricos e tirar-lhes o dinheiro; quanto maior fosse o número
de vítimas, tanto mais se estimavam a si mesmos. Porém, geralmente, se um homem
sai à rua e inata um semelhante, sente remorso e percebe que praticou um mal;
porém, se este mesmo homem como soldado de um regimento, mata não um, mas
vinte, com certeza se sente feliz e pensa que cumpriu seu dever. Dar uma
definição do dever é, pois, impossível. No entanto, existe o dever em seu
aspecto subjetivo.
Qualquer ação que nos aproxime de Deus, é boa e representa
nosso dever; qualquer outra que nos afaste de Deus, é má e não representa nosso
dever. Do ponto d vista subjetivo, vemos que certos atos têm tendência a
exaltarmos e enobrecer-nos, enquanto que outros tendem a nos degradar e
embrutecer. Mas não é possível estabelecer com certeza o resultado que
determinados atos terão nas pessoas. Há, no entanto, um conceito do dever que
foi universalmente aceito, em todas as idades, seitas e países, e que está
sintetizado neste aforismo sânscrito: "Não façais mal a nenhum ser. Não
fazer mal a ninguém é virtude; fazer mal a alguém é pecado".
O Bhagavad-Gita alude freqüentemente aos deveres que dependem
do nascimento e da posição social. O nascimento, a posição na vida e na
sociedade determinam, em grande parte, a atitude moral e mental dos indivíduos
e as suas diversas atividades na vida. Portanto, nosso dever é praticar a ação
que nos exalte e enobreça de acordo com as atividades e idéias da sociedade na
qual nascemos. Devemos, porém, recordar muito particularmente que os mesmos
ideais e atividades não prevalecem em todas as sociedades e países; a
ignorância deste preceito é a causa principal dos ódios entre nações. O americano
pensa que quando realiza um acordo segundo os costumes de seu país, este é o
melhor, e quem não agir da mesma forma, é malvado. O hindu crê que seus
costumes são os melhores do mundo e quem os não pratica são perversos para os
seres humanos. Este erro é muito comum, porém é muito prejudicial, porque é
causa da metade dos egoísmos existentes no mundo.
Quando visitei a exposição de Chicago, alguém me tirou o
turbante. Olhei o vi que se tratava de um homem muito bem vestido e de boa
aparência. Falei-lhe, e como o fiz em inglês, ficou envergonhado. Noutra
ocasião, achando-me no mesmo local, alguém me deu um empurrão. Quando lhe
perguntei porque fazia isto, me disse envergonhado: "Por que vos vestis
desta maneira?" As simpatias dos dois homens estavam limitadas à sua
maneira de falar e de vestir. A opressão que as nações poderosas exercem sobre
as mais débeis, é causada por este princípio: falta de fraternidade. O homem
que me perguntou por que não me vestia como ele e o que me maltratou por causa
do meu traje, talvez fossem bons, excelentes pais e corretos cidadãos; porém,
sua bondade desapareceu diante de um homem vestido de maneira diferente. Os
estrangeiros são explorados em todos os países porque não sabem como se
defenderem; por isso levam à sua terra falsas impressões dos povos que
visitaram. Os ma~ ridos, soldados e comerciantes se comportam de modo
diferente; talvez por isto os chineses chamem aos europeus e americanos
"diabos estrangeiros". Não diriam assim se conhecessem o lado bom e
generoso dos ocidentais.
17
Por
conseguinte, devemos sempre nos habituar a observar o dever dos demais segundo
o seu ponto de vista e não julgar os costumes do outros povos de acordo com os
nossos usos. Devo acomodar-me ao mundo e não ele a mim. Assim, vemos que o
ambiente corrige a índole de nossos deveres e o melhor que temos a fazer no
mundo é cumprir nossos deveres a todo o momento.
Cumpramos
primeiramente nossos deveres naturais, e assim cumpriremos o dever
correspondente à nossa posição social na vida. Existe, no entanto, um mal
considerável na natureza humana. É que ninguém se observa a si mesmo. Crê ser
sempre digno de ocupar um trono como o próprio rei; no entanto, mesmo que saiba
cumprir primeiro os deveres de sua posição, outros lhe advirão mais elevados.
Quando trabalhamos com
entusiasmo, a natureza nos recompensa de toda a forma e logo nos coloca na
posição apropriada. Nenhum homem pode ocupar por muito tempo a posição à qual
não está adaptado. De nada serve queixar-se e indispor-se com a natureza. Quem
executa uma tarefa inferior, nem por isto é um homem inferior. Ninguém deve ser
julgado pela natureza de seus deveres, e sim pela maneira e espírito com que os
executa.
Mais tarde
constataremos que a idéia de dever sofre mudanças e que a obra maior só se
cumpre quando não existe nenhum motivo egoísta. No entanto, a obra realizada
com um dever é a que nos faz atuar independentemente da idéia de dever. Quando
a obra se converte em culto, a realizamos por amor a ela mesma. Diremos que a
teoria do dever é idêntica nas outras yogas, sendo seu objetivo a atenuação do
eu inferior para que o Eu superior possa brilhar; isto é, diminuir a perda de
energias no mundo inferior de existência para que a alma possa manifestar-se em
planos mais elevados. Isto se alcança pelo cumprimento do dever, que é a causa
da perda dos desejos inferiores. A organização social vem se desenvolvendo
desta forma, consciente ou inconscientemente, no campo da ação e experiência,
onde, pela limitação do egoísmo, damos lugar a uma ilimitada expansão da
verdadeira natureza do homem.
O dever raras vezes é
agradável; só quando o amor o impulsiona consegue evitar os atritos. Se assim
não fosse, corno poderiam os pais cumprir os deveres para com seus filhos? Os
esposos para com suas esposas e vice-versa? Não vemos diariamente como os seres
se desentendem? O dever é agradável se realizado com amor, porém o amor não
brilha em todo o seu esplendor quando se tira a sua liberdade de expressão. É
livre aquele que é escravo dos sentidos, da cólera, dos ciúmes e de inumeráveis
erros que ocorrem na vida humana? Em todas as asperezas que encontramos na
vida, a mais alta expressão de liberdade consiste em suportá-las com paciência.
As mulheres escravas de seus próprios temperamentos, irritáveis e ciumentas, estão
propensas a culpar os seus maridos, e a afirmar sua "liberdade" tal
como elas a entendem, ignorando que de tal modo provam ser escravas.
A castidade é a
primeira virtude do homem e da mulher, e é muito raro o homem que, por
extraviado que esteja, não seja atraído por uma terna e casta esposa. O mundo
não é, apesar de tudo, tão mau como parece. Muito se fala de maridos brutais e
de impureza dos homens, porém, não é certo que existe o mesmo número de
mulheres brutais e impuras? Se as mulheres fossem tão boas e puras como o são
as suas freqüentes afirmações, seguramente não haveria no mundo um só homem
impuro. Que brutalidade existe que não possa ser conquistada pela castidade e
pureza? Uma boa e casta esposa para quem todos os homens, exceto seu esposo, são
como filhos, e que assume para todos eles uma atitude de mãe, se tornará tão,
grande no poder de sua pureza que não haverá uni só homem, por brutal que seja,
que não sinta uma atmosfera de santidade em sua presença. Do mesmo modo, cada
homem deve olhar todas as mulheres, exceto a sua, como olharia sua própria mãe,
filha ou irmã. De outro lado, o honrem que ministre religião deve considerar
todas as mulheres como se fossem sua própria mãe, e portar-se diante delas como
um filho.
A posição da mãe é: a
mais elevada do mundo, pois é o único posto onde podemos aprender e praticar o
altruísmo. O amor a Deus é o único que supera o amor de mãe; todos os demais
são inferiores. O dever da mãe é pensar primeiro em seus filhos e depois em si
mesma. Mas, se os pais pensam primeiramente em si mesmos, o resultado se, rã
que entre pais e filhos se estabelece a mesma relação que entre os pássaros e
sua descendência, os quais logo que podem voar, desconhecem os pais.
Bendito, em verdade, é
o homem que pode olhar todas as mulheres como a representação da maternidade de
Deus. Benditas, em verdade, as mulheres para as quais os homens representam a
paternidade de Deus. Benditos os filhos que consideram seus pais como a
Divindade manifestada na terra.
18
4 Hindus
caçadores e carniceiros.
A única maneira do
homem progredir é cumprir os deveres com os mais próximos, e deste modo ir
acumulando forças para poder ir mais alto. Um jovem sannyasin foi a um bosque;
ali meditou, adorou e praticou yoga por muito tempo. Depois de alguns anos de
rude trabalho, achando-se um dia sentado sob uma árvore, caíram sobre sua
cabeça umas folhas secas. Olhou para cima e avistou um corvo e uma gralha que
discutiam no alto da árvore. Muito contrariado, lhes disse: "Como vos
atreveis a atirar estas folhas secas sobre a minha cabeça?, e como ao
pronunciar estas palavras os olhou colérico, de sua cabeça saiu um raio de fogo
que converteu os pássaros em cinza. Sentiu-se então muito feliz pelo
desenvolvimento desse poder; podia fulminar um corvo e uma gralha só com um
olhar. Passado algum tempo, precisou ir à cidade mendigar pão. Chegou à porta
de uma casa e disse: "Mãe, dá-me de comer?" Ao que respondeu uma voz:
"Espera um pouco, filho meu". O jovem pensou: "Desgraçada mulher,
como vos atreveis a fazer-me esperar? Ainda não conheceis meu poder".
Enquanto pensava isto, ouviu-se de novo a voz que dizia: "Menino, não vos
envaideçais tanto, pois aqui não há corvos nem gralhas".
O sannyasin, todo
assombrado, ficou esperando. Por fim, apareceu uma mulher, e ele, caindo a seus
pés, lhe disse: "Mãe, como sabias isto?" E ela respondeu: "Filho
meu, eu não conheço vossa yoga nem vossas práticas. Sou uma mulher vulgar. Filo
esperar porque meu marido está doente e o estava atendendo. Toda a minha vida
me esforcei por cumprir meu dever. Quando era solteira, cumpria meus deveres
para com os meus pais; agora, que sou casada, cumpro meus deveres como esposa;
esta é toda a yoga que pratico. Todavia, cumprindo o meu dever, cheguei a ser
iluminada; por isto posso ler vossos pensamentos e saber o que haveis feito no
bosque. Se quereis saber algo de mais elevado, ide ao mercado da cidade e ali
encontrareis um vyadha4, que vos ensinará
algo que devereis saber". O sannyasin pensou: "Para que hei de ir a
esta cidade para ver um vyadha?" Mas depois resolveu ir. Quando chegou à
cidade, encontrou um mercado a certa distância e viu um carniceiro grande e
gordo que cortava a carne com uma enorme faca, falando e comerciando com várias
pessoas. O jovem disse: "Valha-me, Senhor. É este o homem de quem tenho de
aprender? Parece a encarnação do demônio".
O homem o olhou e
disse: "Olá, swami! Fostes mandado aqui por aquela senhora? Sentai-vos um
pouco até que eu termine minhas obrigações". O sannyasin pensou: "O
que irá me acontecer?" Sentou-se. O homem continuou seu trabalho, e uma
vez terminado, pegou o dinheiro e disse ao sannyasin: "Vinde, Senhor;
vinde à minha casa". Quando chegaram, ele lhe ofereceu um assento e lhe
disse: "Esperai-me aqui", e foi para o interior da casa. Aí, lavou
seus velhos pais, deu-lhes de comer e fez tudo quanto foi possível por
agradá-los, depois do que se voltou para o sannyasin e perguntou: "Que
posso eu fazer por vós?" O sannyasin lhe fez algumas perguntas relativas à
alma e a Deus, e o vyadha lhe deu para ler um fragmento do Mahabarata chamado o
Vyadha Gita, que contém um dos mais belos ensinos da Vedanta. Quando o vyadha
terminou seu ensinamento, o sannvasin ficou assombrado. Então lhe perguntou:
"Com um conhecimento corno o vosso, como é que estais no corpo de um
vyadha cumprindo tão horrível trabalho?" "Filho meu", replicou o
vyadha, "nenhum dever é feio, nenhum impuro. Meu nascimento me colocou
neste ambiente. Em minha infância aprendi o comércio; estou desligado e trato
de cumprir o meu dever. Procuro cumpri-lo como chefe de família, e também
fazendo todo o possível por tornar felizes meus pais. Não conheço vossa yoga,
nem sou sannyasin, nem abandono o mundo para ir aos bosques; no entanto, tudo o
que tendes visto e ouvido, é o que recebo, por cumprir ,desligadamente o meu
dever; é o que corresponde à minha posição".
Conheço na Índia um
Sábio, um grande yogue, um dos homens mais assombrosos que vi em minha vida. É
original; não ensina ninguém; se lhe fazeis uma pergunta, não responde, pois
não quer assumir a atitude de mestre; porém, se esperais alguns dias, no curso
de uma conversação fará que esta recaia sobre o assunto e projetará sobre ela
irmã luz maravilhosa. Comunicou-me uma vez o segredo da ação: "Que o fim e
os meios se associam". Quando fizerdes qualquer trabalho, não penseis em
outra coisa. Leva-lo ao fim, como um ato de adoração, como se cumprísseis o
mais elevado culto, e concentrai nele toda vossa vida.
Assim, no conto que
acabo de referir, o vyadha e a mulher cumpriram seu dever com alegria 'e boa
vontade, resultando da a conquista da iluminação. Isto demonstra claramente que
a reta execução dos deveres em qualquer esfera da vida, sem pensar nos
resultados, conduz à mais alta realização da perfeição da alma.
19
5 A cruz
esvástica é o símbolo da divina energia criadora, em perpétua atividade,
Representa-a girando vertiginosa e poderosamente da esquerda para a direita,
como o denotam Seus braços recurvades para a esquerda. Não se deve confundida
com a cruz gamada (suástica), símbolo das forças negras ou destruidores; seus
braços recurvados para a direita (ao contrário dos da esvática), figuram um
movimento inverso ao da evolução ou oposto à Vontade Divina.
O trabalhador que se
liga aos resultados é o que se queixa da natureza do dever que lhes coube pelo
destino. Para o trabalhador desligado, todos os deveres são igualmente bons e
constituem eficazes instrumentos para destruir o egoísmo e a sensualidade, e
também para assegurar a independência da alma. É comum superestimarmos nossos
méritos. Nosso deveres são proporção muito maior do que estamos dispostos a
confessar. A competição desperta a inveja e mata a vontade. Para os
descontentes, os deveres se tornam desagradáveis; nada os satisfaz e sua vida
redunda num fracasso. Continuemos trabalhando, cumprindo o nosso dever, à
medida que vamos avançando, e então, com segurança, conseguiremos ver a Luz!
Capitulo 5
- Não é ao mundo que ajudamos, e sim a nós mesmos
Antes de considerar com maior extensão a forma pela qual a devoção
nos auxilia em nosso progresso espiritual, permiti-me que abra um breve
parêntese para outro aspecto do que na Índia entendemos por karma. Todas as
religiões constam de três partes: filosofia, mitologia e ritual. A filosofia é,
primeiramente, a essência da religião; a mitologia a explica mediante as vidas
mais ou menos legendárias dos grandes homens, as histórias e os relatos de
acontecimentos surpreendentes. etc., e o ritual dá ã esta filosofia uma forma
ainda mais concreta, com o fim de que todos a possam interpretar.
O ritual é karma obrigatório em toda a religião, pois muitas
pessoas não podem compreender as coisas espirituais abstratas, senão depois de
terem alcançado o suficiente desenvolvimento espiritual. É fácil pensar que
podemos compreender tudo, porém quando chega o momento de pormos em prática
nosso conhecimento, vemos que é mui difícil entendermos as idéias abstratas.
Portanto, os símbolos constituem um poderoso auxiliar, que não podemos
abandonar. Desde tempos imemoriais, os símbolos foram usados Por todas as
religiões. Em certo sentido, não pensamos a não ser por meio de símbolos; acaso
não são as Palavras símbolos do pensamento? E ainda podemos dizer que o próprio
universo é um símbolo que oculta Deus. Esta simbologia não é mera concepção da
Mente humana. A simbologia religiosa é resultante de um crescimento natural, e
se assim não fosse, como é que determinados símbolos estão indissoluvelmente
associados a determinadas idéias? Certos símbolos são universalmente
conhecidos. Muitos de vós pensam que a cruz nasceu com o Cristianismo. Porém é
um fato comprovado que antes do Cristianismo existir, antes de Moisés ter
nascido ou que Os Vedas fossem conhecidos, antes de se registrar qualquer
conhecimento, já existia este, símbolo.
Sabe-se que a cruz esteve entre os astecas e fenícios; e que,
todas as raças a conheceram. Além disto, o símbolo do Salvador crucificado
parece haver sido conhecido em todas as nações. O círculo f à símbolo muito
importante em todo o mundo. Por outro lado, existe o símbolo mais universal de
todos, que é a cruz esvástica5
Durante certo tempo acreditou-se que fosse criação dos
budistas, porém descobriu-se que já era conhecido na Babilônia e no Egito. O
que demonstra isso i Que estes símbolos não podem ser meros sinais convencionais;
deve existir alguma associação natural entre eles e a mente humana. A linguagem
não é convencional; as idéias se correspondem com as palavras de maneira
natural. Os símbolos que representam idéias podem ser sons e cores. Os
surdos-mudos devem pensar mediante símbolos que não são sons. Cada pensamento
cria uma forma específica; isto se chama na filosofia sânscrita nainarupa nome
e forma. É tão impossível criar convencionalmente um sistema de símbolos como
criar uma linguagem.
Nos símbolos ritualistas conservamos uma expressão do
pensamento religioso da humanidade. É fácil dizer que são inúteis os rituais,
templos e outros elementos de adorno; até as crianças podem fazer esta
afirmação. Mas é fácil comprovar que aqueles que se ligam aos templos são algo
diferentes daqueles que se abstêm de fazê-lo. Por conseguinte, associar-se a um
determinado templo, a rituais e outras formas concretas das religiões, tende a
despertar na mente de seus devotos as idéias simbolizadas por essas coisas
concretas; e não se ignora que todos os rituais são simbólicos. O estudo e a
prática destas coisas fazem parte de Karma-Yoga.
20
No
entanto, esta ciência da ação possui muitos outros aspectos. Um deles é
conhecer a relação entre o pensamento e a palavra, e quanto pode ser adquirido
mediante o poder desta. Em todas as religiões é conhecido o seu poder, e até
mesmo alguns afirmam que a criação teve origem na palavra. O aspecto externo do
pensamento de Deus é a palavra; e como Deus pensou e quis antes de criar, a
criação é resultante da palavra. Na violência e precipitação da vida
materialista, nossos nervos endureceram e perderam a sensibilidade. Quanto mais
velhos somos e mais experiências adquirimos, mais insensíveis nos tornamos, e
terminamos por não fazer caso das coisas que nos rodeiam.
A natureza humana
primeiro se impõe algumas vezes e nos leva a inquirir e considerar alguma
destas ocorrências; esta reflexão é o primeiro passo para a luz. Além do alto
valor filosófico e religioso da Palavra, vemos que os símbolos sonoros
desempenham papel importante no drama da vida humana. Eu vos falo, porém não
vos toco; as vibrações do ar causadas por minhas palavras vão aos vossos
ouvidos, tocam vossos nervos e produzem efeitos em vossa mente. Não podeis
impedir isto. Pode haver algo mais assombroso? Um homem chama outro de néscio;
este se põe de pé, cerra os punhos e lhe dá uma bofetada. Vede o poder da
palavra. Uma mulher chora desconsolada; outra passa e lhe dirige palavras de
consolo; o desesperado aspecto da aflita desaparece e começa a sorrir. Pensai
no poder destas palavras.
Agi com potente
energia, tanto na mais elevada filosofia como na vida prática. Noite e dia
manipulamos inconscientemente esta força, sem tratar de indagar sua essência.
Conhecer a natureza desta força e utilizá-la corretamente também é uma parte de
Karma-Yoga.
Nosso dever para com
os outros baseia-se em ajudá-los, fazer bem ao mundo. Por que devemos fazer bem
ao mundo? Aparentemente para ajudarmos a nós próprios. Tratar de ajudar o mundo
deveria ser nossa mais elevada aspiração; porém, se pensarmos um pouco, veremos
que o mundo não precisa de nosso auxílio. Este mundo não foi criado para que
vós e eu o ajudássemos. Uma vez li um sermão que dizia: "O mundo é muito
bom porque nos oferece a oportunidade de ajudar os demais". A primeira
vista este sentimento é muito belo; porém, não é unia blasfêmia dizer que o
mundo precisa de nosso auxílio? Não podemos negar que há muita miséria nele;
socorrer o próximo, portanto, é o que de melhor podemos fazer, ainda mesmo que
saibamos que a única coisa que nisso fazemos é auxiliarmos a nós mesmos.
Quando eu era criança,
tinha uns ratos brancos e os guardava em uma caixa munida de umas rodas feitas
de modo que, quando os ratos andavam nela, as rodas giravam incessantemente e
os ratos ficavam no mesmo lugar. É o que acontece ao mundo com o nosso auxílio.
O único auxílio positivo consiste em nos obrigar a uma ginástica moral. O mundo
não é nem bom nem mau; cada homem constrói um mundo para si mesmo. Se um cego
principia a pensar no mundo, o suporá frágil ou duro, frio ou quente.
Constituímos uma massa de felicidade e infortúnio; podemos observar isto
centenas de vezes.
Geralmente os jovens
são otimistas e os velhos pessimistas. O jovem tem a vida ante si, e o velho se
queixa porque envelheceu mais um dia; centenas de desejos que não puderam ser
satisfeitos fervem em sus corações. No entanto, ambos estão em condições
idênticas. A vida é boa ou é má, segundo as atitudes mentais com que a
observemos; por si mesma, não é nada. O fogo, por si mesmo, não é bom nem mau.
Quando nos dá calor, dizemos: "Que bom fogo!" Quando nos queima o
dedo, o maldizemos. Segundo o uso que dele façamos, produz em nós uma sensação
agradável ou desagradável. O mundo é perfeito. Por perfeição entendemos aquilo
que está admiravelmente adaptado a seus fins. Podemos estar seguros de que
caminhará completamente bem sem nossa ajuda, e que não tem necessidade de que
percamos a cabeça por sua causa.
Todavia, precisamos
praticar o bem; o desejo de fazer o bem é o que de mais elevado podemos
aspirar, desde que aceitemos o princípio de que é um grande privilégio ajudar
os outros. Não vos coloqueis num alto pedestal, com uma moeda na mão, enquanto
dizeis: "Tornai, pobre homem". Agradecei mais do que o pobre, pois deste
modo tivestes a oportunidade de ajudar a vós mesmo, ajudando o pobre. O
beneficiado não é quem recebe, e sim aquele que dá. Agradecei àqueles que vos
deram a oportunidade de ser benevolente e misericordioso, pois só assim
chegareis neste mundo a ser puro e perfeito. To_ das as boas ações nos levam à
pureza e perfeição. Que de melhor podemos fazer? Construir um hospital, abrir
estradas, erguer asilos de caridade, organizar uma festa de beneficência e
reunir dois ou três milhões de dólares, edificar um hospital com um milhão, com
o segundo dar bailes e beber champanha e com o terceiro deixar que os
administradores roubem a metade, e o resto, finalmente que chegue aos pobres.
Que representa isto? Um golpe de vento destrói tudo em cinco minutos.
21
Que
devemos então fazer? Uma erupção vulcânica pode arrasar os nossos hospitais e
nossas estradas. Abandonemos esta conversa inútil de querer fazer bem ao mundo;
ele não precisa do vosso auxílio nem do meu; no entanto, devemos fazer o bem
constantemente, porque isto constitui uma bênção para nós. Esta é a única
maneira de chegarmos a ser perfeitos. Nenhum dos mendigos que temos auxiliado,
nos devem um só centavo; ao contrário, somos nós que lhes devemos o favor de
nos terem permitido ajudá-los. É erro pensar que nós temos o poder de fazer bem
ao mundo, ou acreditar que auxiliamos tais ou tais pessoas. É um pensamento
falso, e os pensamentos falsos produzem miséria.
Imaginemos um homem
que ajudou seu semelhante e espera recompensa, e como este não lhe foi grato,
ele se sente infeliz. Por que devemos esperar a recompensa daquilo que fazemos?
Agradecei ao homem que permitiu ser ajudado, considerando-o um Deus. Não é um
grande privilégio sermos permitido adorar Deus ajudando nossos semelhantes? Se estivéssemos
verdadeiramente desligados, nos livraríamos desta expectativa e poderíamos
praticar no mundo muito trabalho útil. Nunca traz infelicidade nem miséria a
ação realizada sem se esperar recompensa. O mundo continuará com suas tristezas
e alegrias por toda a eternidade.
Havia um pobre homem
que necessitava de certa importância em dinheiro e, não se sabe como, tinha
ouvido dizer que se ele pudesse se utilizar dos serviços de um gênio, poderia
obrigá-lo a trazer-lhe dinheiro e tudo quanto desejasse. Por isto estava
ansioso por encontrar algum, e saiu em busca de alguém que lhe facilitasse os
meios de conseguí-lo. Finalmente, topando com um sábio que possuía poderes,
pediu-lhe auxílio. O sábio perguntou-lhe por que desejava um gênio, "É
para trabalhar para mim; ensina-me como posso obtê-lo, senhor, porque necessito
muito", replicou o homem. O sábio disse: "Não vos inquieteis; ide à
vossa casa".
No dia seguinte o
nosso homem foi novamente ver o sábio e tornou a suplicar-lhe: "Daí-me um
gênio; eu preciso de um gênio, senhor; ajudai-me". Por fim o sábio se
cansou e lhe disse: "Tomai este talismã, repeti tal palavra mágica e vos
aparecerá um gênio que fará tudo que lhe determinardes. Mas tende cuidado; são
seres terríveis e devem estar constantemente ocupados; se deixardes de lhe dar
trabalho, ele vos tirará a vida". O homem replicou: "Isto é fácil,
dar-lhe-ei trabalho para toda a minha vida". Foi ao bosque e depois de
repetir várias vezes a palavra mágica, um enorme gênio se lhe apresentou e disse:
"Eu sou o gênio, e fui conquistado por vossa magia; deveis Ter-me ocupado
constantemente, senão vos matarei". O homem lhe ordenou: "Construi-me
um palácio". "Já está construído", lhe disse. "Traz-me
dinheiro", disse logo. "Aqui está o dinheiro", respondeu-lhe o
gênio. "Abre este monte e edifica uma cidade neste lugar". "Já
está feita” , replicou; "que quereis mais?" Então o homem começou a
temer, por não ter nada mais para mandar fazer, pois o gênio fazia tudo num
momento. O gênio não esperou: "Ou me dais serviço ou vos mato", lhe
disse.
O pobre homem estava
aterrorizado; não havia ocupação para dar-lhe; todo assustado, correu à casa do
sábio e lhe suplicou: "Oh! Senhor, salvai-me a vida". E como este lhe
perguntasse o que acontecia, lhe respondeu: "Não tenho nada mais para
mandar o gênio fazer; tudo o que lhe ordeno, fá-lo num momento, e ameaça
matar-me se eu não lhe der mais trabalho". Naquela hora chegou o gênio:
"Vou matar-vos", exclamou e se dispôs a fazê-lo. 'O homem começou a
tremer e a rogar ao sábio que lhe salvasse a vida. Este lhe disse: "Eu vou
encontrar-vos uma saída. Observai aquele cão que tem a cauda enrolada. Tirai
rapidamente vossa espada, cortai-a e mandai o gênio endireitá-la". O homem
assim fez. O gênio pegou a cauda e com muito jeito conseguiu endireitá-la,
porém, sempre que a largava, ela se enrolava de novo. Durante dias inteiros
endireitava a cauda e esta tornava a enrolar-se, até que por fim exclamou:
"Jamais me vi em
tal aperto; sou um velho e veterano gênio, porém nunca me vi em tão grande dificuldade.
Vou propor-vos um trato: permiti que me retire e vos deixarei tudo o que já vos
dei, comprometendo-me a não vos fazer mal algum". O homem ficou contente e
o aceitou alegremente.
Este mundo se parece
com a cauda enroscada do cão: as pessoas têm lutado para endireitá-la durante
centenas de anos, porém quando a soltam, ela se enrola de novo. Como poderia
ser de outro modo? Todos têm que aprender primeiro a agir sem se ligar à ação;
então já não será um fanático. Quando compreendermos que este mundo é como a
cauda enrolada do cão, que nunca se endireitará, então não seremos fanáticos.
Se não houvesse
fanatismo no mundo, este progrediria mais rapidamente. É um erro crer que o
fanatismo pode contribuir de algum modo para o progresso do gênero humano; ao
contrário, é uma peçonha que, criando ódios e cóleras, é a causa das pessoas
lutarem entre si, tornando-se insensíveis à .compaixão.
22
Pensamos
que tudo quanto fazemos ou possuímos é o melhor do mundo, e que o que não
fazemos nem possuímos não tem valor. Assim, recordai-vos do exemplo da cauda
enrolada, para evitar vos tornardes fanáticos. Não tendes necessidade de vos
atormentar nem de perder o sono por causa do mundo; seguirá seu caminho sem
vós. Somente quando tiverdes evitado o fanatismo, agireis bem. É o homem
mentalmente equilibrado, de juízo sereno e capaz de experimentar simpatia e
amor, que faz boa obra e se favorece a si mesmo. O fanático é néscio e não
sente; jamais pode modificar o inundo nem se tornar puro e perfeito.
Em síntese, os principais
pontos deste capítulo são: Primeiro, recordar que somos devedores do mundo e
que este nada nos deve. É um grande privilégio para nós sermos permitido fazer
algo pelo mundo. Ao ajudá-lo, em realidade nos ajudamos a nós mesmos. Segundo,
que há um Deus neste universo. Não é certo que este universo flutue sem destino
e tenha necessidade do vosso auxílio ou do meu. Deus está sempre presente nele.
É imortal, eternamente ativo e infinitamente vigilante. Quando todo universo
dorme, Ele permanece velando; age incessantemente; as mudanças e manifestações
do mundo são obra Sua. Terceiro, não devemos odiar ninguém.
Este mundo continuará
sempre sendo uma mistura de bem e de mal.
Nosso dever é
simpatizar com os débeis e amar, inclusive, os malfeitores. O mundo é um grande
ginásio moral, onde devemos exercitar-nos para ser cada dia mais fortes
espiritualmente. Quarto, não devemos ser fanáticos, porque o fanatismo é oposto
ao amor. Ouvireis continuamente que os fanáticos dizem: "Eu não odeio o
pecador e sim o pecado"; porém estou disposto a ir a qualquer parte, por
longe que seja, para encontrar o homem realmente capaz de distinguir entre o
pecado e pecador. É muito fácil dizer. Se pudéssemos distinguir bem entre
qualidade e substância, poderíamos chegar a ser perfeitos. Não é fácil fazê-lo.
E quanto mais tranqüilos formos e menos alterados estiverem os nossos nervos,
mais amaremos e melhor agiremos.
Capítulo 6
- Desapego e abnegação completos
Assim como cada ação que de nós emana a nós volta como
reação, também nossas ações podem agir sobre outras pessoas e as desta sobre
nós. Certamente já tendes reparado que quando as pessoas cometem más ações,
tornam-se cada vez mais pervertidas, e que, quando começam a praticar o bem,
ficam cada vez mais fortes e aprendem a fazer o bem em qualquer ocasião. Esta
intensificação da ação. Só se explica porque agimos e reagimos uns sobre os
outros.
Tomemos um exemplo na física. Enquanto executo uma ação,
pode-se dizer que minha mente vibra de determinada maneira, e todas as mentes
que estão em circunstâncias análogas serão afetadas por minha mente. Se numa
habitação colocamos diferentes instrumentos musicais afinados no mesmo tom,
observa-se que, quando se toca um deles, os outros vibram reproduzindo a mesma
nota. Do mesmo modo, todas as mentes que têm a mesma tensão, serão afetadas
pelo mesmo pensamento.
Supondo que eu cometa um ato mau, minha mente vibra com uma
freqüência especial e todas as mentes semelhantes podem ser afetadas pela
vibração de minha mente. Da mesma forma, quando pratico uma boa ação, minha
mente vibra em outra freqüência e as que estão em uníssono com a minha têm a
possibilidade de ser afetadas por ela. E este poder de uma mente sobre outra
variará em proporção à intensidade do pensamento.
Segundo este símile, pode-se dizer que assim como as ondas de
luz podem levar milhões de anos antes de alcançar um objeto, assim também as
ondas mentais podem viajar centenas de anos antes de encontrar um objeto com o
qual vibrem em uníssono. É provável que nossa atmosfera esteja cheia de
vibrações mentais boas e más. O pensamento projetado por um cérebro segue
vibrando, por assim dizer, até encontrar uma mente devidamente sintonizada que
o capte. Da mesma forma, quando um homem comete más ações, induz em sua mente
um certo estado vibratório, e as ondas correspondentes pugnarão por alcançá-la.
Esta é a razão pela qual um malfeitor se torna cada vez pior. Suas ações se
intensificam.
A mesma coisa acontece com as pessoas que praticam ações
boas; sua mente capta cada vez mais as boas ondas existentes na atmosfera, e
com elas intensifica suas ações boas. Consequentemente, corremos um perigo
duplo ao praticarmos o mal. Primeiro, nos abrimos a todas as más influências
que nos rodeiam, e segundo, criamos um mal que afetará os outros, talvez daqui
a cinqüenta anos. Ao fazer o mal, prejudicamos a nós mesmos e aos demais. Ao
fazer o bem, beneficiamos a nós mesmos o ao mesmo tempo aos demais. Como todas
as outras forças do homem, as do bem e as do mal se acumulam no exterior.
23
De
acordo com a Karma-Yoga, a ação realizada não pode ser destruída enquanto não
tiver dado seus frutos; ninguém pode impedir seus resultados. Se eu pratico uma
ação má, terei que sofrer por ela; não há nada no universo capaz de evitar ou
detê-la. Do mesmo modo, se faço algo de bom, não existe poder no universo que
impeça suas boas conseqüências. A causa deve ter o seu efeito; nada a pode
impedir ou minorar. Agora se apresenta uma questão muito sutil, referente a
Karma-Yoga: é que nossas ações, boas ou más, estão Intimamente relacionadas
umas com as outras. Não podemos traçar uma linha demarcatória e dizer: esta é
inteiramente boa e aquela má. Não existe ação que não produza bons e maus
frutos ao mesmo tempo.
Tomemos um exemplo
mais próximo. Eu vos falo: alguns de vós pensam que estou fazendo bem e que ao
mesmo tempo mato centenas de micróbios na atmosfera; logo faço mal a outros.
Quando a ação nos interessa muito de perto ou afeta gratamente a quem
conhecemos, dizemos que é boa. Por exemplo: minha conversação poderá parecer
muito agradável para vós, porém os micróbios opinarão de maneira diferente. Não
vedes os micróbios, porém vedes a vós mesmos. A maneira como minha conversação
vos afeta se torna evidente para vós, porém não a maneira como ela afeta os
micróbios. Do mesmo modo, se analisarmos nossas más ações, veremos também que
elas têm podido produzir algum bem. Aquele que na boa ação descobre o segredo
da ação e em meio do mal algum bem, conheceu o segredo da ação.
Mas, que resulta de
tudo isto? Pois não pode existir nenhuma ação inteiramente pura nem
perfeitamente impura no sentido de fazer o bem ou mal. Não podemos respirar nem
viver sem causar mal aos outros, e cada partícula de alimento que comemos
tirâmo-la da boca de uni terceiro. Nossas próprias vidas destroém micróbios,
porém nós temos que crescer às expensas de uns e de outros. Disto se deduz que
a perfeição jamais será alcançada pela ação. Mesmo que atuemos durante toda a
eternidade, não conseguiremos sair deste intrincado emaranhado; podeis agir sem
cessar; não existirá fim para esta inevitável associação de bem e de mal no
resultado da ação.
Consideremos o segundo
ponto: qual é o fim da ação? Observamos que a maior parte das pessoas crê que
chegará uma época em que o mundo será perfeito; que não existirão mais
enfermidades, desgraças e maldades. Esta idéia é muito boa para animar e
entusiasmar os ignorantes, porém, se pensarmos um momento, veremos que não pode
ser assim. Acaso o bem e o mal não são o verso e o reverso de uma mesma
medalha? Como pode existir bem sem mal ou mal sem bem? Que entendemos por
perfeição? A vida perfeita cairia numa contradição.
A vida é uma luta
contínua entre nós mesmos e o exterior. Continuamente nos encontramos lutando
com a natureza externa, e se somos vencidos, nossa vida sucumbe. Por exemplo,
lutamos por alimento e ar. Se qualquer destas coisas nos faltarem, morreremos.
A vida não é uma coisa amável que se desliza suavemente, e sim, um esforço
contínuo. Esta luta complexa entre o interior e o exterior é o que chamamos vida.
É, pois, evidente que quando cessar esta luta, terminará também a vida.
O que se entende por
felicidade ideal, é a cessação da luta. Mas então a vida terminou, porque a
luta só se acaba quando a vida termina. Temos visto que ajudando o mundo,
ajudamos a nós mesmos. O efeito principal de nossa ação em benefício alheio é
ela purificarmos a nós mesmos. Esforçando-nos constantemente em fazer o bem aos
outros, conseguimos esquecermos de nós mesmos; este esquecimento do eu é a
grande lição que nos falta aprender. O homem pensa nesciamente que pode achar a
felicidade, porém depois de muitos anos de luta descobre que a verdadeira
felicidade consiste em matar o egoísmo, e que ninguém, exceto ele, pode fazê-lo
feliz.
Cada ato de caridade,
cada pensamento de simpatia, cada ação boa reduz nossa vaidade e fez com que
nos consideremos insignificantes; portanto, tudo é bom. Aqui achamos que JNANA,
BHAKTI e KARMA convergem para o mesmo ponto. O ideal mais elevado é a eterna e
total abnegação: esquecer o “eu” para não pensar mais do que no "tu".
Quer seja o homem consciente ou inconsciente disto, karma-yoga o leva até o
fim. Um sacerdote poderá espantar-se da idéia de um Deus impessoal, insistirá
sobre o pessoal e sustentará sua identidade e individualidade própria. Porém sua
ética, se é realmente boa, só pode estar baseada na mais elevada abnegação.
Esta é a base de toda a moral; podeis torná-la extensiva a todos os homens,
animais, ou anjos, porém é a única idéia básica, o único princípio fundamental
que nos sustenta todo sistema de moral.
24
6 Isto é, ação,
devoção e conhecimento,
7
São
os secetários do Jainismo, uma das religiões mais antigas da Índia, e cujo
último grande Instrutor foi o Senhor Mahavira. Pode-se resumir assim o ideal
dessa religião: o homem que não prejudique nenhum ser vivente, alcança a paz do
nirvana.
Encontrareis várias
espécies de homens neste mundo. Primeiro existem os homens divinos, cuja
abnegação é completa; esses fazem o bem aos outros, mesmo à custa do sacrifício
de suas vidas. Se existissem cem homens desses em alguns países, tais países
nunca teriam motivos para se afligir; porém, infelizmente, eles são muito
poucos, Em seguida, existem os homens bons, que fazem bem aos outros mas desde
que não se prejudiquem a si mesmos; e uma terceira classe: os que para o bem de
si mesmos prejudicam os demais. Um poeta sânscrito disse que existe uma quarta
classe de pessoas que fazem o mal só pelo prazer de fazê-lo. Assim também
encontramos, de outro lado, o homem mais elevado que faz o bem só por amor ao
bem.
Existem duas palavras
sânscritas: pravritti que significa "atrair", e nivritti,
"repelir". Atrair é o que chamamos o "eu" e "meu”;
inclui as coisas que enriquecem o "eu" com posição, dinheiro, poder,
fama e nome. Este é o pavritti, a tendência natural de cada ser humano: tomar
tudo de toda as partes e amontoá-lo, ao redor de um centro, sendo este o
próprio e importantíssimo eu do homem. Quando esta tendência começa a declinar,
quando se converte em nivritti, "repelir", então começam a moralidade
e a religião. Tanto pravitti como nivritti são resultantes da ação; a primeira
é má, a segunda é boa. Nivritti é a base fundamental de toda moralidade e
religião, e sua perfeição absoluta consiste em estar sempre disposto a
sacrificar a mente, o corpo e tudo mais por nosso semelhante.
Quando um homem
alcança este estado, chega à perfeição da Karma-Yoga. Este é o mais elevado
resultado das boas ações. Mesmo que o homem não tenha estudado nenhum sistema
de filosofia, não tenha acreditado nem creia em Deus e não tenha orado uma só
vez em toda a sua vida, se o simples poder das boas ações o levarem a um estado
em que esteja disposto a dar a sua vida pelos seus semelhantes, encontrar-se-á
no mesmo ponto do homem religioso ou do filósofo. Então vereis que o filósofo
religioso ou o homem. de ação estão todos no mesmo ponto, e que este ponto é a
abnegação.
Por muito que se
diferenciem os sistemas filosóficos e religiosos, os homens se inclinam com
reverência e respeito ante o que está pronto a se sacrificar pelos demais. Já
não se trata de credo nem doutrinas. Os grandes inimigos das idéias religiosas
se inclinam ante um ato de completa abnegação. Não vistes que até o cristão
mais fanático, quando lê a Luz da Ásia, de Edwin Arnold, sente veneração pelo
Buda que não pregou Deus algum, e somente o auto sacrifício? O que acontece é
que o fanático ignora que suas aspirações na vida coincidem plenamente com as
daqueles a quem critica. O devoto, mantendo seu pensamento sempre fixo em Deus,
chega ao mesmo ponto e exclama: "Faça-se a Tua vontade", sem reservar
nada para si mesmo. Isto é abnegação. O filósofo, com seu conhecimento,
compreende que o eu é uma ilusão e o abandona facilmente; isto é abnegação.
Deste modo, karma, bhakti e jnana6 se
reúnem num ponto só; e isto foi ensinado pelos pregadores antigos quando
afirmavam. que Deus não é o mundo. Uma coisa é o mundo e outra é Deus; o que
eles entendem por mundo é egoísmo. O altruísmo é Deus. Alguém pode viver num
trono ou palácio de ouro e ser perfeitamente altruísta, e por isto estará em
Deus. Outro pode viver numa cabana, vestir farrapos, e no entanto, se é
egoísta, estará intensamente submerso no mundo.
Dissemos que não
podemos fazer o bem sem ao mesmo tempo praticar o mal, nem fazer o mal sem ao
mesmo ter que realizar algum bem. Em vista disto, como podemos agir? Existiram
seitas que de um modo fantástico pregaram o suicídio como único meio de se
libertar do mundo; porque, se um homem vive, tem que forçosamente matar pobres
animais e plantas, e fazer o mal a algo ou alguém. Por conseguinte, segundo
eles, a única maneira de se livrar do mundo é morrer. Os jainistas7
aprenderam esta doutrina como o ideal mais elevado. Este
ensinamento parece lógico; porém a verdadeira solução se encontra no
Bhagavad-Gita. É a teoria de não se ligar, de não apegar-se a nada, mesmo
cumprindo-se o dever na vida.
Compreendei que vos
achais completamente separado do inundo, embora vivais nele, e qualquer coisa
que fizerdes não a façais por amor a vós mesmo. Os efeitos de toda ação que
realizardes em vosso proveito, terão que pesar sobre vós mesmos. Se é boa,
recebereis o bom resultado; se é má, o mau. Mas, qualquer ato que não seja
praticado em vosso exclusivo benefício, seja qual for, não terá efeito sobre
vós. Há uma sentença muito expressiva em nossas escrituras, que esclarece esta
idéia: "Mesmo que ele mate todo o universo e a si mesmo, não é o matador
nem o morto, quando sabe que ele não age por si mesmo de nenhuma maneira.
Portanto, Karma-Yoga ensina: "Não abandones o mundo; vive nele, assimila
suas influências de toda forma que puderes, porém se tiver que ser em proveito
de teu gozo próprio, não atues de maneira alguma".
25
Gozar
não é a meta. Primeiro mata teu eu e em seguida considera todo inundo como se
fosses tu mesmo, como os antigos cristãos que costumavam dizer: "O homem
velho deve morrer". Este homem velho é o conceito egoísta de que todo o
mundo foi feito para que dele desfrutemos. Os pais néscios ensinam seus filhos
a orar: "Oh! Senhor. Tu criaste este sol e esta lua para mim", como
se o Senhor não tivesse outra coisa em que se entreter. Não ensineis a vossos
filhos semelhante tolice. Além disso, há pessoas que pecam por outras razões:
ensinamos que os animais foram criados para satisfação de nosso estômago e que
o universo existe só para gozo do homem. Do mesmo modo, um tigre poderia dizer:
"O homem foi criado para mim", e orar: "Oh! Senhor, que malvados
são os homens, ao não se colocarem voluntariamente ao alcance de minhas
mandíbulas; estão violando Vossa Lei". Se é para nós que o mundo foi
criado, nós, reciprocamente, fomos criados para ele. Que o mundo haja sido
criado para o nosso prazer é a idéia mais perversa de quantas nos podem
escravizar. Milhões de seres abandonam periodicamente este mundo, e outros
milhões vêm ocupar o seu lugar. O inundo é para nós o que nós somos para ele.
Para agir com retidão,
temos que abandonar primeiramente a idéia de apego. Em segundo lugar, não
devemos interferir nos acontecimentos, e sim, manter-nos em posição de
testemunhas e continuar trabalhando. , Meu Mestre costumava dizer:
"Considerai vossos próprios filhos como o faz a ama". A ama se
encarrega de vossos filhos, acaricia-os e brinca com eles, tratando-os tão
ternamente como se fossem seus; porém logo que a despedis, preparará sua roupa
e sairá da casa sem que se recorde de vossos filhos. Assim deveis ser vós com
tudo quanto considerais como vosso. Sois a ama, e se credes em Deus, crede
também que todas estas coisas que considerais vossas são realmente Suas.
A maior debilidade se
insinua às vezes como o maior bem e força. É um erro pensar que alguém dependa
de mim ou que possa fazer o bem a outrem. Esta crença é a causa de nosso apego,
e do apego surge a dor. Alimentemos a convicção de que nada depende de nós.
Todos somos ajudados pela natureza, e mesmo que faltassem milhões de nós, tudo
correria da mesma forma. O curso da natureza não será alterado por vós nem por
mim; porém, como já foi dito, é um grande privilégio para vós e para mim que se
nos permita ajudar os outros, para nos educarmos a nós mesmos. Esta lição
devemos aprender a todo transe, e quando a tivermos aprendido, nunca. mais
seremos infelizes; poderemos ir a qualquer parte e nos misturarmos na sociedade
sem perigo. Podeis ter. regimentos de serviçais e ainda reinos para governar,
contanto que procedais baseando-vos no princípio de que o mundo não é para vós
nem ele vos necessita imprescindivelmente. Por exemplo, morre um vosso amigo;
deteve-se por isso o mundo, e espera o regresso de vosso amigo para continuar
sua marcha? Não; continua girando. Tirai de vossa mente a idéia de que tendes
de fazer algo pelo mundo, pois ele não precisa de vosso auxílio. É uma tolice
pensar que se nasceu para ajudar o mundo; há nisso muita vaidade e egoísmo
cobrindo-se com a máscara da virtude. Quando tiverdes compreendido que o mundo
não depende de vós nem de ninguém, vossa ação já não produzirá uma reação
dolorosa. Quando derdes algo a um homem e não esperardes nada dele, nem mesmo a
gratidão, sua ingratidão em nada vos afetará.
O karma é quem regula
as ações entre os seres humanos. Ninguém dá nada, senão que os outros nos
exigem a propriedade que tinham. depositado em nossas mãos. Por que deveis
estar orgulhosos por terdes dado algo? Sois apenas o depositário do dinheiro ou
dos bens que vos foram confiados, e o mundo os exige por seu próprio karma.
Qual é, pois, a razão de vos orgulhardes? Não há nada de importante no que dais
ao mundo. Quando adquirirdes o sentimento do desapego, nada será bom nem mau
para vós. Só o egoísmo produz a diferença entre o bem e o mal. É coisa difícil,
porém, com o tempo chegareis a compreender que nada no universo tem poder sobre
vós, a menos que o permitais. Nada tem poder sobre o Eu do homem, a não ser que
o Eu abdique de sua independência. Assim, não vos ligando mas sobrepondo-vos
impedis que qualquer poder possa influir sobre vos. É muito fácil dizer que
nada vos afeta, porém, qual é o homem a quem nada afeta? A quem a má fortuna
não altera o ritmo de seus pensamentos nem modifica seu caráter e costumes?
26
8 Liberdade,
libertação; corresponde à salvação eterna do Cristianismo.
Houve na Índia uni
grande sábio chamado Vyasa; foi conhecido como autor dos aforismos vedantinos e
como um santo. Seu pai pensou em chegar à perfeição mas fracassou. Seu avo
também não conseguiu êxito. Sua bisavó intentou sem o conseguir. Vyasa mesmo
não a alcançou de maneira perfeita, porém seu filho Shuka nasceu perfeito.
Depois de ensinar-lhe a verdade, Vyasa mandou seu filho à corte do rei Janaka
Videka. (Videka significa "sem corpo"). Embora rei, tinha esquecido
completamente que era um corpo, pois ,o sentia o espírito. O rei soube que o
filho de Vyasa estava a caminho para aprender com ele a sabedoria e fez certos
preparativos antecipadamente. Quando o menino se apresentou às portas do palácio,
os guardas não fizeram caso dele. Unicamente lhe indicaram um assento e aí ele
permaneceu três dias e três noites sem que ninguém lhe desse uma palavra. Filho
de um grande sábio, seu pai era honrado por todo o país, e ele mesmo era uma
pessoa muito respeitável; no entanto, os grosseiros e vulgares guardas do
palácio não lhe deram atenção. Em seguida, e de maneira imprevista, os
ministros do rei e altos dignitários chegaram-se a ele e o receberam com as
maiores honras. O rosto sereno de Shuka não se alterou em nada pelo tratamento
que lhe dispensaram; era em meio do luxo o mesmo que quando aguardava à porta.
Então foi levado ante o rei. Estava este sentado no trono, e havia música e
danças e outras diversões. O rei lhe deu um copo de leite, cheio até a borda, e
lhe pediu que desse sete voltas ao redor da sala sem que derramasse uma só
gota. O menino pegou o copo e fez o que lhe fora ordenado. Tal como o rei o
desejou, sete vezes deu a volta, em meio da música e da atração dos formosos
rostos sem derramar uma só gota. A mente do jovem não podia ser distraída por
coisa alguma, a menos que ele quisesse. E quando levou o copo ao rei, este lhe
disse: "Só poderia eu repetir-vos o que vosso pai vos ensinou e
aprendestes; conheceis a verdade: voltai para casa
Assim, o homem que
exerce controle sobre si mesmo não pode ser escravo de nenhuma coisa externa.
Sua mente está liberta; unicamente um homem assim está para viver
apropriadamente no mundo. Geralmente se encontram nos homens duas opiniões
acerca do mundo. Os pessimistas dizem: "Que horrível é este mundo; que
perverso!" Os otimistas, ao, contrário: "Quão belo e
maravilhoso!" Para os que não controlam suas mentes, o inundo é mau. Este
mesmo mundo será bom para nós, desde que sejamos donos de nossas mentes. Então
nada poderá afetar-nos, nem seu mal; acharemos que tudo ocupa seu lugar
adequado, que tudo é harmonioso. Alguns que começam por dizer que o inundo é um
inferno, terminam por julgá-lo um céu quando conseguem controlar suas mentes.
Se somos verdadeiramente karma-yogues e desejamos alcançar o autodomínio, onde
quer que comecemos estaremos certos de terminar na perfeita abnegação; e logo
que este eu ilusório tenha desaparecido, o mundo, que a princípio nos parecia
mau, se transformará no próprio céu. Sua mesma atmosfera será bendita; cada
rosto humano nos parecerá bom. Tal é o fim e aspiração do Karma-Yoga e tal sua
perfeição na vida prática.
As yogas não se
contradizem; cada um deles nos conduz ao mesmo fim e nos torna perfeitos; só
que devem ser rigorosamente praticados. Todo o segredo se encontra na prática.
Primeiro deveis ouvir, em seguida pensar e depois agir. Isto é certo em
Karma-Yoga. Primeiro tendes que compreender o que é; muitas coisas que não
compreendeis, se tornarão claras ao escutardes e pensardes nelas
freqüentemente. A explicação de tudo esta finalmente em vós mesmo. Ninguém foi
realmente educado por outro; cada qual tem que se educar a si mesmo. O mestre
externo só oferece as sugestões que despertem o mestre interno e o ponham em
situação de compreender as coisas. Estas então se nos apresentam claras, por
nosso próprio poder de percepção e pensamento, e as realizaremos em nossa
própria alma; e esta realização, ao desenvolver-se, se converterá num intenso
poder de vontade. Primeiro temos o sentimento, depois o querer e por último a
vontade (essa tremenda força que correrá em cada veia, nervo e músculo, até que
todo o conjunto de vosso corpo se transforme num instrumento de altruísta yoga
de ação).
Esta aquisição não
depende de nenhum dogma ou crença. Não importa que se seja judeu, cristão ou
gentio. Sois altruísta? Esta é a questão. Se o sois, sereis perfeito sem ler um
só livro religioso nem entrar numa só igreja ou templo. Cada uma de nossas
yogas está apta a tornar o homem perfeito, mesmo sem auxílio dos outros, porque
todos chegam ao mesmo fim. As yogas da ação, sabedoria e devoção podem servir
como meios diretos e independentes para a aquisição de "moksha"8.
"Só os néscios dizem que o trabalho e a filosofia são diferentes".
Para os sábios, ainda que pareçam diferentes, ambos conduzem à meta da
perfeição humana.
27
Capítulo 7 - Liberdade
Além do significado de atuar, dissemos que, psicologicamente
considerada, a palavra karma quer dizer causação. Qualquer trabalho, ação ou
pensamento que produza um efeito, chama-se karma. Assim, "lei de
karma" significa "lei de causa e efeito". Onde quer que exista
uma causa, produz-se um efeito; esta necessidade não pode ser evitada, e é,
segundo nossa filosofia, uma lei que se cumpre em todo o universo, enquanto de
um modo é o resultado de uma ação passada, de outro modo se converte em causa
de seu próprio efeito. É necessário, além disso, considerar o que significa a
palavra lei. Por lei entendemos a tendência de repetir uma série de fenômenos.
Quando vemos um fato seguido de outro ou que transcorre simultaneamente,
esperamos que esta seqüência ou coexistência torne a ocorrer.
Os antigos lógicos e filósofos da escola nyóya denominavam
esta lei de vyápti. Segundo eles, nosso conceito de lei se deve à associação.
Uma série de fenômenos está em nossa mente, associada a certas coisas, segundo
uma ordem invariável; desta forma, qualquer coisa que percebemos num dado
momento é imediatamente transferida a outros fatos de nossa mente. Toda idéia,
ou, segundo nossa psicologia, cada vibração produzida na substância mental
chitta, deve dar nascimento a vibrações semelhantes. Esta é a idéia psicológica
da associação e o motivo é apenas um aspecto deste princípio. A associação se
chama vyápti. No mundo externo a idéia de lei é igual à ,do mundo interno: a
expectativa de que um fenômeno particular seja seguido por outro e que a série
se repita. Portanto, estritamente falando, a lei não existe na natureza.
Praticamente é um erro dizer que a gravitação existe na terra ou que há alguma
lei que exista objetivamente nalguma parte da natureza.
A lei é o método ou a maneira como nossa mente percebe um
série de fenômenos; tudo está na mente. Certos fenômenos que ocorrem sucessiva
ou simultaneamente, capacitam nossas mentes a perceber o método da série, e
constituem o que chamamos lei.
A imediata questão a considerar é a definição de uma lei
universal. Nosso universo e a porção de existência caracterizada pelo que os
psicólogos sânscritos chamam desakánimita, ou seja, o que a psicologia européia
chama espaço, tempo e causação. O universo é apenas uma parte da existência
infinita, posta num molde particular composto de tempo, espaço e causação. Do
que se deduz que a lei é semente possível dentro deste universo condicionado,
não podendo existir lei alguma fora dele. Quando falamos de universo,
entendemos somente a porção de existência limitada por nossa mente; o universo
dos sentidos, que podemos ver, sentir, tocar, ouvir, pensar e imaginar. É o
único que está sob a lei; além dele a existência não pode estar sujeita à lei,
porque a causação não se estende fora do mundo de nossas mentes. Tudo quanto
esteja fora do alcance de nossa mente e sentidos, não se acha submetido à lei
de causa e efeito, pois não há associação mental de coisas na região
inacessível aos sentidos, nem causação sem associação de idéias.
Somente quando "o ser" ou existência está modelado
em nome e forma, é que obedece à lei de causação; diz-se, então, que está sob a
lei, porque toda lei tem sua essência na causação. Portanto, não pode existir o
livre arbítrio; mesmo estas palavras são uma contradição, porque o que
conhecemos é a vontade, e tudo o que conhecemos está dentro do nosso universo,
e modelado pelas condições de espaço, tempo e causação. Tudo quanto conhecemos
ou podemos conhecer está por força submetido à lei de causação, e por
conseqüência não pode ser livre. Agem nele outros agentes, que por sua vez se
transformam em causa. Porém aquilo que se transformou em vontade, será livre
quando romper os moldes em que está encerrada: espaço, tempo e causalidade.
Provém da liberdade, modela-se na matriz das ligaduras, sai dela e volta de
novo à liberdade.
Tem-se procurado saber donde vem e aonde vai este universo; e
tem-se respondido que vem da liberdade, sujeita-se à fatalidade e volta de novo
à liberdade. Assim, quando dizemos que o homem não é mais que o ser infinito se
manifestando, queremos dizer que só uma parte muito pequena dele é em realidade
o homem; este corpo e esta mente que percebemos são apenas uma parte do todo,
apenas um ponto da existência infinita. O universo é somente uma partícula da
infinita existência, e todas nossas leis e limitações, nossas alegrias, nossas
felicidades e nossas esperanças, estão dentro dele; todo nosso progresso e
nossa decadência se acham nos limites de sua pequena jurisdição. De maneira que
vedes quão infantil é esperar uma continuação deste universo (criação de nossa
mentes) e aguardar o céu que, depois de tudo, só pode ser uma repetição deste
mundo que conhecemos. Como vedes, é um desejo impossível e infantil adaptar a
totalidade da existência infinita a esta existência limitada e condicionada que
conhecemos.
28
Quando
um homem afirma que terá sempre a mesma coisa que agora possui, ou, como tenho
dito algumas vezes, quando ele pede uma religião confortável, podeis estar
seguro de que se degenerou tanto que já não é capaz de pensar em algo mais
elevado do que o é atualmente. Este homem é tão só o que são suas mesquinhas
circunstâncias atuais. Esqueceu sua natureza infinita, e seu pensamento se
circunscreve às pequenas alegrias, tristezas e aborrecimentos do momento. Pensa
que esta coisa finita é o infinito; e não somente isto, mas não quer abandonar
tão ridícula idéia. Aferra-se desesperadamente a trishná, a sêde de viver, que
os budistas chamam tanha e trissá. Podem existir milhões de classes de
felicidades, de seres, de leis, de progresso e de causação atuando fora deste
pequeno universo que conhecemos, pois a totalidade de tudo isto compreende apenas
uma seção de nossa natureza.
Para alcançar a
liberdade, devemos transcender os limites do nosso universo. O perfeito
equilíbrio, ou o que os cristãos chamam a paz, que se encontra além de todo
entendimento, não pode ser conquistado neste mundo, nem no céu nem em lugar
algum onde nossa mente possa pensar, os sentidos perceber e a imaginação
conceber. Nenhum destes lugares pode nos dar a liberdade, porque todos eles
estariam dentro de nosso universo e este está limitado pelo tempo, espaço e
causação. Podem existir lugares que sejam mais etéreos do que nossa terra, onde
os prazeres sejam mais intensos, porém mesmo esses lugares estarão dentro de
nosso universo, e portanto, sujeitos à lei; por conseguinte, devemos ir mais
além, e a verdadeira religião começa onde termina o nosso universo. As rápidas
alegrias e sofrimentos findam onde a realidade começa. Enquanto não
abandonarmos a sêde de viver, a atração pela existência transitória e
condicionada, não teremos nem sequer a esperança de vislumbrar essa infinita liberdade
que existe além do limitado.
É lógico que não
existe mais do que uma só maneira de obter esta liberdade (uma das mais nobres
aspirações da humanidade) : o desprezo desta pequena vida, deste pequeno
universo, desta terra, do céu, do corpo, da mente e de tudo o que está limitado
e condicionado. Se renunciarmos o nosso apego por este pequeno universo dos
sentidos e da mente, seremos imediatamente livres. É o único modo de se livrar
dos laços e ir além das limitações da lei e da causação.
Todavia, é, sumamente
difícil deixarmos de nos aferrar a este universo; muito poucos o conseguem.
Nossos livros mencionam um dos modos de obtê-lo. Um é chamado nei, neti (isto
não, isto não), e o outro se chama iti (isto); o primeiro é negativo e o
segundo positivo. A maneira negativa é a mais difícil e só possível para homens
de mentes elevadas e poderosa vontade; desses que se põem de pé e dizem:
"Não, não aceito isto", e a mente e o corpo obedecem sua vontade, e
surgem vencedores da prova. A maioria da humanidade escolhe o modo positivo, o
caminho do mundo, usando de todas as limitações para romper essas mesmas
limitações. Esta é também uma maneira de renunciar; só que age de maneira lenta
e gradual, conhecendo as coisas, gozando delas e obtendo. desta maneira. experiência,
conhecendo a natureza das coisas até que a mente termina por abandoná-las.
O primeiro modo de se
desligar é mediante o raciocínio; o segundo, pela experiência. O primeiro é a
senda da jnana-yoga e se caracteriza pela negativa de realizar qualquer obra; o
segundo é, a karma-yoqa, aquela que age sem cessar. Todos devem trabalhar no
universo. Só aqueles que estão satisfeitos com o Ser, cujas mentes nunca saem
fora do Ser, para quem o Sor é tudo em todos, não trabalham. Os demais devem
trabalhar.
Uma corrente que flui
por seu impulso próprio cai numa cova e forma um redemoinho, e depois de girar
algum tempo volta a seguir seu curso. A vida humana se assemelha a esta
corrente. Penetra no redemoinho, gira neste mundo de espaço, tempo e causação
exclamando: "meu pai, meu irmão, meu nome, minha fama, etc.", e por
fim sai dali e readquire a liberdade original. Conhecendo-a ou não, sejamos ou
não conscientes dela, todos trabalhamo-os para sair do sono do mundo. A
experiência do homem é para torná-lo capaz de sair deste torvelinho.
Que é Karma-Yogal É o
conhecimento do segredo da ação. Todo universo trabalha. Para que? Para sua
elevação, para sua liberdade. Desde o átomo até o mais elevado dos seres,
trabalha para alcançar a liberdade de mente, do corpo e do espírito. Todas as
coisas pugnam continuamente por obter a liberdade e fugir da escravidão. O sol,
a lua, a terra, os planetas, todos trabalham para se libertarem das limitações.
As forças centrífugas e centrípetas da natureza caracterizam o nosso universo.
Em vez de sofrermos para chegar a conhecer as coisas como elas são, aprendemos
de Karma-Yoga o segredo da ação, o método de trabalhar, a maneira de agir.
Uma soma enorme de
energia pode ser gasta em vão, se não soubermos como utilizá-la. Karma-Yoga transforma
o trabalho em ciência, e com seu auxílio aprenderemos a utilizar melhor as
forças deste mundo. A ação é inevitável, e assim deve ser; porém devemos atuar
com o mais elevado propósito.
29
9 Mente
Karma-Yoga nos ensina
que este mundo possui uma existência efêmera, passageira, e que a liberdade não
se encontra aqui, porém mais além. Para poder escapar das ligaduras do mundo,
devemos viver com cautela. Podem existir pessoas excepcionais, como as que
acabo de citar, capazes de se desligarem do mundo, como uma cobra abandona sua
pele e separada dela a contempla. Sem dúvida alguma existem esses seres
excepcionais, porém o resto da humanidade tem que passar lentamente pelo mundo
da ação; karma yoga ensina o processo e o método de realizá-lo com vantagem.
"Trabalha sem
descanso porém abandona tudo aquilo que te ligue ao teu trabalho". Não vos
identifiqueis com coisa alguma. Conservai vossa mente livre. As dores e
misérias que contemplais são as condições necessárias deste mundo. A pobreza, a
riqueza e a felicidade são momentâneas; não pertencem de forma alguma à nossa
natureza real. Nossa natureza está muito além do sofrimento e da felicidade,
além dos sentidos e além da imaginação.
No entanto, devemos
continuar trabalhando sem descanso. "O sofrimento vem do fato de se ligar
à ação". No momento em que nos identificamos com a ação, sentimo-nos
infelizes; porém, não nos identificando com ela, evitamos a desgraça.
Se um lindo quadro
pertencente a qualquer pessoa fosse posto ao fogo, não nos sentiríamos infelizes,
porém, . quando é o nosso próprio quadro que se queima, então nos consideramos
infelizes. Por que isto? Os dois quadros são formosos, talvez cópia do mesmo
original, porém em um caso se sente muito mais aflição do que no outro. É
porque no último caso nos identificamos com o quadro, o que não aconteceu com o
primeiro.
O eu e o meu são a
causa de toda dor. Com o desejo de posse surge o egoísmo, e com ele a miséria.
Cada ato, cada pensamento egoísta, nos liga a alguma coisa, e imediatamente nos
convertemos em seus escravos.
Cada ondulação em
chitta9 que diz "eu e meu", liga
imediatamente uma cadeia em nós e nos transforma em escravos, e quanto mais
dissermos "eu e meu” , mais aumentaremos a escravidão e a aflição.
Portanto, Karma-Yoga
nos ensina a desfrutar a beleza de todos os quadros do mundo, porém sem nos
identificarmos com nenhum deles. Nunca digais "meu". Quando disserdes
esta coisa é minha, o sofrimento surgirá imediatamente. Nem sequer digais
mentalmente "filho meu". Possuis um filho, porém não digais
"meu". Se o fizerdes, começareis a ser infelizes. Não digais
"minha casa" nem "meu corpo". Toda a dificuldade está
nisto. O corpo não é vosso, nem meu, nem de ninguém. Os corpos vem e se vão
impulsionados por leis naturais, porém nós não somos nada mais do que o
testemunho, e como tais, donos de nossa liberdade. Este corpo não é mais
independente do que um quadro ou uma parede. Por que havemos de nos ligar a um
corpo? Se alguém pinta um quadro, quando o termina segue seu caminho. Não
projeteis esse tentáculo de egoísmo: "eu devo possuí-lo". Tão logo o
projeteis, começa a desdita.
Assim, karmavoga diz:
controlai primeiramente o tentáculo do egoísmo, e quando o tiverdes conseguido,
não permitais que a mente se submirja de novo nas ondas do egoísmo. Então
podereis enfrentar o mundo e trabalhar tanto quanto puderdes. Freqüentai
qualquer companhia, aonde quer que vades, e nunca sereis contaminados pelo mal.
A folha de Loto está na água mas esta não pode aderir a ela; assim sereis vós
no inundo. Isto se chama vatragya, ou desapego. Creio que já vos disse que sem
desapego não pode haver yoga.
O não ligar-se a coisa
alguma é a base de todos as yogas. O homem que renuncia viver numa casa, usar
vestimentas ricas ou comer alimentos delicados, e mora no deserto, pode, não
obstante, estar muito ligado. Sua única posse, seu corpo, pode ser tudo para
ele, e enquanto viver estará lutando por amor ao seu próprio corpo. O
desligar-se não é ação que possamos cumprir com o corpo físico, porém com a
mente. A cadeia que nos escraviza ao "eu e ao meu" está na mente. Se
nosso corpo e nossos sentidos estiverem desligados, seremos livres em qualquer
parte em que nos encontremos.
Um homem pode ocupar
um trono e estar perfeitamente desligado; outro pode vestir farrapos e no entanto
estar ligado. Primeiro deveis alcançar este estado de desapego e em seguida
trabalhar incessantemente. Karma-Yoga dá o método que nos auxiliará a renunciar
toda atração, mesmo que em verdade seja muito difícil.
30
Eis
aqui os dois métodos para se desligar de todo laço. O primeiro é para os ateus.
Estes estão entregues às suas próprias forças; atuam mediante a sua vontade
própria e os podares de sua mente e discernimento, dizendo: "eu não devo
estar ligado".
Para os crentes,
existe outro método, muito mais fácil: abandonam os frutos da ação ao Senhor,
trabalhando sem ligar-se aos resultados. Qualquer coisa que vejam, sinta, façam
ou ouçam, é para Ele, pois nenhuma ação boa que realizarmos merece alcançar
benefícios. Pertencem ao Senhor; portanto, os frutos devem ser d'Ele.
Permaneçamos desligados e não esqueçamos que nada mais somos do que servos que
obedecem ao Senhor, nosso Amo, e que os motivos que impulsionam Suas ações nos
são desconhecidos.
Tudo o que adorardes,
tudo o que fizerdes, cedei-o ao Senhor e ficai em paz. Estejamos em paz conosco
mesmos e cedamos ao Senhor nosso corpo, nossa mente e tudo mais como um
sacrifício. Em vez do sacrifício de verter oblações no fogo, realizai este
grande sacrifício dia e noite: o sacrifício do vosso pequeno eu. "Buscando
as riquezas deste mundo, Tu foste a única riqueza que encontrei; eu me
sacrifico a Ti. Buscando alguém a quem amar, Tu foste o único amado que
encontrei; eu me sacrifico a "Ti". Repitamos isto dia e noite, e
acrescentemos: "nada para mim; não importa se a coisa é boa ou má, ou
indiferente, pois tudo sacrifico a Ti". Renunciemos dia e noite o nosso eu
ilusório até que isto se converta num hábito, até que nos penetre no sangue,
nos nervos e no cérebro, até que a todo o momento o corpo obedeça a esta idéia
de renúncia do eu. Então, mesmo que vos acheis num campo de batalha, vos
sentireis livre e em paz.
Karma-Yoga nos ensina
que o conceito corrente do dever está em plano inferior; não obstante todos nós
devemos cumprir nossos deveres. No entanto, comprovamos que esta concepção do
dever é causa freqüente de grandes infelicidades. O dever se transforma em uma
enfermidade para nós; empurra-nos continuamente para diante. Apodera-se de nós
e faz-nos miseráveis. É o veneno da vida humana. Esta idéia de dever é a
canícula de um dia de verão que abrasa o mais íntimo da alma humana. Olhai
estes pobres escravos do dever. Não lhes sobra tempo nem para fazerem suas
orações, nem para se banharem. O dever os absorve continuamente. Vão trabalhar
e ali o dever os domina. Voltam para casa, e ali pensam no trabalho do dia
seguinte. O dever pesa sobre eles. Vivem como escravos, até que por fim caem
nas calçadas e morrem ensilhados como se fossem cavalos. É assim que
compreendem o dever, quando o único dever é estar-se desligado e agir como ser
livre, abandonando as obras a Deus.
Todos os nossos
deveres Lhe pertencem. Felizes aqueles que recebem Suas ordens. Servimos
enquanto nos cumpre servir; se fazemos bem ou mal, a quem interessa? Se fazemos
o bem, não colhemos o fruto; se fazemos o mal, ficamos livres de cuidados.
Estai tranqüilos. Sede livres e trabalhai. Esta classe de liberdade é muito
difícil de se obter. Quão fácil é interpretar a escravidão como um dever: a
mórbida atração da carne pela carne! Os homens se esforçam por obter aquilo que
lhes apetece. Perguntai-lhes por que o fazem, e vos dirão: "é meu
dever". Porém mentem, pois em realidade se trata da absurda avidez pelo
ouro e pela ganância.
Mas, depois de tudo
isto, que é o dever? É o impulso da carne, de nossas ligações, e quando temos
um laço estabelecido, chamamo-lo dever. Por exemplo: nos países onde não existe
o matrimonio, não há deveres entre marido e mulher; os amantes vivem juntos em
virtude de suas ligações, e esta classe de vida familiar chega a estabilizar-se
no transcurso de algumas gerações até converter-se em dever. É, por assim
dizer, uma espécie de enfermidade crônica. Quando as ligações se tornam
crônicas, as batizamos com o pomposo nome de dever. Então lhes oferecemos
flores, soam os clarins, recitamos alguns versos dos livros sagrados, e
geralmente o mundo continua em suas lutas e os homens se roubam uns aos outros
em nome deste dever.
O dever é bom quando
ponha cobro à brutalidade. Pode ser benéfico para os homens inferiores,
incapazes de ter outros ideais; porém, aqueles que desejam ser karma-yogues
devem abandonar semelhante conceito do dever. Não há dever para vós nem para
mim. Tudo o que derdes ao mundo, dai-o de coração, mas não como um dever. Nem
sequer penseis nisso. Não vos obrigueis. Além disso, por que havereis de vos
obrigar? Tudo quanto fizerdes a título de obrigação, servirá para atar-vos. Por
que deveis ter deveres? Cedei tudo a Deus. Neste forno ardente onde o fogo do
dever queima tudo, bebei vosso copo de néctar e sede feliz.
Nós todos cumprimos a
Sua vontade, e nada temos que ver com recompensas nem castigos. Se quiserdes
recompensa, obtereis igualmente castigo; a única maneira de se livrar do
castigo é abandonar a idéia de felicidade, porque as duas se encontram
indissoluvelmente unidas. No verso está a felicidade e no reverso a
infelicidade. De um lado, a vida, e do outro, a morte. O único modo de
transcender a morte é abandonar o amor pela vida. A vida e a morte são a mesma
coisa, observada de pontos de vista diferentes.
31
De
maneira igual, a idéia de felicidade sem desdita ou da vida sem morte é muito
boa para os escolares, porém o homem inteligente compreende que se trata de uma
simples oposição de termos e renuncia a ambas. Não busqueis louvores nem
recompensas por vossas ações. Sempre que praticamos uma boa ação, desejamos que
nos agradeçam. No momento em que entregamos algum dinheiro para uma obra de
caridade, queremos ver nosso nome inscrito nos jornais. O resultado deste
desejo é a desgraça. Os maiores homens do mundo desapareceram no anonimato. Os
Buda's e os Cristos que conhecemos são heróis de segunda categoria, comparados
com os grandes homens ignorados. Centenas destes heróis anônimos têm vivido em
todos os países trabalhando em silêncio. Em silêncio viveram e em silêncio
morreram, e com o decorrer do tempo seus pensamentos se manifestaram como Budas
ou Cristos, os únicos que chegam a ser conhecidos por nós.
Os homens de valor não
buscam renome nem celebridade. Abandonam suas idéias ao mundo; não pedem nada
para si, nem estabelecem escolas ou sistemas que adotem o seu nome. Sua
natureza se rebela contra estas coisas. São os verdadeiros sátvicos, ou
harmoniosos, que não provocam agitação yogues, que habita numa caverna na
Índia. Um dos homens mais assombrosos que já vi. Perdeu de tal modo a percepção
de sua individualidade, que somente o Divino fala no seu interior. Se um animal
lhe morde um braço, lhe oferece imediatamente o outro, pois compreende que é a
vontade do Senhor. Tudo o que lhe acontece pertence ao Senhor. Nunca aparece
aos homens e no entanto é um repositório de amor e de idéias amáveis.
Seguem depois os
homens rajásicos ou ativos, naturezas combativas, que tomam as idéias dos
perfeitos e as pregam pelo mundo. A classe mais elevada coleciona
silenciosamente as idéias nobres e verdadeiras; e outros os Budas e Cristos –
vão de lugar em lugar pregando e trabalhando por elas. Na vida de Gautama Buda
se nos diz que Ele é o vigésimo quinto Buda. Os vinte e quatro Budas anteriores
são desconhecidos para a história, conquanto o Buda que conhecemos deva ter
edificado sua doutrina sobre as bases estabelecidas por seus antecessores.
Os homens superiores
são tranqüilos, silenciosos e anônimos. São os homens que conhecem realmente os
poderes do pensamento, sabem que mesmo vivendo numa caverna e só tenham cinco
pensamentos em toda a sua vida, esses cinco pensamentos viverão por toda a
eternidade. Tais pensamentos perfurarão montanhas e cruzarão os oceanos.
Entrarão profundamente no coração e no cérebro dos homens, que lhes darão
expressão prática em suas ações na vida. Esses homens sátvicos estão demasiado
próximos do Senhor para estar ativos e esforçar-se por fazer o bem, como dizem,
sobre a terra. Os obreiros ativos, por bons que sejam, têm ainda um fundo de
ignorância. Só quando ainda permanecem algumas impurezas em nossa natureza, é
que podemos trabalhar. Em presença de uma Providência constantemente vigilante,
que não deixa de se aperceber nem da descida de um pardal, como pode o homem
atribuir importância alguma ao seu próprio trabalho? Não seria isto blasfemar,
sabendo que Ele cuida de tudo neste mundo? A nós só nos cabe prostrarmos
reverentemente ante deles, dizendo: "Seja feita a Tua vontade".
Os homens superiores não
podem trabalhar porque não têm apego. Aqueles cujas almas já penetraram no Ser,
cujos desejos estão confinados ao Ser, que já chegaram a uma associação
indissolúvel com o Ser, não atuam. Ao agir deste modo, nunca deveríamos pensar
que podemos ajudar nem sequer a menor partícula do universo. Não, não o
podemos. Só nos ajudamos a nós mesmos. Tal é a atitude correta que deve assumir
aquele que atua. Se trabalhamos desta maneira, se temos sempre presente que
nossa atual oportunidade de trabalhar é um privilégio que nos foi conferido,
nunca ficaremos ligados a coisa alguma.
Milhões de indivíduos
como eu se julgam importantes no mundo, porém morremos todos, e ao fim de cinco
minutos o mundo já se esqueceu de nós. Porém a vida de Deus é infinita.
"Quem pode viver um momento, respirar um momento, se não for pela vontade
deste Uno Todo-poderoso?”. EIe é a Providência sempre ativa. Todo poder lhe
pertence e está dentro de Sua vontade. Por Sua vontade os ventos sopram, o sol
brilha, a terra vive e a morte passeia pelo universo. Ele é o Todo e está em
tudo. Nós só podemos adorá-LO. Renunciai os frutos da ação, fazei o bem por
amor ao bem, e só então chegareis ao perfeito desapego. Assim se romperão as
ligaduras do coração e realizaremos a liberdade perfeita. Esta liberdade é, em
verdade, a finalidade de Karma-Yoga.
32
Capítulo 8 - O ideal de Karma-Yoga
A mais admirável idéia da religião vedanta é a de podermos
alcançar o mesmo fim por diferentes caminhos. Esses caminhos estão
generalizados em quatro: o da ação, o do amor, o da psicologia e o do
conhecimento. Mas deveis lembrar-vos ao mesmo tempo de que estas divisões não
são muito marcadas nem se excluem umas às outras. Cada uma se mistura com as
demais; porém, de acordo com o tipo que prevalece, damos o nome a cada divisão.
Não quero com isto dizer que não encontreis um homem que não possua outra
faculdade além da de agir, nem homens que sejam somente devotos fervorosos, nem
outros que não possuam mais do que simples conhecimento. Estas divisões são
feitas de acordo com o tipo ou tendências que parecem prevalecer em cada
indivíduo. Já vimos que finalmente estas quatro sendas convergem para um ponto
só. Todas as religiões e métodos de ação e adoração nos conduzem a fim
idêntico.
Procurarei indicar-vos qual é este fim. É a liberdade tal
como a compreendo. Tudo quanto percebemos ao nosso redor está lutando por essa
liberdade, desde o átomo ao homem, desde a insensível partícula de matéria
isenta de vida até a existência mais elevada da terra, a alma humana. O
universo inteiro é, em verdade, o resultado desta luta pela liberdade. Em todas
as combinações cada partícula trata de seguir sua trajetória própria, porém as
demais as mantêm sujeitas. Nossa terra procura fugir do sol, e a lua da terra.
Tudo tende a uma dispersão infinita.
Tudo quanto vemos no universo tem como base esta luta pela
liberdade; é impulsionado por esta tendência que o santo ora e o ladrão rouba.
Quando a linha de ação não é correta, a chamamos mal, e quando sua manifestação
é correta e elevada, a chamamos bem. Mas o impulso é o mesmo: a luta pela
liberdade. O santo está oprimido pelo conhecimento de seu cativeiro e precisa
livrar-se dele; por isso adora a Deus. O ladrão crê que não possui certas
coisas e trata de desfazer-se desta necessidade, verse livre dela e por isso
rouba. A liberdade é o único objetivo da natureza, seja consciente ou
inconsciente; e consciente ou inconscientemente, todos lutam para este fim.
A liberdade que o santo busca difere muito da que basca o
ladrão. A liberdade amada pelo santo leva-o ao gozo da felicidade infinita e
inefável, enquanto que aquela em que o ladrão pôs seus amores, forja unicamente
novas cadeias para a sua alma.
Em todas as religiões se encontra esta luta pela liberdade. É
o fundamento de toda moralidade, do altruísmo, o que significa desvencilhar-se
da idéia de que os homens são idênticos aos seus pequeninos corpos. Quando
vemos que um homem pratica uma boa ação auxiliando os outros, verificamos que
ele não pode estar confinado ao limitado círculo do "eu e meu". Não
há limite para este renunciar do egoísmo. Todos os grandes sistemas de moral p
regam o absoluto altruísmo.
Suponde que este absoluto altruísmo fosse alcançado por um
homem. Que aconteceria? Já não seria mais o Sr. Fulano de Tal, pois teria
alcançado uma expansão infinita. Aquela sua pequena personalidade anterior
teria desaparecido para sempre. Ter-se-ia volvido para o infinito, e a
conquista desta expressão infinita é em verdade a meta de todas as religiões e
de todos os ensinamentos filosóficos e morais.
O personalista se assusta ante esta concepção filosófica. No
entanto, em sua pregação se oculta a mesma idéia. Ele não limita o altruísmo do
homem. Suponde que um homem chegasse a ser perfeitamente altruísta sob o
sistema personalista, como faríamos para distinguí-lo dos perfeitos de outros
sistemas? Aquele chegou a ser uno com o universo, o que é o fim de todos nós;
porém o personalista não tem o valor de seguir seu próprio raciocínio até suas
últimas conclusões lógicas. Karma-Yoga é a aquisição, mediante o altruísmo,
dessa liberdade que constitui a meta de toda natureza humana. Cada ação egoísta
retarda nossa chegada à meta, e cada ação altruísta a acelera; por isto a única
definição que se pode dar da moral é esta: O egoísta é imoral, e o altruísta
moral.
No entanto, se entrardes em detalhes, já não nos parecerá tão
simples o assunto. Por exemplo: o ambiente faz com que os detalhes variem. Uma
ação pode ser altruísta em certas circunstâncias, e egoísta em outras.
Portanto, limitamo-nos a dar uma definição geral, deixando que os detalhes
sejam elaborados em relação com as diferenças de tempo e de lugar. O que em um
país é moral, é imoral em outro. O fim visado pela natureza é a liberdade, ,e
esta se obtém semente pelo altruísmo; cada pensamento, palavra ou ação isenta
de egoísmo nos aproxima da meta, e consequentemente, é moral.
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Como
vedes, esta definição é aceita por todas as religiões e sistemas de moral. Em
certas filosofias, a moral tem sua origem num Ser Superior: Deus. Se perguntais
porque deve um homem fazer isto em vez daquilo, responder-vos-ão que é o
mandato de Deus. Porém, independentemente da origem, seu código de moral se
baseia no mesmo princípio: não pensar no eu. Não obstante, pessoas de tão
elevado conceito de moral se atemorizam ante a idéia de terem que abandonar ou
renunciar suas mesquinhas personalidades. Ao homem que se aferra à sua
insignificante personalidade podemos pedir que considere o caso de uma pessoa
perfeitamente altruísta, que não tenha outro pensamento nem preocupação senão
os outros, e inteira relegação do "a si mesmo Este "a si mesmo"
lhe é conhecido só quando pensa, age ou conversa para si mesmo; se sua
consciência abarca só o universal, onde está o seu "a si mesmo"?
Foi-se para sempre.
Karma-Yoga, portanto,
é um sistema de ética e religião destinado a obter a liberdade mediante as boas
ações. O karma-yogue não precisa de nenhuma doutrina. Pode ser ateu, pode não
se interessar pela sua alma nem o inquietar nenhuma especulação metafísica.
Possui sua finalidade, seu modo especial de alcançar o inegoísmo, e deve
alcançá-lo por si mesmo. Sua vida tem de ser uma constante realização, porque
deve resolver pela ação, sem auxílio de doutrinas nem teorias, o mesmo problema
ao qual o jnani aplica a razão e o bhakti o amor.
Surge agora outra
pergunta: podemos fazer bem ao mundo? No sentido absoluto, não; em sentido
relativo, sim. Não se pode fazer nenhum bem permanente ao mundo; se tal fosse
possível, o mundo não seria mundo. Podemos aplacar a fome de uma pessoa durante
um tempo mais ou menos prolongado, porém ela voltará a senti-Ia outra vez. O
prazer que podemos oferecer é momentâneo. Ninguém pode curar definitivamente
esta febre de prazer e de dor.
Pode alguém conceder
ao mundo a eterna felicidade? Para que uma onda se erga à superfície das águas,
deve haver uma depressão eqüivalente. As coisas boas deste mundo estão
relacionadas com as necessidades e inveja do homem. Não podem ser aumentadas
nem diminuídas. Considerai por um momento a história da raça humana. Não encontramos
as mesmas alegrias e infelicidades, os mesmos prazeres e dores, as mesmas
diferenças de classe? Não são uns ricos e outros pobres; estes altos e aqueles
baixos; alguns sãos e outros enfermos? Pois o que acontecia com os egípcios, os
gregos e os romanos, acontece hoje com os americanos. A história se repete
indefinidamente; no entanto, podemos observar que ao lado dessas incuráveis
diferenças de prazer e dor, sempre houve luta por aliviá-las.
Cada período da
história contou com milhares de homens e mulheres que se esforçaram por tornar
a existência mais agradável para as futuras gerações. Mas em que proporção
conseguiram? Só podemos mudar a pelota de um lugar para outro. Deixamos a dor
no plano físico e se dirige ao mental. É como na cena do Inferno de Dante, em
que aos miseráveis se entrega uma bola de ouro para que façam rolar até o alto
de uma montanha. Cada vez que a f azem subir um trecho, a gravitação a faz
voltar. Nossas conversas sobre a idade de ouro não são mais do que encantadores
contos para crianças. As nações que sonham com a idade de ouro pensam que para
o seu povo lhes virá o melhor. Esta é a assombrosa idéia altruísta, da idade de
ouro.
Não podemos aumentar a
felicidade deste mundo; nem tampouco nos é possível aumentar a dor. A soma de prazer
e dor será sempre a mesma. Este fluxo e refluxo de prazer e dor é a própria
essência do mundo; sustentar o contrário eqüivaleria a dizer que pode haver
vida sem morte. Algo completamente absurdo, porque a idéia de vida implica
necessariamente a de morte, e o prazer deve. ter a dor como contraparte.
A lâmpada está ardendo
e consumindo-se constantemente, e esta é a sua vida. Se quereis ter vida,
deveis morrer constantemente por ela. A vida e a morte são uma e a mesma coisa,
contemplada de dois pontos de vista; são a ascensão e descida da mesma onda; em
síntese: uma olha a "ascensão" e se faz otimista; outro olha a
"descida" e se faz pessimista. Quando uma criança vai à escola e seus
pais a cuidam, tudo lhe parece feliz; sua necessidades são simples, e como
resultado, é grande otimista. Porém, o ancião, com suas múltiplas experiências,
busca mais o repouso. Assim também são as velhas nações, que apresentam sinais
de decadência e têm menos esperanças do que as novas. Há um provérbio na Índia
que diz: "Mil anos de cidade e mil anos de bosque". Esta mudança em
bosque, e vice-versa, ocorre em todas as parte, e torna os povos otimistas ou
pessimistas, segundo o ponto de vista que adotem.
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A
primeira coisa em que devemos pensar é na igualdade. Essas idéias do século de
ouro têm dado um forte impulso à ação. Muitas religiões pregam que Deus virá
reger este universo e que então as condições serão iguais para todos. As
pessoas que pregam estas doutrinas são simples fanáticos, e os fanáticos são,
em verdade, os homens mais sinceros. O cristianismo foi pregado sob sugestões
desse fanatismo, e assim atraiu os gregos e os romanos escravos. Acreditam
estes que sob a religião de um século de ouro, terminaria a escravidão e teriam
o suficiente para comer e beber; e portanto, abraçaram a causa cristã. Os que
originalmente pregaram a idéia, foram simples fanáticos ignorantes, porém
sinceros.
Nos tempos modernos
esta aspiração de século de ouro se encerra na fórmula: liberdade, igualdade,
fraternidade. Isto
também é fanatismo. A verdadeira igualdade jamais existiu nem existirá sobre a
terra. Como podemos ser todos 'iguais? Esta espécie de igualdade implica a
morte total. Qual é a causa do mundo ser como é? O equilíbrio perdido. No
estado primitivo, chamado caos, existe perfeito equilíbrio. Como surgiram as
forças criadoras do universo? Pela luta, competição e conflito.
Supondo que as
partículas da matéria se achassem em equilíbrio, seria possível a criação? A
ciência afirma que não. Agitai a água e vereis que cada uma de suas partículas
voltará à quietude, precipitando-se umas contra as outras; e do mesmo modo os
fenômenos que constituem o universo (as coisas que ele encerra) lutam por
volver ao perfeito equilíbrio. Produz-se uma perturbação, e de novo ocorrem a
combinação e a criação. Ao mesmo tempo, as forças que lutam pela igualdade são
tão necessárias à criação como as que a destróem.
A igualdade absoluta,
isto é, o perfeito equilíbrio das forças em luta em todos os planos, não é
possível em nosso mundo. Antes de alcançar esse estado, o mundo será inadequado
para qualquer espécie de vida. Vemos então que o século de ouro e a igualdade
são impossíveis, e se quiséssemos levá-los à prática, nos conduziriam à
destruição. Que é que constitui a desigualdade entre os homens? Principalmente
a diferença de cérebros.
Ninguém, a não ser um
desequilibrado, diria hoje que nascemos com a mesma capacidade cerebral.
Chegamos ao mundo com faculdades determinadas, impossíveis de alterar. Os
índios americanos habitavam esta região há milhares de anos, porém chegaram
vossos antepassados e desde então mudou o aspecto da região. Por que não
fizeram os índios melhoramentos nem construíram cidades, se somos todos iguais?
Com os vossos antepassados apareceu uma classe diferente de poder cerebral.
A absoluta igualdade é
morte. Enquanto durar este mundo, existirá a diferenciação, e a idade de ouro
da igualdade perfeita chegará só quando chegar a seu termo um ciclo de criação,
Antes, essa igualdade não poderá existir. No entanto, esta idéia de realizar o
século de ouro é um estímulo de grande poder. Assim como a desigualdade é
necessária para a criação, também o é a luta para limitá-la. Se não houvesse
luta para sermos livres e voltarmos a Deus, não haveria criação. É a diferença
entre essas duas forças que determina os motivos para atuar, alguns tendentes
às limitações e outros à liberdade.
Este mundo, semelhante
a duas rodas que giram uma dentro da outra e em sentido oposto, constitui um
mecanismo terrível; se nos descuidarmos, pode prender nossa mão e arrastar-nos.
Todos cremos que uma vez cumprido o dever imediato, descansaremos; porém, mesmo
antes de havê-lo terminado, outro dever nos espera. Todos nós somos arrastados
por esta poderosa e complexa máquina, que é o mundo. Só há dois modos de evitá-la:
um é renunciando todo interesse pela máquina, deixando-a funcionar só; noutras
palavras, abandonando nossos desejos.
Isto é muito fácil de
dizer, porém difícil de fazer. Não sei se entre vinte milhões de homens haverá
um que seja capaz de fazê-lo. O outro modo consiste em submergirmos no mundo e
aprender o segredo do trabalho. Não fujais da engrenagem do mundo; ao
contrário, permanecei nele e aprendei o segredo do trabalho. Mediante o
trabalho correto, feito em seu interior, pode-se alcançar a libertação.
Atravessando esta maquinaria, chega-se à saída.
Vimos o que é ação:
uma parte dos alicerces da natureza, a qual não deixa nunca de agir. Aqueles
que crêem em Deus o compreenderão melhor, pois sabem que Deus não necessita de
nossa ajuda. Mesmo que este universo não detenha nunca sua marcha, nossa meta é
a liberdade, nosso fim o altruísmo, e, de acordo com Karma-Yoga, o fim há de
ser conquistado mediante a ação.. Todas as idéias de tornar o mundo feliz podem
ser boas como motivos poderosos para os fanáticos; porém sabemos que o
fanatismo produz tanto o mal como o bem. O karma-yogue pergunta a si mesmo por
que há de haver outro motivo para agir, além do amor inato pela liberdade.
Colocai-vos mais acima dos motivos mundanos. Tendes direito à ação mas não aos
frutos.
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"O
homem pode exercitar-se para conhecer e praticar esta verdade" , . afirma
o karma-yogue. Quando a idéia de fazer o bem f az parte de sua própria
existência, já não busca nenhum motivo externo. Façamos o bem só porque é bom
fazê-lo; "aquele que realiza boas ações, ainda que seja só para alcançar o
céu, prende-se a si mesmo", diz o karma-yogue. Qualquer ação executada com
egoísmo, em vez de libertar, forja novas cadeias para nossos pés.
De modo que a única
solução consiste em renunciar os frutos da ação, não se ligando a ela. Sabeis
que o mundo não somos nós, nem nós o mundo. Somos o Ser eternamente em repouso
e em paz. Por que, pois, temos que nos ligar a alguma coisa? É muito bom dizer
que deveríamos desligar-nos de tudo, porém, como conseguí-lo? Cada ação boa que
praticamos sem esperar recompensa, em vez de forjar novas cadeias, romperá uma
das já existentes. Cada bom pensamento que enviemos ao mundo, sem desejar
recompensa alguma, será computado pelo karma e romperá um novo elo de nossa
cadeia, tornando-nos mais puros. No entanto, isto pode parecer algo quixotesco
em vez de prático. Tenho lido muitos argumentos contra o Bhagavad-Gita, e são
muitos os que afirmam que os homens não podem agir sem motivos. Eles nunca
viram obras altruístas a não ser influenciadas pelo fanatismo, e por isso falam
desta forma.
Como conclusão vos
direi algumas palavras sobre um homem que praticou os ensinos de, Karma-Yoga.
Este homem foi Buda, o único que levou estas práticas à sua perfeição máxima.
Todos os profetas do mundo, com esta única exceção, podem ser divididos em duas
classes: uma, os que afirmam ser encarnações de Deus, e outra, os que dizem ser
apenas mensageiros de Deus. Ambas obtêm seu impulso do exterior, por muito
espiritual que seja a linguagem que utilizam. Buda foi o único profeta que
disse: "Não me preocupo em conhecer vossas diversas teorias acerca de
Deus. De que serve discutir sobre as sutis doutrinas da alma? Praticai o bem e
ele vos conduzirá à verdadeira liberdade".
Sua conduta estava
absolutamente desprovida de móveis pessoais; no entanto, quem o excedeu como
trabalhador? Mostrai-me na história um caráter que se tenha elevado a esta
altura. A raça humana produziu só um caráter de tão elevada filosofia e de tão
vasta compaixão. Este grande filósofo, que pregou a mais elevada doutrina,
tinha, no entanto, a mais profunda compaixão pelos animais, sem que jamais 'se
atribuísse mérito algum por isso. Foi o karma-yogue ideal, agindo em todos os
momentos sem motivos pessoais. A história da humanidade o apresenta como o
maior entre, os nascidos, a melhor combinação de coração e cérebro que já
existiu, a alma maior e mais poderosa que se manifestou.
É o primeiro dos
reformadores que o mundo conheceu. Foi o primeiro que se atreveu a dizer:
"Crede, porém não porque isto seja costume em vosso país; discerni e
analisai tudo, e depois disto, se virdes que fará bem aos outros e a todos,
crede, vivei e praticai; e depois fazei que outros o vivam". Age melhor
quem não busca dinheiro, nem fama, nem coisa alguma. Quando uni homem realizar
isto, será um Buda, e surgirá dele tal força de ação que transformará o mundo.
Um homem assim representa o mais elevado ideal de Karma-Yoga.
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