Livro: Srimad Bhagavatam – 1988
As sagradas
escrituras védicas.
Tradução de Alberto Manzano
Editora
Edicomunicación S.A.
Introdução:
A cultura hindu e em geral todo o acervo religioso-filosófico da Índia, tem sua origem nos Vedas, que são os textos mais antigos da literatura Teosófica da Índia. Originalmente provém do sânscrito e constitui toda uma cópia de sabedoria no campo do conhecimento do ser humano a nível físico, metafísico e puramente espiritual.
Ente conhecimento védico se conservou de geração em geração por tradição oral, mediante a recitação de seu conteúdo em forma de aforismo.
Os Vedas foram recolhidos por escrito, pela primeira vez, há uns cinco mil anos, sendo transcrito por Shri Vyasadeva (por alguns, conhecido como a “encarnação literária de Deus”). Recompilando o conteúdo dos Vedas, expôs sua essência em uma série de livros escritos em forma de aforismos, conhecidos sob o nome de Vedanta-sutras.
Vyasadeva tinha como guru e mestre espiritual, Narada Muni, a quem serviu e venerou durante sua vida. E foi numa idade avançada, em sua maturidade espiritual, quando Vyasadeva escreveu os comentários sobre seus próprios Vedantas-sutras, sob a supervisão de seu mestre Narada Muni. E isto é o que hoje constitui o texto Shrimad Bhagavatam.
O Shrimad Bhagavatam é a exposição mais completa e autorizada do conhecimento védico. É qualificada como “a fruta sazonada da árvore da literatura védica”.
O sábio Sukadeva Gosvami foi o filho de Vyasadeva e recebeu, desde muito jovem, instrução direta de seu pai, sobre o conhecimento de sua obra.
Posteriormente, Sukadeva teve oportunidade de recitar inteiro o Shirimad Bhagavatam ao então imperador do mundo, Maharaja Parikxit. Durante os últimos dias de sua vida o Maharaja se retirou, renunciando às suas posses e seus reinos para seguir uma vida de ascetismo, enquanto era instruído por Sukadeva no caminho da perfeição, pois o rei já sabia que sua morte estava próxima. Sete dias estiveram reunidos Sukadeva junto aos outros sábios eruditos e o grande rajarsi (rei santo), as margens do rio Ganges, na altura de Hastinapur (hoje Dheli). Até que ao final do sétimo dia o rei morreu, como se havia predito.
E assim é como começa o Bhagavatam, pondo nos lábios de rei Pariksit uma súplica a Sukadeva – que então tinha só dezesseis anos – nos termos: “Tu és o Mestre Espiritual de grandes santos e devotos, por isso te rogo que me ensines o caminho da perfeição”, dando, assim, origem a um diálogo entre ambos, que se mantiveram absortos aos restantes sábios ali reunidos, enquanto Sukadeva Gosvami explicava desde a natureza do ser até a origem do Universo.
O sábio Suta Gosvami era um dos sábios ali presentes enquanto Sukadeva recitava o Bhagavatam pela primeira vez. Mas não foi esta a última vez que isto ocorreu, pois mais adiante, no bosque de Naimisharanya, se reuniu um grupo de sábios, entre eles Suta, para oferecer uma longa e ininterrupta série de sacrifícios, que era sintoma da iminente caída da humanidade para a era da obscuridade (Kaliyuga).
Saunaka Rishi, que era o porta-voz dos sábios ali reunidos, pediu a Suta que expusesse a essência da sabedoria védica, o qual Suta correspondeu repetindo de memória os dezoito mil versos completos do Shrimad Bhagavatam, tal e como Sukadeva explicara, um dia, a Maharaja Pariksit.
No texto atual do Bhagavatam há, às vezes, diálogos simultâneos; o de Sukadeva e o rei Pariksit, no tempo de Suta Saunaka Rishi, inclusive intercalando-se feitos históricos, tais como discussões espirituais entre mestres e discípulos anteriores, que Sukadeva cita em sua exortação ao rei.
Por isto, embora o texto se entremeie de diálogos e acontecimentos procedentes de distintas fontes e momentos históricos, apesar da disparidade cronológica, sua mensagem permanece inalterável. E isto – supostamente – é o essencial.
Esta obra, junto com o Bhagavad Gita, constitui a pedra angular de todas as religiões e seitas religiosas hindus de tendência Bakti (devocional). Centrando-se o objeto de adoração na personalidade divina de Krishna, aceito como um Mestre Perfeito; uma encarnação sobre a Terra desse poder onipotente, onipresente e onisciente. Esse poder que os ocidentais chamam de Deus. Krishna viveu na Índia há uns cinco mil anos.
A mensagem essencial dos Vedas, tanto como o Bhagavatam e mesmo expressado de modo mais claro no Bhagavad Gita, é que o Senhor do Universo se manifesta uma ou outra vez em forma humana sobre este planeta, deixando um corpo para tomar outro. Com o propósito de livrar seus devotos das misérias do oceano de Maya (ilusão), que é este mundo e leva-los a alcançar “a outra margem”; que é a libertação de todas as limitações que constituem o ego individual, baseado nas experiências limitadas deste limitado mundo material.
Nossa ilusória consciência de individualidade se deve a ignorância de que o Senhor, esse Poder, habita dentro de todas as criaturas e que é nossa identidade e a fonte da vida. É o criador, conservador e destruidor de toda a criação. Por isso, Ele se revela àqueles que buscam seu refúgio, dando-lhes a experiência interior desse Poder que lhes dá a vida e permitindo-lhes fundir-se Nele.
Esta é a mensagem mais importante contida em todas estas escrituras sagradas de origem hindu. E, surpreendentemente, constitui um fator comum com quase todas as escrituras que narram a vida ou ensinamentos dos grandes Mestres, apesar de pertencer a diferentes épocas, culturas e procedências geográficas: Rama, Krishna, Buda, Jesus, Maomé, etc.
Todos estes grandes Mestres revelaram uma experiência anterior a seus discípulos, iniciando-os em um certo tipo de Conhecimento. E esses discípulos logo, por sua vez, recolhiam por escrito os ensinamentos que Deles recebiam e descreviam também as experiências que obtinham ao pôr em prática o Conhecimento em que haviam sido iniciados.
E sempre o Mestre, ao final de sua vida, lhes explicava acerca de sua contínua presença na Terra, fazendo alusão às suas anteriores encarnações, ou bem aludindo a uma segunda vida depois de sua morte.
O Gita Krishna disse:
“Em verdade te revelarei minhas divinas manifestações,
Oh! Arjuna!, mas só te falarei das principais,
pois não há limite para as variantes menores”.
Bhagavad Gita, 10-19.
O Shrimad Bhagavatam é, em conseqüência, um canto de glória a esta sublime relação devocional entre o Mestre e cada um de seus discípulos individualmente, relatando os muitíssimos ensinamentos e experiências que, em diferentes épocas, tiveram os diferentes Mestres com seus respectivos discípulos, aos quais iniciou em seu eterno Conhecimento da Verdade. Mediante o qual os discípulos puderam reconhecer a seu Mestre como uma manifestação do Senhor na Terra, através de sua experiência prática da Verdade, essa Vibração Primordial que estava dentro deles e que por Ele lhes foi revelado.
O Shrimad Bhagavatam foi sempre considerado, na Índia, como um livro sagrado. Equivaleria a algo como a última parte do Antigo Testamento da Bíblia hindu, (1), precedendo-lhe os Upanishads e os quatro Vedas. Sendo o Bhagavad Gita o que equivaleria a nosso Novo Testamento.
(1)
Imaginando como tal, o conjunto das escrituras sagradas da Índia.
O Shrimad Bhagavatam, embora tenha sido sempre venerado pelas castas tradicionalmente religiosas da cultura hindu, teve épocas de especial relevância. Como ocorreu no século XV de nossa era, pois Sri Chaitaya, mestre espiritual nascido na Índia em 1400 – também considerado como encarnação divina do Senhor, Mestre Perfeito – pregou o Bhagavatam, iniciando seus discípulos na mesma experiência anterior de Deus que descreve este livro sagrado.
Foi de seu extremo desejo que todos os discípulos que haviam sido iniciados em seu Conhecimento e haviam compreendido através de sua experiência prática o significado do que se falava no Bhagavatam, fossem e o apregoassem por todas as partes.
E o Bhagavatam seguiu sendo fonte de inspiração para todos, até nossos dias. Ramakrishna foi outra encarnação divina do Senhor na Terra. Tomou forma humana em 1836, no século passado. Viveu entre nós durante cinqüenta anos, revelando o eterno Conhecimento de Deus dentro dos homens. De sua divina personalidade, disse a seu discípulo mais chegado: “Aquele que veio em épocas anteriores como Rama e como Krishna, desta vez veio como Ramakrishna”.
Desde jovem praticou todas as religiões e caminhos espirituais que existiam. Experimentou todas as formas do hinduísmo, até chegar ao islamismo, passando antes pelo budismo e o cristianismo, inclusive outros caminhos espirituais não conhecidos comumente. Mas não ficou satisfeito com nenhum deles, até que, no final – por indicação da Divina Mãe – recebeu iniciação no Santo Conhecimento do Nome de Deus.
Este inolvidável Mestre falou do Bhagavatam com estas palavras: “Está frito na manteiga do Conhecimento, e empapado no mel do Amor”.
Na presente edição, oferecemos um compêndio de partes dessa obra que consideramos de maior interesse e representa aproximadamente a metade da obra completa.
A obra completa consta de doze capítulos. O primeiro deles começa com a definição da última fonte e logo é sucedido um após o outro, num desenvolvimento gradual e através dos nove primeiros cantos, para o estado mais elevado da realização de Deus.
Destes nove primeiros capítulos, extraímos e traduzimos as partes mais significativas de seu conteúdo.
O décimo canto é diferente aos nove primeiros, porque trata diretamente das atividades de Sri Krishna, a encarnação de Deus mais venerada na Índia. Aqui publicamos a sua maior parte.
O canto onze traduzimos na íntegra e o incluímos completo, pois contém os ensinamentos de Krishna a seu discípulo mais próximo, Uddhava (Arjuna) que, sem dúvida, é o mais interessante como ensinamento preliminar, para quem quiser se iniciar no caminho da realização prática da perfeição.
Por último, incluímos um extrato do capitulo doze, com o qual se finaliza a obra. É como um retorno ao marco físico inicial em que começou a narração do Bhagavatam. Regressa ao diálogo de Suta e os sábios reunidos no bosque de Naimisharanya, referente à exortação de Sukadeva ao rei Pariksit, que finalmente alcança a libertação antes que sua morte se consumasse devido a mordida venenosa de uma serpente, tal como estava predito por uma maldição que pesava sobre ele.
A obra acaba com um longo discurso de Suta aos sábios, onde Suta canta as glórias deste livro sagrado, assim terminando:
Sempre novos e inspiradores, são os ensinamentos do Bhagavatam.
Srimad Bhagavatam é uma obra de profundo interesse para qualquer pessoa, seja qual for sua situação, pois engloba o ser humano dentro de um aspecto de perspectivas que vão deste a mais simples, como criatura viva capacitada de ânimo, até a mais universal e metafísica; como um pensamento de Deus manifestado em um certo grau de relação com Ele, ao mesmo tempo em que condicionado por um universo que teve sua origem e que, definitivamente, terá um fim. Ficando em meio a uma ampla gama de perspectivas de igual interesse para aqueles que queiram observar a obra de diferentes pontos de vista.
Nela se pode contar a origem das raízes clássicas da civilização da Índia.
Igualmente interessante para os estudiosos da filosofia e das religiões, pois oferece um profundo panorama da presença espiritual na Índia.
Para os antropólogos e sociólogos, o Bhagavatam oferece uma visão dos trabalhos práticos de uma cultura védica, pacífica e cientificamente organizada, como uma estrutura institucional baseada numa visão espiritual do mundo.
Como narração poética, é uma obra magistral.
Do ponto de vista da sociologia, seu conteúdo revela conhecimentos sobre a natureza da consciência, o comportamento humano condicionado e a base da identidade.
Mas mesmo sobressaindo-se sobre todos estes aspectos, a profundidade espiritual do Bhagavatam oferece um guia simples para elevar a consciência dos seres humanos do século XX, especialmente neste último quarto de século, tão longe daquela consciência, da total divindade da nossa espécie que lá vivia, não só o autor desta obra, mas a maioria da população humana daqueles dias.
Livro
Primeiro
Capitulo IV – O rei
é amaldiçoado
Um dia, estando a caçar o rei Pariksit em um profundo bosque, se sentiu muito sedento e, enquanto vagasse em busca de água, descobriu o retiro do conhecido santo Samika. O santo estava sentado em silêncio, com os olhos fechados, em profunda meditação, com seus sentidos e intelecto sob perfeito controle. Não estava nem desperto, nem dormindo, estava em Samadhi, o estado de consciência em que se realiza a união com Brahman. Não havia nenhum movimento em seus lábios. Seu corpo permanecia perfeitamente imóvel.
O rei, vendo o santo, mas não reconhecendo seu estado, sentindo-se sedento, lhe pediu um pouco d’água, mas o santo Samika nem o ouviu ou viu. O rei pensou que ele estava o ignorando deliberadamente e, furioso, enquanto esperava impacientemente alguma resposta, levantou bruscamente uma serpente que estava estendida e morta e a atirou sobre o santo que, assim mesmo, seguia em profundo Samadhi. Depois se afastou.
O santo tinha um filho chamado Sringi, que nasceu dotado de um grande poder. Quanto este viu a indignidade que o rei havia infringido a seu pai, jogando a serpente em seu colo, se pôs furioso e, irrompendo em lágrimas, amaldiçoou o rei dizendo: “Caro pagarás o rei pelo insulto ao meu pai. Sete dias antes que morra, será picado por uma serpente”.
Quando o santo despertou de sua meditação, vendo seu filho chorando, lhe disse gentilmente: “Por que choras filho meu; quem lhe fez algum dano?”.
O menino, então, relatou o incidente a seu pai, que ao inteirar-se da maldição, disse: “Filho meu, um agravo não se corrige com outro. Mas agora a maldição não pode ser revogada. A palavra de um Brahmin não pode voltar atrás. Que o Senhor faça sua vontade, tudo está em suas mãos”.
Capítulo V – O rei Pariksit conhece a Suka
Quando o rei Pariksit regressou a sua casa, sentiu remorsos pelo que havia feito ao santo. Não tardou em se inteirar da fatal maldição que Sringi havia feito para ele, mas ele alegrou seu coração, pois via nela uma benção disfarçada. “Me verei livre de meus delitos – disse a si mesmo – ademais, a idéia da morte me libertará de minha ligação aos prazeres temporais e ao poder. Me dediquei demasiado ao mundo, mas agora encherei o resto de meus dias com a idéia do Senhor”.
Então o rei outorgou seu reino e todas suas posses a seu filho Janamejaya e foi viver na margem do sagrado rio Ganges, com o propósito de encontrar seu fim pacificamente, absorto no pensamento de Sri Krishna, o Deus do amor. Muitos foram os santos que se aproximaram dele, aos quais pediu sua benção. “Inclinado aos pés de todos os santos Brhamins – disse – abençoe-me para que possa ter mais e mais amor pelo infinito Senhor, e para que, sejam quais forem os distintos nascimentos que possa sofrer no futuro, sempre possa unir-me aos homens santos e aos verdadeiros amantes de Deus. Este é meu único pedido”.
E assim sua mente foi se libertando de todas as ligações mundanas e seu coração foi se purificando com o desejo do amor a Deus.
Estando rodeado por homens santos, chegou Suka, o filho de Vyasa. Suka, embora com somente dezesseis anos, era adulto em conhecimento e sabedoria. Sua figura possuía uma inefável graça e beleza. Seu rosto brilhava e seus olhos resplandeciam como se estivesse contemplando o infinito. Não tinha nenhum sinal de casta, nem vestido. Assim podia viajar livre como os pássaros pelo ar, porque verdadeiramente era um conhecedor de Brahman.
Ao aproximar-se da assembléia, todos se levantaram em reverência. O rei Pariksit se prostrou a seus pés e lhe disse: “Oh! Grande mestre, sinto-me abençoado com tua santa presença, diga-me, por favor, quais são os deveres de um homem que deseja alcançar a liberdade. Diga-me como falar com Deus”.
Assim solicitado, Suka, que conhecia todas as religiões e todas as verdades, começou seus ensinamentos”.
Livro
Terceiro
Agora – continuou Suka – te falarei dos
ensinamentos do sagrado Bhagavatam, relatando a conversa entre Vidura e
Maitreya.
Vidura e Maitreya, sábios de grande
fama, foram discípulos de Sri Krisna. Vidura havia renunciado ao mundo no
início de sua juventude e vagava pela Terra em peregrinação. Sua mente estava
firme no pensamento do Senhor do Amor. Sua alma era livre, aperfeiçoada no amor
a Deus. Maitreya era também uma alma livre, adquirida em divina sabedoria.
Em uma ocasião, durante uma de suas
viagens, Vidura visitou Maitreya, que vivia em Hardwar. Assim que se viram,
seus corações se desmancharam em divino amor mútuo. Passaram muitos dias
juntos, prazerosos, falando de Deus.
Em uma daquelas ocasiões, Vidura,
contemplando, assim falou:
Oh grande sábio, além de correrem
os homens atrás da felicidade, sofrem pela sua infeliz sorte. O que se pode
fazer para remediar isto? – diga-me, por favor, como ajudar o mundo.
Há gente que por causa de seus maus
Karmas do passado, tomam parte em malignas ações e não dedicam tempo ao
pensamento e louvor a Deus. Por esta razão sofrem. Porém, os santos como tu, oh
Maitreya, dedicados exclusivamente ao amor a Deus, vivem neste mundo somente
para o bem da humanidade. Por favor, ensina-me esse conhecimento eterno por
Ele, quando Deus e seu amor, são revelados nos corações dos homens, para assim
alcançar a eterna felicidade.
Fale-me, também, oh Maitreya, sobre
a criação do universo. De como Deus – a única existência absoluta – chega a ser
múltipla.
Como uma abelha que faz o mel de
distintas flores, assim tu reuniste todas as Escrituras, e deve revelá-la para
o benefício da humanidade.
Oh bendito Vidura, agradeço teu
rogo e tributo com que me pagas.
Criação, conservação e dissolução
do universo são jogos divinos. No universo, o Senhor, que é o Ser de todos os
seres, se mostra como muitos. Antes da criação, já é dissolução e o mundo
existe como uma existência absoluta, que é Deus. Não existe nem vidente nem
visão, nem sujeito nem objeto. Só existe a mesma consciência. Nessa
consciência, que é Deus absoluto, é o poder dele que se divide em vidente e
visão, em causa e efeito. Esse poder se chama Maya.
Deus criou o universo desde seu
Maya, esse poder divino, que consiste em três Gunas, de nomes Sattva, Rajas e
Tamas. A Maya se conhece também como Avyakta – que quer dizer “natureza não
manifestada” – Mente, inteligência, ego, sentidos,
órgãos sensoriais, elementos sutis e toscos – em outras palavras, todo o
universo – é uma emanação do divino Maya.
Vidura:
Reverendo mestre, se isto é assim,
como pode Deus, que é a mesma consciência, é imutável, ser chamado de Criador?
E porque cria? Se dissermos que por seu prazer e jogo criou o universo, lhe
estamos dando sentimentos, como se fosse uma pessoa igual a nós. Quando as
crianças jogam, o fazem por desejo; porém, como pode Deus, que é perfeito, ter
desejos?
Se como tu dizes, o absoluto Deus
impessoal não é realmente o criador, que é seu poder, Maya, o que cria,
preserva e dissolve, como se pode associar Maya com
Deus? Ademais, se o homem, como espírito individual, é na realidade Deus ou
parte de Deus, como pode estar relacionado a esse Maya? O homem é
verdadeiramente divino, então, como é enganado e porque é arrastado à miséria?
Maitreya:
O homem, o sempre-livre Senhor, não
está atado. Porém Maya faz com que o homem acredite estar, e é por causa de
Maya que o irreal parece real. Quando a lua se reflete no oceano, as ondas
fazem com que pareça intranqüila, porém, na realidade, a lua está fixa e calma.
É a água que está intranqüila. Igualmente, os atributos do não-Ser estão
superpostos ao Ser, e o homem ignorante, por meio de Maya, identifica os
atributos de finito e escravidão a ele mesmo. Mas seu cativeiro não está no Ser
verdadeiro.
Quando se segue o caminho da
renúncia e se alcança a pureza e a graça de Ser divino, a devoção e o amor a
Ele afloram no interior de seu coração e é então quando o homem ama a Deus, se
liberta da ignorância e da miséria.
Vidura:
Agradeço, oh Maitreya. A verdadeira
natureza de Deus é igual a do homem, é a mesma consciência. Eu só me perguntava
novamente porque Deus é sempre livre e soberano do
universo, enquanto o homem permanece atado. Mas agora entendo que Maya é servo
de Deus, e que este é dono do homem. Aqui está a resposta da escravidão do
homem. Agora vejo como a ignorância é a causa de todo este universo aparente, é
o mesmo Maya.
Verdadeiramente os extremos são os
mais parecidos. O homem mais ignorante e o homem mais ilustrado são os únicos
seres felizes, cada um a sua maneira. Porém os que estão no meio, os que não
são nem completamente ignorantes nem são completamente ilustrados, são
desgraçados. Realizam sua efêmera natureza do mundo, sentem insatisfação em
seus prazeres e não conhecem a felicidade de Deus.
Só associando-se a homens santos
como tu, oh Maitreya, e prestando-lhe serviços, os homens podem desenvolver o
amor pelo Senhor, e, ao final, achar Nele alegria e paz.
Oh! Honorável, agora vejo que este
universo é uma obra do Poder Divino. Por favor, conta-me a história da Criação
e de como os seres e as coisas chegaram a existir.
Maitreya
A criação, oh Vidura, não tem
princípio absoluto. O universo presente é só um entre uma série de mundos
passados e outros futuros. A energia cósmica alterna entre períodos de
potencialidade e de expressão. A fase de potencialidade é conhecida como
dissolução, e a fase de expressão como criação.
Toda a criação é de distinta
classe. O Avyakta, ou energia cósmica é composto por três Gunas. Quando o
equilíbrio dos Gunas está alterado, se manifestam a inteligência universal, o
ego universal, a mente, os sentidos e os órgãos sensoriais, o sutil princípio
dos elementos e os mesmos elementos. Enquanto se combinam uma e outra vez, de
várias maneiras, os seres alcançam a existência.
Entre eles está Sthavara: os seres imóveis, como as ervas, os arbustos, as trepadeiras
e as plantas, cuja consciência não está manifestada. Neles só o sentido do tato
está desenvolvido.
Depois estão as
espécies brutas, os animais, nos quais o sentido do olfato é o que está
sumariamente desenvolvido.
Logo vem o homem, e por último, os
Devas, os Pitris, os Gandharvas e os Kinnaras, que são deuses, semideuses,
anjos e espíritos.
Tudo, oh Vidura, foi criado por
Brahma.
E assim foi como ocorreu a criação:
O mundo estava submerso abaixo do
oceano, enquanto na superfície Deus incubava a Ananta, o rei das serpentes, que
flutuava sobre as águas. Deus descansava com os olhos fechados, porém sua
consciência permanecia completamente desperta, ensimesmado no êxtase de seu
próprio Ser.
Enquanto o tempo da criação se
arrastava na noite, Deus sentiu um rebuliço em seu interior, e no centro de seu ser,
brotou um Loto perfeito. Sua luminosidade era deslumbrante e todo o oceano foi
iluminado com sua luz.
No interior do Loto se achavam
todos os materiais para a criação. Deus mesmo foi absorvido em seu interior,
convertendo-se em seu mais secreto Ser.
Imediatamente depois, Brahma saiu
do Loto, e sentando-se sobre ele, girou sua cabeça em todas as direções para
ver se havia alguém presente. Por esse motivo se chama Brahma de os quatro
rostos.
Brahma não se reconhecia, nem
recordava nada de suas anteriores criações. Sentia-se intranqüilo e um desejo
de conhecimento nasceu em seu coração. Olhou ao seu redor e vendo que no mundo
exterior não havia nenhuma esperança para a realização de seus desejos, buscou
em meditação o conhecimento, pois compreendeu que este devia estar em seu
interior. Assim, ao final, encontrou a Verdade, a Deus em seu próprio coração,
e vendo Deus por toda parte, se sentiu bendito.
Então Deus lhe falou:
“Oh Brahma, eu te ordeno: cria de
novo o mundo como já o fez outras vezes. Para ti, criar não é nada de novo. Qualquer coisa que seja criada, como tu bem sabes, já está
em meu interior. A criação é só a projeção na forma de tudo o que já existe”.
Durante este tempo, levantou-se um
forte vento que agitou a água até enfurece-la. Porém
Brahma, que havia adquirido conhecimento e poder, graças a prática do Tapas, acalmou o vento e as águas, e encontrando-se
flutuando no éter, mas sentado sobre o Loto, voltou a entrar no coração do
Loto, e dividindo-se em três seções, criou as três esferas: paraíso, céu e
terra.
Brahma deu, também, ao mundo, os
quatro Vedas: o Rik, o
Sama, o Yajur e o Atharva.
Brahma é a personificação daquilo
que os filósofos chama de Sphota, a palavra OM. Também se chama o
primeiro-nascido de Deus.
As primeiras criações humanas de
Brahma foram os santos, que assim que foram criados, caíram em profunda
meditação, sem mostrar nenhum interesse pelas coisas do mundo. Brahma viu que,
através deles, não havia nenhuma possibilidade para a propagação da espécie
humana, e enquanto estava meditando que caminho devia seguir, sua própria forma
dividiu-se em duas: uma metade se converteu em homem, e a outra em mulher.
O homem foi chamado de Manu e a mulher Satarupa e deles brotou a espécie humana.
Capítulo III –
Jadabharata
Bharata, filho do sábio real
Rishabha, foi um poderoso monarca. Seu poderio foi tão magnífico, que aquela
terra que então se conhecia como Ajanabha, foi chamada de Bharatavarsha, em
honra ao seu nome.
Bharata
governou seus súditos como um bondoso pai que, em seu coração, só mira o bem
para seus filhos. Trabalhou sem descanso, buscando mais o benefício alheio que
o seu próprio. Por mais insignificante que fosse o empreendimento, o realizava
como um serviço a Deus e, deste modo, cada ato se convertia em devoção,
purificava seu coração e unia sua consciência a do supremo Brahman.
Chegada a
velhice, o rei Bharata dividiu seu reino entre seus
cinco filhos e se retirou para o bosque para meditar sobre Deus, com a
esperança de desatar os nós do Karma que ainda o mantinha atado. Ele sabia que
todos os deveres e trabalhos eram só uma preparação para o momento em que os
grilhões que unem a alma à
matéria, fossem feitos em pedaços.
A margem do rio Gandaki,
no bosque dos Himalayas, construiu uma pequena cabana
de canas e, ali, meditando constantemente sobre Deus, encontrou a paz pela qual havia
lutado por toda sua vida.
Cada manhã oferecia em louvor a
seguinte oração:
“Que possamos meditar sobre a Luz
Suprema. Dela provém todo o universo. Está nos corações de todos e ao seu
interior tudo se volta. É a inteligência de todos os seres. É o guia da
inteligência. Nela nos refugiamos”.
Assim, transcorreram dias, meses e
anos. Porém um dia, um gamo se acercou do lugar onde o sábio meditava, para
beber água. A poucos passos, um leão rugia. Estava grávida, e o extremo esforço e o súbito sobressalto provocou o
nascimento de um pequeno cervo, o qual morreu em seguida. O pequeno cervo havia
caído n’água, e foi arrastado pela corrente espumosa. Bharata,
que havia presenciado a cena, correu para o cervo e o resgatou das águas.
Depois o levou a sua cabana, fez fogo e, com muito cuidado e esmero, tratou de
lhe devolver à vida. Já recuperado, o tomou sob sua proteção e o levava, todas as manhãs, ervas e frutas. O cervo cresceu
formoso e sob o paternal cuidado do retirado monarca, porém este, cuja mente
havia sido poderosa para afastar-se de uma vida atada ao poder, a posição e a família, se atou de vez ao cervo que havia
salvado; enquanto se fazia mais carinhoso com o cervo, meditava menos no Senhor
do Amor. Em uma ocasião em que o cervo havia se afastado no bosque em busca de
comida, o sábio, intranqüilo por sua demora, pensou: “E se meu pequeno cervo
foi atacado por um tigre ou outro perigo caiu sobre ele”.
Passaram-se anos e o sábio não
havia voltado a ver o cervo. Um dia, sabendo que estava próximo da sua morte,
se recostou para espera-la. Mas sua mente, em lugar de
estar absorta no Ser, recordava o cervo, e enquanto seus olhos estavam fixos,
em tristeza, no rosto do seu amado cervo, sua alma deixou seu corpo. Por isso,
em sua vida seguinte nasceu como um cervo. Mas não perdeu nenhum Karma, e todas
as suas boas ações feitas como rei, haviam dado fruto.
O cervo nasceu jastimara. Recordava seu passado,
estava privado da fala e vivia em um corpo animal. Instintivamente foi se
afastando de seu bando, sentindo-se atraído pelos pastos ao redor das ermidas,
onde se ofereciam orações e se predicavam os Upanishads.
Depois de viver os anos naturais de
um cervo, morreu. Desta vez nasceu o filho de um rico Brahmin,
e como sua anterior encarnação, também recordava seu passado e, desde sua
infância, determinou não se envolver com o lado bom ou o mau da vida. Cresceu
forte e sadio, mas sem a faculdade da fala. Era preguiçoso e um pouco genioso,
por medo de se enredar em aventuras mundanas. Seus pensamentos sempre estavam
no infinito e só vivia para se desfazer de seu passado Prarabdha-karma.
Após um tempo, seu pai morreu e os outros filhos repartiram sua fortuna,
excluindo de seus benefícios o jovem mudo. Pela caridade, conseguia o alimento
que lhe davam para que seguisse vivo. As
esposas de seus irmãos eram demasiado severas com ele e lhe davam trabalhos
pesados, e se alguma vez não o podia cumprir, o maltratavam. Mas ele não
demonstrava enfado ou medo, se mantendo de boca fechada. Quando o molestavam
demais, saía da casa e se sentava debaixo de uma árvore onde descansava por
algumas horas.
Um dia em que as cunhadas o haviam
tratado com mais crueldade que de costume, Bharata
saiu de casa e, sentado sob uma árvore, deixou se passar algumas horas. A pouca
distância dali, o rei Rahugana passava, transportado
num palanquim que estava sobre os ombros de uns moços. Um deles,
inesperadamente, caiu enfermo e os servos saíram em busca de um substituto.
Vendo Bharata sentado debaixo da árvore e observando
que era forte, perguntaram se desejava ocupar o lugar do enfermo, ao que ele
não respondeu. Então os servos o tomaram e o colocaram sob o cabo do palanquim.
Bharata caminhou com seus companheiros sem dizer uma
palavra, mas após alguns momentos, ao notar o rei que o palanquim não estava
sendo conduzido com equilíbrio, se dirigiu ao novo carregador e disse: “Louco,
descansa um pouco. Descansa um pouco se lhe doem os ombros”. Então Bharata, baixando o cabo ao solo, separou pela primeira vez
os lábios e falou:
“A quem, oh rei, chamas de louco? A
quem pedes que deixe o palanquim? A quem pergunta se está cansado? A quem te
diriges como ‘tu’? O que queres dizer com a palavra ‘tu’? Te
diriges a essa massa de carne, que está composta da mesma matéria que a
tua, que é inconsciente, que não conhece o cansaço nem a dor? Ou é a essa
mente, idêntica a tua, a que diriges? Mas se a palavra ‘tu’ está dirigida a
algo mais além dele, é o Ser, a realidade em mim, idêntica a tua, o Uno no
universo. Queres dizer com isso que esse Ser pode sentir-se cansado alguma vez,
oh rei, que pode estar dolorido? Eu não desejo, oh rei, meu corpo não deseja
pisar nos pobres vermes que se arrastam pelo caminho, e tratando de evita-lo, o
palanquim se movia em desequilíbrio. Porém, verdadeiramente, o Ser não se sente
cansado ou débil, nunca carregou o cabo de um palanquim, porque é onipotente e
onipresente”.
O rei Rahugana,
sentindo uma grande satisfação ao ouvir estas palavras, baixou o palanquim e,
caindo aos pés de Bharata, lhe disse: “Oh poderoso,
peço que me perdoe. Certamente eu não conhecia tua condição quando te pedi que
me levasse. Foi-me uma grande bênção haver-te conhecido. Por favor, ensina-me o
conhecimento do Ser”.
“Oh rei, disse Bharata,
conhecer o Ser é o mais alto conhecimento. Mas este conhecimento não nasce com
o homem que pensa que pode achar a felicidade no mundo transitório”.
“O homem permanece ligado às suas ações, sejam
boas ou más, pela identificação que se faz do Ser com os três Gunas: Sattva,
Rajas e Tamas. Bem ou mal só estão relacionados com a mente, porém nunca com o
verdadeiro Ser. A mente é um adjunto do Ser. O Ser divino aparece como um
espírito individual, a causa da sua associação e identificação com a mente.
Depende da qualidade das ações, boas ou más, a qualidade do novo nascimento,
alto ou baixo. O homem vive em alegria e sofre de acordo com suas ações. A
mente é, para ele, tanto a causa da escravidão quanto da liberdade”.
“A mente associada com os Gunas, é
a causa da escravidão e do sofrimento, mas uma vez libertada, conduz à paz e à
liberdade”.
“A eterna matéria, a eterna
testemunha, é o Ser divino, não afetado por qualquer ação ou pensamento. Está
mais além da mente e dos sentidos. É a luz em si mesmo. É Deus chamado ‘Narayana’, porque ‘vive nos corações de todos os seres’. É
o que governa o seu próprio Maya e, como tal, mora nos corações de todos aqueles que criou”.
“Os seres humanos giram e giram na
roda do nascimento e da morte até que, despertos, controlam suas paixões e se
libertam da escravidão de Maya, conhecendo a Verdade sobre o Ser divino. Não há
salvação nem liberdade, até que o homem se liberte de sua mente. É ela me
provoca toda a experiência de miséria, engano, enfermidade, luxúria, cobiça e
cólera. A mente é a morada de tudo isso. Subjuga a mente com a espada do
conhecimento, afiada pelo louvor ao Senhor do Amor, o mestre dos mestres”.
“Só há uma verdade, uma existência,
um conhecimento, a consciência unitária, pura, invariável, mais além da matéria
e do objeto: este conhecimento é Deus, o Senhor do Amor”.
“Não
é pelo mero estudo dos Vedas, nem pela penitência ou pelas boas ações que se
alcança esse conhecimento, senão pela associação com as grandes almas. Quando o
coração é puro, há prazer na meditação sobre o Senhor do Amor. Queimado o
pecado no fogo do conhecimento, o homem descobre sua identidade com Brahman e
alcança o Senhor do Amor, no fim da vida”.
“Verdadeiramente, este mundo pode
ser comparado a um denso bosque onde os homens tenham perdido seu caminho. Há
ladrões e bandidos no bosque – os sentidos e as experiências sensoriais, que
roubam nossa verdadeira herança, a divindade interior. Há uma miragem ante
nossos olhos, a vemos e corremos para satisfazer nossa
sede. Nós temos sede pela felicidade e corremos em direção ao mundo objetivo
para satisfazê-la, porém, é tão ilusória como a miragem. Em algum momento
pensamos que não há nada desejável no mundo, mas logo esquecemos disso. Damos
voltas e mais voltas pelo bosque sem encontrar a saída, até que algum viajante,
uma grande alma, nos descobre. O sábio, o auto-controlado, havendo alcançado
sua liberdade, nos mostra o caminha da
liberdade”.
“Oh rei Rahunaga,
tu também estás perdido no profundo bosque do mundo. Abandona toda ligação,
sede amigável com todos os seres, e com a espada do Conhecimento, afiada com o
louvor, a meditação e o serviço, corte os nós da ignorância”.
Depois de ouvir estas verdades dos
lábios de Bharata, o rei se prostrou ante ele. Em
seguida se despediram e embora Bharata seguisse
ensinando a Verdade, o rei voltou ao seu reino para conhecer a Verdade que
havia aprendido.
Capítulo IV –
A Verdade é uma: os sábios a chamam com distintos nomes.
A Verdade é uma: os sábios a chamam
de distintos nomes. Há um só Deus, uma Verdade absoluta, e uma só Existência.
As pessoas de distintos países louvam a um único Deus sob vários nomes e de
diferentes formas. Cada um destes nomes e formas, é um
rosto do Infinito, que é uno com o Infinito.
Em Bhadrasva-varsha,
Bhadrasravas, o rei e seus seguidores e súditos,
louvavam o Senhor do Amor, em Seu aspecto como Hyagriva,
assim:
“Nossas saudações a Dharma,
encarnação da Verdade! Nós saudamos a Ele, que é o redentor e o purificador de
nossas almas!”.
“A vida é como o vento que sopra e
se vai! Verdadeiramente fugaz! Mas o homem à mercê do inescrutável poder da
ignorância, se aferra a sua existência e gasta mal sua energia em efêmeros
prazeres. Só o sábio conhece o interior de seu coração, a transitória
existência das coisas mortais, e só ele, na mais profunda contemplação,
experimenta a Verdade”.
“Nós saudamos a Ti, Senhor!
Teu poder é enigmático;
Tu és o Ser de todos,
Tu estás sobre o mais alto de tudo.
Quando na dissolução do mundo,
Daitya, a
encarnação da ignorância,
Escorregou dos Vedas, o divino
conhecimento,
Tu estabeleceste os Vedas das
profundidades das regiões mais baixas
Assumindo a bendita forma de Hayagriva,
Tu estabeleceste a Verdade uma vez
mais,
Dando os Vedas e teu conhecimento a
Teu filho Brahma.
Tu és a Verdade, teu desejo é
verdade:
Nós saudamos a Ti!”.
Em Hari-varsha,
o grande devoto Prahlada e seus seguidores, adoram a
Deus em Seu aspecto como Nr-Simha. O adoram com toda
a devoção da alma, e unem seus corações com ele em amor. Cantam sua glória
assim:
“Nós saudamos a Ti! Tu é o Senhor infinito,
Que assume a forma de Nr-Simha;
Tu és a Luz de todas as luzes.
Dissipa de nós a obscuridade da
ignorância;
Queima as sementes de nossos maus
desejos e malignos Karmas;
Faz-nos audazes! Nós te saudamos!
Oh Senhor, nos mostra Tuas bênçãos
sobre todas as coisas;
Que o bem chegue a todos.
Que aqueles que se conduzem mal,
cheguem a conhecer o bem.
Que possam seguir o caminho do bem.
Que todos os seres sejam nobres e
se amem uns aos outros.
Que todos se desejem o bem mútuo.
Que todos conheçam o bem em seu
interior.
Que não sejamos atados às coisas do
mundo;
E sim, que a atadura cresça em
nossos corações,
Não deixe que sejam outros seus
relativos amigos,
Mas Teus amantes e devotos.
Teus amantes e devotos, os
conhecedores da Verdade,
Vivam em Tua bendita consciência e
cantem Tuas glórias.
A associação com eles purifica o
coração;
Os que são puros de coração, te amam ternamente,
E através de seu amor, obtém Tua
graça e poder.
Como a água é a vida do peixe,
Assim Tu és a vida e a alma de
todos os seres.
Sem Ti, a vida está vazia;
Eternamente vã é a vida deste
mundo,
A morada da miséria e da morte,
Onde impera a ira, a tristeza, o
ciúme, o orgulho, o medo e todo o mal.
Porém, conhecendo-o, a vida é
divina,
E o coração se
desdobra na plenitude da alegria”.
Em Ketumala-varsha,
Lakshmi Devi, com seus súditos, adoram o infinito Senhor
como o Amado e rezam assim:
“Nós saudamos a Hrishikesa,
o Senhor dos sentidos,
Que está manifestado em tudo o que
é bom.
Tu és o Senhor de todo o trabalho,
És o
Senhor de todo conhecimento,
És o Senhor do pensamento e Senhor
de toda a matéria.
Tu és a encarnação dos Vedas,
Tu és a vida, Tu és imortal,
Tu és tudo em tudo.
Tu és o valor,
Tu és o vigor
dos sentidos,
Tu és a
força do corpo,
Tu és o desejo,
Nós te saudamos;
Tu és nosso amado
Senhor”.
Em ramyaka-varsha,
o Senhor do Amor é adorado em sua divina manifestação como Matsya.
Assim a Ele se dirigem:
“Nós saudamos a Ti, em Teu divino
aspecto de Matsya.
E que manifesta todo poder, físico
e mental.
Tu estás dentro e fora de todos os
seres.
Nada conhece tua natureza,
Tu és onipresente e o suporte de
tudo.
Tu estás além do espaço e do tempo,
Tu estás expresso em todos os seres
e todas as coisas deste múltiplo universo,
Tuas formas são inumeráveis,
Teus nomes são muitos,
Tu és o conhecimento que dá
consciência de unidade.
Nós te saudamos!”.
Em Uttarakuru-varsha,
é adorado em seu divino aspecto como Varaha, e assim
o louvam:
“Nós saudamos a Ti!
Tu és a Palavra, Tu és a Verdade,
Tu és o sacrifício;
Tu és a Alma de todas as almas;
Como o fogo está oculto na madeira,
Assim Tu estás oculto no corpo dos
sentidos.
Com o coração e mente
purificado pela discriminação espiritual e pelas ações virtuosas,
‘ O sábio Te busca e Te encontra.
Por Teu Poder, o divino Maya,
Que é Teu ser, manifestado como
este múltiplo universo.
Em profunda contemplação e
autocontrole, conhece Teu aspecto absoluto.
Nós de saudamos!”.
Em Kimpurusha-varsha,
o infinito Senhor é adorado em sua divina encarnação como Rama. O grande devoto
Hanuman e seus seguidores, adoram
o Senhor com toda devoção da alma e louvam a glória de Rama assim:
“Nós saudamos a Rama!
Em Ti está manifestado o tudo mais
elevado;
Tu és a personificação e o ideal da
pureza e da santidade.
Em Teus Pés nos refugiamos, Oh
Rama,
Tu és a encarnação do Espírito
universal,
Que as Escrituras assinalam como a
única existência absoluta,
Isso é Tu.
Pura consciência unitária é tua
natureza:
Tu estás mais além do conhecido
Mais além do nome, da forma e dos
atributos.
O puro de coração te conhece como
uno com Brahman.
Tu és o Ser do universo,
Senhor de tudo.
Teu prazer está em tua própria
felicidade;
Tu és nascido como um filho de Dasaratha
Para encarnar a Verdade da Vida na
Terra,
E para mostrar à humanidade o ideal
de não-ligação.
Tu és o amigo do sábio,
E o amigo daqueles que te amam;
Vãos, verdadeiramente, são os bons
nascimentos, a beleza e a inteligência,
Se não existe amor por Ti.
E conhecer tua eterna paz e
bem-aventurança.
Tu és
verdadeiramente Deus, revelado como Rama”.
Em Bharatavarsha,
Deus, em seu aspecto como Narayana, assinala os
ideais de dever, serviço, renúncia, conhecimento, autocontrole, não-egoísmo e auto-conhecimento. O divino sábio Narada
ensinou essa oração aos Hindus de todas as cores e castas:
“Nós saudamos a Nara-Narayana!
Tu és o Senhor de todos os
sentidos.
Tu és a riqueza do pobre.
O mestre do sábio,
O Senhor de todos os santos que
sentem prazer na meditação do Ser divino.
Tu és o criador, conservador e
destruidor deste universo.
Tu não executas nenhuma ação.
Tu existes em todos os corpos,
Os atributos do corpo não te
afetam.
Tu és o profeta e erudito de todas
as matérias.
O fenômeno de mudança não afeta a
tua inalterável natureza.
Tu és livre e conhecedor de tudo,
Oh tu Senhor dos Yoguis,
O segredo e a arte de todo Yoga, é unir
a mente contigo.
Através do Yoga do amor, nos
libertamos de nosso ego:
Que também é o segredo da
imortalidade,
Que utilidade tem estudar as
Escrituras
Sem liberta-se antes do medo da
morte,
O medo da separação dos amigos,
familiares e posses?
O império de Maya é verdadeiramente
poderoso:
Difícil é renunciar as ligações
físicas.
Oh, nos ensine o segredo do Yoga
Que nos livra do
desejo, de todo o Maya”.
O nascimento humano é de todos o mais alto. Como seres humanos, adquirimos
conhecimento e liberdade através da devoção da alma a Deus. Na Índia, a terra mais sagrada, nasceram grandes almas livres. Ao nos
unirmos com tais almas, aprendemos a amar a Deus, a Alma de todas as almas.
Conforme nosso amor por Deus cresce, nossa ignorância se desvanece e nos
fazemos dignos da liberdade.
Para nós é um grande privilégio ter
nascido na sagrada terra da Índia, porque aqui somos educados com os ideais do
amor, serviço, louvor e meditação, que nos ajudam a alcançar o conhecimento de
Deus. Não por egoísmo, os verdadeiros devotos de Deus dedicam-se a Ele. É o
mais alto ideal – é o único ideal da vida na Índia – é ama-lo
e louva-lo, buscando somente amor e sabedoria.
Ama-lo, servi-lo, louva-lo, meditar
nele; com esses ideais realizarás o mais alto bem.
Capítulo III –
Narada ensina o ideal da renúncia.
Os filhos de Daksha,
iguais como gotas d’água, conhecidos como Haryasvas,
haviam chegado a um sagrado lugar, chamado Narayanasaras,
donde o rio Sindhu se une ao oceano. Ali, vivendo em
sociedade com homens santos, alcançaram a pureza de coração.
Um dia, o divino sábio Narada se acercou deles e lhes disse:
“Oh Haryasvas,
conheceis o fim dos campos? Se não conheceis, todas vossas austeridades são
inúteis.
“Há
um reino em que reina um único rei. Há um poço e há um retorno.
“Há ma mulher que assume muitas
formas. Há o esposo da mulher.
“Há um rio que corre em direções
opostas. Há uma casa que está construída com vinte e cinco materiais distintos.
“Há um pássaro que distingue e
canta formosas canções. Há uma coisa que está em perpétuo movimento.
“Se
chegar a entender isto, conhecereis a Verdade e sereis livres”.
Ouvindo estas misteriosas palavras
de Narada, os filhos de Daksha
meditaram sobre elas e, em seu interior, conheceram a resposta.
“O campo, é o ego. Conhecendo o fim
do próprio ego, se chega ao Ser divino e se alcança a liberdade”.
“O reino é o universo, do qual Deus
é o supremo rei. Basta que não conheçamos o Eterno-livre, e nos entreguemos a
Ele, para que nossos esforços sejam vãos. Deus, a luz de todas as luzes, é o
poço, e se cairmos nele, voltaremos a nascer”.
“A mulher é a mente que atinge
distintas formas de ondas, de acordo com os Gunas. O esposo é o Ser divino que,
identificando-se com a mente, é apanhado na rede dos Gunas. Como um esposo que
perde sua independência ao associar-se com a mulher imperiosa, assim, o Ser
perde sua liberdade ao se fazer escravo da mente e experimentar os opostos da
vida: felicidade e miséria, vida e morte”.
“O rio é o rio de Maya, e enquanto
permanecemos em sua corrente, não conhecemos a liberdade”.
“Os corpos físicos, sutis e
causais, são a casa, cujos vinte e cinco materiais, são as vinte e cinco
categorias e em seu interior, mora o Ser”.
“As Escrituras é o pássaro que
discrimina, porque nos ensinam, através de canções divinas, a distinguir o real
do irreal”.
“O tempo e o objeto em perpétuo
movimento, são a causa do movimento do universo”.
“Ao superar a idéia de movimento e
tempo, encontramos a paz”.
O nascimento humano, oh rei, é
verdadeiramente um nascimento bendito, porque é uma evolução e a
autoconsciência que dá o incentivo para toda a completa evolução. Só o homem
está capacitado para conhece a Verdade e alcançar a perfeição. Mas ai! Poucos
tratam de averiguar p que é bom para eles! Menos desejam a liberdade e muito
poucos conhecem a Verdade e chegam a ser livres. Raras, realmente, são as almas
em calma que conhecem o mais alto bem ao unir o coração a Deus.
Vou contar-te uma velha história que
ilustrará a verdade que quero ensinar-te.
Vivia em Surasena,
um conhecido rei chamado Chitraketu, que satisfazia
todos os desejos de seu coração, menos um. E não tendo este, sentia-se
desgraçado. Nem sua boa saúde, sua formosa esposa, nem seu vigor juvenil, nem
suas muitas mulheres, podiam satisfaze-lo. Queria um
filho.
Um dia, o grande sábio Angira visitou a corte e, vendo tristeza no seu coração do
rei, disse-lhe:
“O que está vencido em sua mente,
conquista o universo. Tu pareces triste, como se não pudesse satisfazer algum
desejo”.
Com profundo respeito pelo sábio, o
rei lhe respondeu:
“Reverendo mestre, tu és um grande
Yogui. Tu já queimaste toda tua impureza no fogo do Yoga. Tu te fizeste
onisciente e conheceste os mais profundos pensamentos e desejos e, não
obstante, parece querer que eu os diga. Pois bem escuta: Tenho tudo o que um
homem pode desejar, exceto o que me faria completamente feliz, um filho”.
O sábio Angira sentiu a dor do rei e o
bendisse. E embora estivesse saindo, disse: “Terás um filho, oh rei, que te
causará mais dor que felicidade”.
Ao cabo que um tempo, nasceu o
filho e a alegria do rei não conhecia limites. Sua alegria se estendeu a todos.
Mas, um dia, a ama de leite encontrou o menino morto. Havia sido envenenado
pelas amantes enciumadas do rei.
A angústia do rei era insuportável.
Então o sábio Angira, desta vez
acompanhado pelo divino profeta Narada, chegou
ante ele e disse:
“Por quem estás tão triste, oh rei?
Aquele que chamaste de teu filho está morto. Como a areia do rio, as almas são
arrastadas pelo caminho do tempo e, encontrando outro rio, são varridas por
ele. Só há nascimento e morte para os corpos dos homens. A alma é imortal”.
O rei Chitraketu
se sentiu confortado ante a presença dos grandes sábios e disse:
“Quem são vós, oh homens santos?
Sábios como vós perambulam pela Terra, acendendo a luz do conhecimento e da paz
onde há inquietude e ignorância. Dignai-vos acender a luz sobre mim, para que
toda minha ignorância desapareça”.
“Eu sou aquele que te bendigo como
o filho, disse Angira. O divino sábio Narada veio para dar-te sua bênção. Nos
inteiramos da morte de teu filho e sabíamos que estavas afundado na
obscuridade por causa da tristeza. Tu és grande devoto do Senhor do Amor. Tu
não deves sofrer assim”.
“Havia querido conceder-te a mais
alta bênção, a vez anterior, mas tu só desejavas um filho, e eu te bendisse com
ele. Agora sabes que o que significa ter um filho. Toda a vida é transitória.
Riqueza, saúde, família, filhos, tudo não é mais que um sonho fugaz. A tristeza
e a dor são causadas pela ligação a eles e o desejo por eles. Inclusive a
tristeza, a dor, o engano e o medo, são transitórios”.
“Abandona a crença dos opostos da
vida. Aprende a diferenciar, conhece a única Verdade e encontre a paz”.
“Te ofereço
um sagrado Mantram, o nome de Deus. Repita este Mantram e medita sobre ele com
mente auto-controlada. Logo te alçaras sobre a tristeza e encontrarás a
inefável paz”.
Então o espírito do filho morto
apareceu. Narada lhe rogou que entrasse de novo em
seu corpo morto e que vivesse o tempo de vida assinalado na Terra para, assim,
alegrar os corações de seus familiares e amigos.
Porém, o espírito respondeu:
“Quem é minha mãe? Quem é meu pai:
não hão nascidos nem mortos. Sou o espírito eterno. A
alma, sujeita ao Karma, viaja através da ignorância, experimenta as distintas
relações terrenas. Eu sou o espírito eterno que permanece para sempre intacto,
sem ser afetado pelo amor e pelo ódio, o bem ou o mal deste universo. Sou a
eterna testemunha. Eu sou Ele!”.
Depois, o espírito desapareceu e um
sentimento de liberdade afastou a dor dos penosos familiares.
Consolado com a sabedoria de Narada e Angira, o rei Chitraketu se
prostrou aos pés dos divinos sábios. Eles lhe haviam dado o conhecimento acerca
da paz. Narada,
depois. Deu início aos sagrados mistérios da meditação
e o ensinou a seguinte oração:
“Ante ti nos inclinamos:
Suprema bem-aventurança es tua forma;
A inteligência tua natureza;
Tu és a paz e teu prazer está em ti
mesmo;
Tu estás mais além da consciência
humana.
Tu experimentas tua própria
felicidade.
As ligações, o engano, o trabalho
dos Gunas, não te afetam.
Tu és supremo, o Senhor dos
sentidos e de todos os objetos.
Teus rostos são infinitos.
Nós te saudamos.
De onde a mente e os sentidos
buscam em vão te alcançar.
Ali tu estás, expressado em tua
divina glória.
Tu não tens nome nem forma;
Vida e
consciência és,
A causa de todas as causas,
Tu nos protege
e guia.
Como o éter, por todas as partes
estendido,
Tu estás em todas as partes e
dentro de tudo;
E todavia
não te conhecemos
Os sentidos, a mente, o intelecto,
estão em movimento com a vida consciente,
Graças a
luz de tua consciência,
Igual como o ferro desprende calor
quando está perto do fogo
Tu estás mais além dos sentidos, da
mente e do intelecto.
Que nossos corações se movam em
direção a ti!
Assim, o rei Chitraketu
começou a praticar as lições espirituais ensinadas pelos divinos sábios Narada e Angira. Sua mente se
iluminou e viu, em visão, Deus do Amor. Sentiu uma grande alegria que enchia
seu coração e alcançou a paz.
Suas iluminações se fizeram mais e
mais luminosas e, ao final, realizou sua unidade em Brahman:
“Eu existo como o Ser do universo e
o mundo inteiro existe em mim.
A mente assume três estados de
consciência: desperta, em sonho e adormecida sem sonho.
Eu sou a testemunha, afastada
destes estados, porque sou consciência transcendental;
Eu sou o bem-aventurado Ser,
experimentado como superior aos sentidos, a mente, ao intelecto e ao ego. Eu
sou Brahman.
Afastados de Brahman nos domina
Maya, ligados ao nascimento e a morte.
A maior desgraça do homem é não
compreender o Ser divino.
O homem luta por encontrar a
felicidade e acabar com a miséria deste mundo, porém nunca conseguirá sta meta
se permanecer nos limites dos estados de consciência: desperto, em sonho ou
adormecida sem sonho. Ao transcende-los e ir mais além
do mundo de Maya, conhece o Ser e alcança este fim.
O experiente na
prática do Yoga e da meditação, sabe que o fim supremo desta vida é realizar a
unidade com Deus”.
Capítulo I – O
nascimento de Krisna
O rei Kamsa, o monarca mais poderoso e tirânico da época, tinha uma irmã e a amava com muita ternura. Ela ia se casar com Vasudeva e como sinal de afeto fraternal, o rei ofereceu ao novo casal muitos valiosos presentes que ele mesmo se encarregaria de transportar.
O rei cumpriu a promessa e Devaki, a irmã, e Vasudeva, se
sentiram muito felizes, pensando nos magníficos presentes que levaram consigo,
sendo ainda conduzidos pelo monarca. Houve ovações no caminho da caravana pelo
território.
Tudo foi bem, até que, de repente,
o rei ouviu uma voz no vazio que dizia: “Oh louco, a quem conduzes tão
alegremente? Acaso não sabes que o oitavo fruto de teu
seio será a causa de tua morte?”.
O terrível Kamsa
saltou de seu assento e sacando a espada, se lançou sobre sua irmã, mas Vasudeva se interpôs, recordando-lhe que não era sua irmã a
que lhe ocasionaria a morte, e sim, seu oitavo fruto. O rei o fez prometer que
cada um de seus filhos lhe seria entregue, para fazer com eles o que quisesse e
com isso, o rei se tranqüilizou.
Os filhos nascidos foram entregues um a um, como cumprimento da promessa, e um atrás
do outro foram assassinados pelo rei no momento do nascimento. Os pais,
tristes, não viram maneira de escapar das sanguinárias garras do rei.
No final, o momento do nascimento
do oitavo filho estava chegando e Kamsa ordenou que Vasudeva e Devaki fossem
encerrados na prisão. De acordo com ele, foram atirados na mesma masmorra e
atados com a mesma corrente.
Desconsolados, sem amigos e sem
nenhum tipo de ajuda, só lhes restava o consolo de rezas ao todo poderoso, a
Deus todo amor. Assim fizeram, implorando-lhe que os protegesse,
a eles e ao seu filho. Rezaram tão ardentemente que, ao final, caíram
desmaiados e, então, uma luz se acendeu na obscuridade. O sol a alegria e da
paz, o Senhor Visnu, apareceu diante deles, curando
as feridas de seu coração e dando-lhes ânimo. Seu benigno sorriso os estimulou,
se sentindo envoltos em seu amor bendito, quando o ouviram dizer estas
palavras:
“Que vossos olhos se abram e me
vejam nascido como vosso filho. Leva-me, pai, a casa de teu bom amigo, o rei Narada, em Gokula. Sua esposa, a
rainha Yasoda, vai dar a luz a uma menina. Troca-me
por ela. Traga-a consigo a este calabouço e me deixa no regaço de Yasoda, que está dormindo neste momento. Nada me deterá”.
Assim foi como Krisna,
que havia nascido para livrar a humanidade da escravidão, veio à luz na cela do
monarca Kamsa.
Devaki beijou o doce rosto de seu filho
esquecendo todo o perigo, mas Vasudeva recordou as
instruções dadas pela visão. Abraçou seu filho contra o peito e as correntes se
soltaram, as portas da prisão se abriram. Cruzou o rio Yamuna
e facilmente trocou seu filho pela filha de Yasoda.
Regressou com a pequena menina e a colocou no colo de Devaki.
As portas da prisão se cerraram e voltou a sentir o peso das correntes.
Cedo pela manhã, quando Kamsa se inteirou do nascimento da pequena, foi rapidamente
vê-la. Vasudeva lhe implorou que perdoasse a vida da
menina, mas Kamsa, não prestando atenção, apanhou pelo pés a pequena e a levantou alto, com a intenção de
atira-la com violência contra uma pedra. Porém a criatura, escapando do
demoníaco aperto e assumindo a formosa forma da Mãe Divina, baixou a vista
sobre ele e disse: “Infeliz, pensas assim desvia o poder do Todo Poderoso? O
que acabará contigo está em Gokula”. Depois
desapareceu e o rei Kamsa caiu tremendo.
Na mesma manhã, todo o povo de Gokula se regozijou ante a notícia do nascimento do menino
de seu amado rei Nanda. E Yasoda, a rainha mãe,
ignorando a troca que havia acontecido, olhou com alegria o doce rosto de seu
filho.
Capítulo II – Yasoda vê o universo na boca do pequeño
Krisna.
Um dia, sendo Krisna ainda pequeno, foi visto por uns meninos quando comia lodo. Quando sua mãe adotiva, Yasoda, se inteirou disso, pediu ao pequeno que abrisse a boca e, maravilha das maravilhas, Yasoda viu todo o universo: a Terra, o paraíso, as estrelas, os planetas, o Sol, a Lua e inumeráveis seres na boca do pequeno Krisna. Durante um momento Yasoda se quedou perplexa pensando: “Este é um sonho ou uma alucinação, ou uma visão real, a visão de meu filho como Deus mesmo”. Depois rezou assim:
“Tu que nos trouxe a este mundo de
Maya, tu que me deu o sentido da consciência do que sou,
Yasoda, a rainha de Nanda, a mãe de Krisna, derrama sempre sobre nossas cabeças tuas bênçãos”.
Mirando seu filho, o viu sorrindo.
Então o abraçou contra seu peito e o beijou. Yasoda o
olhava como seu pequeno filho Krisna e que ele era
adorado como Brahman na Vedanta, como o Ser universal em Yoga e como Deus do
Amor por seus devotos. E cada vez que o olhava, encontrava uma indescritível
alegria em seu coração.
Caítulo III – Krisna se deixa
amarrar.
Em uma ocasião em que Yasoda levava o pequeno Krisna em
seu regaço, o sentou em um momento para vigiar o leite que estava fervendo. O
menino se enfadou na sua cólera, quebrou um pote de leite coalhado, escapando
depois para buscar um pouco de queijo. Depois que havia comido, com sua cara
lambuzada, deu o que sobrou a um macaco. Ao voltar, a mãe viu a cena e riu.
Como castigo, decidiu amarra-lo a um almofariz de madeira, mas se surpreendeu
ao ver que a corda era muito curta. Então, uniu todas as cordas que pode
encontrar, mas mesmo assim não conseguiu atar Krisna.
Yasoda não acreditava. Krisna
sorria, e vendo que sua mãe estava extremamente atônita, gentilmente deixou que
ela o amarrasse.
O que não tem princípio, nem meio e
nem fim, que está estendido por todas as partes, infinito e onipotente, deixou
que Yasoda o amarrasse por amor. Ele, que é o Senhor
de todos os seres, deixa que aqueles que o amam, o controlem. Porque embora
infinito, pode ser compreendido através do amor.
Capítulo IV – Krisna
manifesta sua divindade a Brahman.
Sendo Krisna
jovem, gostava de ir com outros meninos de sua idade pra jogar e cuidar do gado
na terra do pasto de seu vizinho Vrindavana. Enquanto
o gado pastava, os meninos jogavam.
Em uma ocasião, como de costume,
quando haviam sentado depois do jogo, para almoçar, viram que o gado havia
desaparecido. Os garotos se assustaram, mas Krisna
lhes disse que não se preocupassem, que enquanto eles comessem, ele o
encontraria.
Brahma, o Criador, havia extraviado
o gado para por a prova o poder divino de Krisna e
agora, depois que Krisna deixou os meninos, fez com
que eles também desaparecessem. Brahma escondeu o gado e os meninos em uma
caverna na montanha, onde todos dormiam.
Krisna havia buscado
por todas as partes o gado, mas não os encontrou. Decepcionado, regressou junto
aos meninos, para descobrir que também haviam desaparecido. Pensando que tudo
era obra de alguém que queria se divertir, se sentiu curioso por descobrir a
verdade e, através da meditação e da intuição divina, descobriu que tudo havia
sido uma jogada de Brahma para por a prova sua divindade. Krisna
sorriu e pensou que era uma boa ocasião para demonstrar a Brahma sua natureza
divina e lhe dar uma lição. Deixou os meninos e o gado em sua caverna e criou
outros, idênticos a eles, com as mesmas características originais. Depois, com
sua mente, devolveu cada um a sua casa e o gado ao seu lugar. Os parentes não
notaram nenhuma troca.
Todo dia Krisna
ia pastorear com os meninos nascidos de sua mente, jogando como sempre havia
feito. Ninguém percebeu uma só troca, exceto que as mães sentiram um grande
amor pelos seus filhos. Antes, elas amavam mais a Sri Krisna
que aos próprios filhos, mas agora sentiam o mesmo amor por todos. A grande
visão de seus filhos lhes havia trazido a maior felicidade, que só chega com o
sentimento da presença do Ser bendito. E assim foi dito: “Que ninguém ame os
meninos só porque são meninos, mas porque o Ser divino está neles”. As mães
ignoravam que Krisna havia convertido seus filhos,
porém, no mais profundo de seus corações, sentiam a divindade dentro de cada um
deles. De fato, Krisna é a Alma de todas as almas, o
Ser de todos os seres, a qual todas as almas estão eternamente unidas. Na
realidade, é Sri Krisna quem se converteu em todos os
seres. Ele é verdadeiramente, todo o universo.
A jogada de Krisna
durou quase um ano, quando, um dia, veio Brahma visitá-lo. E qual foi sua
surpresa quando viu, ante ele, os meninos e o gado, que acreditava estarem
dormindo na caverna. Brahma refletiu em seu interior e prontamente teve a visão
de que todos os meninos e o gado eram Krisna. Olhou
ao redor e viu Krisna em cada forma do universo, em
todos os seres e todas as coisas. Então perdeu sua consciência e uniu-se a Krisna. Compreendeu que Krisna
estava jogando seu divino jogo na forma humana de Krisna
como homem. O viu como Deus e lhe ofereceu esta oração:
“Senhor, Tu é informe, infinito,
bendito,
Tu assumiste essa forma
Para trazer alegria aos corações de
teus devotos
E derramar tua misericórdia sobre
eles.
Tua forma é verdadeiramente puro
Sattva.
Bendito são aqueles
Que sem estar interessados por
filosofia nem doutrinas
Vivem e seguem tuas vivificantes
palavras
Porque puros como te encontram
Mais além do pensamento.
Oh Tu infinito,
És pessoal e impessoal.
Teu verdadeiro ser é
incompreensível
Porém és compreendido e realizado
Por aqueles que controlam seus
sentidos externos
E vivem
absortos em Tu na mais profunda contemplação.
Tu és bendito, inacessível, eterno.
Tu és a luz de todas as luzes,
Puro, absoluto.
Em teu interior te falam
Aqueles cuja visão é clara:
Livres da roda do nascimento e da
morte.
Igual como na obscuridade
confundimos uma cobra com uma serpente
Assim na ignorância identificamos
Brahman com o mundo.
Mas quando a luza dissipa a
obscuridade
E a corda é só uma corda,
Quando aponta o sol do conhecimento
O mundo fantasmagórico se
desvanece,
E Tu és revelado, o verdadeiro
Brahman.
Tu és Atman, o Ser divino;
Não Te busca o sábio fora, mas
dentro
Porque tu estás nos corações de
todos.
O conhecimento traz a liberdade,
Não o intelecto.
Os que se dedicam ao teu serviço
Te conhecem
através de tua graça.
Que possa ser eu o mais
insignificante dos teus devotos!
Que possa dedicar minha vida só a
teu serviço!
Bendito sejam os meninos e as
meninas
Porque eles te amam como a eles
mesmos,
A Ti, o eterno, infinito Brahman.
Eles te servem com toda a devoção
da alma
E gozam de Tu êxtase com todo o
ser.
Os Vedas ao falam de Ti;
Teus devotos Te contemplam.
Oh Krisna,
Tu és amigo do destituído,
Tu, sem nascimento, eterno;
Assumiu essa forma humana
Para o bem de todos,
Tudo isso é prova de tua celestial
bem-aventurança.
Assim, cantando os louvores de Krisna, Brahma devolveu os meninos e o gado. Depois
regressou ao paraíso e Krisna seguiu jogando com os
amigos.
Capítulo V –
Escravidão e Liberdade da Alma.
Sri Krishna:
O ser. Eternamente livre, parece
estar atado devido a sua associação com os Gunas. Os Gunas são resultados Maya,
mas na realidade, não existe nenhum cativeiro da alma.
Dor e ilusão, felicidade e miséria,
nascimento e morte da alma, tudo não é mais que os efeitos de Maya. Como um
sonho, e somente um sonho para uma mente desperta, assim é a experiência do
nascimento e da morte para uma alma eterna.
Meu Maya tem poder para atar e
libertar. Avidymaya causa, aparentemente, a
escravidão da alma. Avidymaya desvanece a ignorância
e então a alma, que é meu ser, conhece a liberdade.
Agora te falarei do Ser no homem e
da diferença entre uma alma livre e outra limitada.
Dois
pássaros de formosa plumagem dourada, iguais como duas gotas d’água e
inseparáveis companheiros, haviam construído seus ninhos livremente na mesma
árvore. Um, comia os frutos doces e amargos da árvore, enquanto o outro, que
não provava nenhum, se mantinha mais forte. O que não come os frutos, é verdadeiramente mais sábio e conhece o Ser, mas não é
assim com o que os come, pois associado à ignorância, permanece atado, enquanto
o outro, possuindo conhecimento, é eternamente livre.
O homem sábio, desperto de seu sono
de ignorância, embora vivendo em um corpo, sabe que está separado dele. O
ignorante, mesmo dormindo, se identifica com esse corpo.
Estas são, realmente, as fontes da
miséria: uma vaca que não dá leite; uma esposa infiel, fisicamente escrava de
outro; um filho perverso; a riqueza nas mãos do indigno; e as palavras que não
expressam a verdade de Deus.
Abandona por ele toda a vã palavra;
afasta-te do lodo da ilusão; encontra a paz fixando tua mente purificada em
mim, o onipotente Brahman. Se, todavia, és incapaz de manter tua mente fixa em
mim, trabalha sem nenhuma ligação, entregando os frutos de teu labor a mim.
Uddhava:
POR
FAVOR, diga-me oh Senhor, que qualidades em teus devotos e que devoções são as
que mais te agradam.
Sri Krishna:
Meu devoto é condescendente com
todos os seres. Não têm inimizades com ninguém. É paciente e sua única força é
a Verdade. Livre das impurezas, vê com olho eqüitativo. Seu coração não está
corrompido pelos desejos. É auto-controlado,
simpático, puro e livre da consciência do ego, sereno, moderado, mestre de sua
mente e, tendo a mim como refúgio, medita em mim firmemente. Imperturbável,
tranqüilo, contendo, com a natureza sob seu comando, busca a virtude para
todos.
Ilustrado como um sábio, pode levar a Verdade aos outros. É amigável e piedoso com
todos os seres. Distingue
o bem do mal e me entrega o frutos de suas ações.
Os que, conhecendo minha verdadeira
natureza, me adoram firmemente, são meus primeiros devotos.
Observa as formas e rituais, como
indicam as Escrituras, sem perder as visões de seu profundo espírito. Há votos
especiais e iniciações de acordo ao Vedic e outros
ritos escritos. Oferece-me aquele que é mais querido pra ti, o que tu tenhas
como mais coerente. Infinitos são os resultados de semelhante oferenda!
Não pregues tuas boas ações. Evita
o egotismo e evite a união com o homem de fama. Não utilizes a luz do
conhecimento para fins egoístas.
O sol, o fogo, os conhecedores da
Verdade, um devoto, o éter, o ar, a terra, o corpo e todas as criaturas, esses
são os objetos, os símbolos do que me adoram.
Adora-me no sol com os hinos de Vedic.
Adora-me no fogo com orações.
Adora-me nos conhecedores da
Verdade com hospitalidade e serviço.
Adora-me no devoto, recebendo-o com
cordialidade.
Adora-me com meditação, no
santuário do coração.
Adora-me no ar, vendo-o como
energia divina e na água, aceitando-a como símbolo da pureza divina.
Adora-me na Terra, repetindo o
sagrado Mantram, meu santo nome; adora-me em seu corpo, oferecendo-me comida e
bebida; e adora-me como o espírito que mora em todos os seres, com constância e
visão.
Em todas as moradas adora-me, em
minha benigna forma, teu ideal escolhido.
Oh Uddhava,
de todos os caminhos para mim, que seja no final, o dos sábios, o caminho do
amor é mais feliz!
Agora te revelarei o profundo
segredo deste caminho, porque tu és meu discípulo, meu companheiro e meu amigo.
Capítulo VI – A sociedade do santo.
Sri Krishna:
A distinção espiritual, os atos
virtuosos, os sacrifícios, o estudo, a austeridade, a repetição do sagrado
Mantram, a freqüência da visita a lugares de peregrinação, a reta conduta, tudo
isso são auxílios à sociedade dos santos, porque servindo aos santos e
associando-se com eles, se cortam em pedaços as raízes da ignorância e a
ligação. Muitos são os que alcançam a mais alta iluminação, não pelo estudo dos Vedas, nem
tampouco pelas práticas da austeridade, mas unicamente pelo amor e serviço aos
homens de Deus.
Por isso, oh Uddhava,
deixando as formalidades da religião, deves refugiar-te em mim de todo coração,
em mim, o Ser de todos os seres, assim vencendo o medo.
Uddhava:
Oh Tu, príncipe dos Yogues, embora
escutando tuas palavras atentamente, as dúvidas continuam a me molestar, e
sinto que minha mente não está firme.
Sri Krishna:
Oh Uddhava,
tudo neste universo existe em mim e é uma expressão de meu poder divino. Eu sou
o infinito, indiferenciável, imutável Senhor, Um sem
um segundo.
A
árvore da transmigração é antiga, crescendo sobre Brahman como sua alma. Suas
raízes são a sede da vida, os inumeráveis desejos. Os Gunas são os troncos, os
elementos toscos são seus ramos, os sentidos e a mente são suas folhas e
gravetos. Os objetos matérias são sua seiva, a felicidade e a miséria, seus
frutos. (Os urubus, as pessoas mundanas,
comem os frutos da miséria; os cisnes, as pessoas com discernimento, comem os
frutos da felicidade). Embora aparentemente sólido e eterno, a árvore é irreal
como um espelho e evanescente como um sonho. Na luz da única Verdade, o Ser
transcende, desaparece.
Por isso, firme e vigilante, com
seu facho de conhecimento afiliado com a associação ao sábio e o serviço ao
Guru, com a singela devoção do coração, deves talhar a árvore da transmigração,
conhecer o teu Ser como Brahman e alcançar a eterna liberdade.
Capítulo VIII
– Bhakti Yoga.
Uddhava:
Várias maneiras de se alcançar o mais alto bem, tem sido ensinadas por distintos mestres. Tu ensinas o caminho da devoção. São todos os caminhos igualmente bons?
Sri Krishna:
Revele tua sabedoria, em primeiro lugar, a Brahma, na forma dos Vedas. Brahma a ensinou a seu filho Manu, de quem os sete patriarcas e sábios, Bhrigu e os outros, a receberam. Deu os passos a seus filhos e discípulos que, sendo de distintos temperamentos e características, os entendeu de distintas maneiras. Assim, nasceram as distintas interpretações dos Vedas.
Muitos são os significados escritos pra o alcance do mais alto bem, como o amor, o cumprimento do dever, o autocontrole, a verdade, os sacrifícios, os presentes, a austeridade, a caridade, os votos e a observação dos preceitos morais. Poderia denominar mais, porém, de todos os denominados, verdadeiramente o amor é o mais alto. Amor e devoção fazem com que um homem esqueça de todos os demais. Amor que une amante comigo. Que inefável alegria encontra o homem através do amor por mim, o bem-aventurado Ser! O universo se enche de felicidade quando um só encontra prazer em mim. Nem a posição de Brahma, nem a da Índia, nem a dominação do mundo, nem o mistério do poder, nem sequer a salvação preocupam o devoto que se entregou a mim. Embora em ser mestre de seus sentidos, nunca é vencido por eles. Sua devoção a mim é sua particular graça de salvação.
Como o fogo queima as lascas convertendo-as em cinzas, assim, oh Uddhava, a devoção a mim destrói toda a maldade.
Nem pelo Yoga,a filosofia, as ações, o estudo, a austeridade, a renúncia, é fácil de alcançar. Só quem tem puro amor por mim, me encontra facilmente. Eu, o Ser, o querido do devoto, sou alcançado por meio do amor e da devoção.
O que me ama é puro; seu coração se funde de alegria. Ascende a consciência transcendental em sua mais alta e viva natureza emocional. As lágrimas de alegria brotam de seus olhos, seu cabelo se eriça. A felicidade nesse estado é tão intensa que se esquece de tudo e, as vezes, chora profusamente, ri, canta e dança. Esse devoto é uma influencia purificadora sobre todo o universo.
Como o ouro fundido no fogo deixa a
impureza e se faz puro, assim, toda a maldade de meu devoto desaparece pelo
poder do meu amor.
Aprende a amar a solidão e, sempre
alerta, pensa em mim sem cessar.
Uddhava:
Oh Krisna
dos olhos de Loto, ensina-me, por favor, a meditar.
Sri Krishna:
Sentado em
posição cômoda, com o corpo erguido, coloca suas mãos nos joelhos e dirige teus
olhos para a ponta do nariz. Pratica o Pranayama,
aspiração, retenção, expiração, para a purificação dos nervos. Depois,
concentra os sentidos e a mente com grande paciência e perseverança. Medita
sobre a palavra OM, recitando-a em teu interior como se fosse um contínuo
repicar de um sino. Deves praticar Pranayama, unido a
OM, dez vezes ao dia e obterás o controle do Prana.
Imagina um loto dentro de teu
coração, com as pétalas apontando para baixo e, correndo por ele, o Sushumna. Agora pensa que todas as pétalas apontam para
cima e que a flor está completa. Vê, no coração da flor, o Sol, a Lua, o fogo,
um dentro do outro. Depois, trata de ver dentro do fogo a benigna forma de teu Ishtam. Medita sobre ele como a Causa Suprema do universo
e, por ultimo, sobre a unidade do Ser com Deus, a única existência.
Com a mente, o homem só pode ver a
mim nele. Tudo é luz.
Capítulo XI –
Castas e ordens da vida.
Uddhava:
Oh Krisna, fales da devoção a Deus, mas dize-me como se pode faze-lo, atendendo aos deveres diários da vida. E quais são os deveres das classes e das ordens da vida.
Sri Krishna:
No princípio, na idade do ouro, os
homens só tinham uma casta, a Hamsa. Todos estavam
dotados do mesmo conhecimento e nasceram conhecendo a Verdade. Por isso, a
idade foi chamada de Krita, que quer dizer
“Alcançada”.
Naqueles tempos, OM era a Veda e o
dever, nos aspectos de austeridade, eram a pureza, a caridade e a veracidade.
Os puros se entregavam a contemplação divina. Era para eles um prazer meditar
constantemente em mim, o puro o absoluto.
Depois, com a idade da prata,
chegou a divisão dos homens nas classes, uns
perseguiam o conhecimento e outros, o dever.
Da boca da minha forma universal
original; o Brhamin de meus braços, o Kshatriya; de minhas coxas e pés, respectivamente, o Vaisya e o Sudra. Estavam
diferenciados pelos seus distintos temperamentos e por seus deveres
especializados.
A família procedia de minhas coxas,
a vida do estudante de meu coração, a vida de retiro e meu peito e a vida de
monge, de minha cabeça.
Autocontrole, meditação, pureza,
alegria, paciência, honra, compaixão, veracidade, devoção, essas são
características de um Brahmin.
Força,
paciência, valor fortaleza, generosidade, iniciativa, firmeza, direção, devoção
aos Brhamins, estas qualidades pertencem ao espírito
indômito de um Kshatriya.
Fé, caridade, serviço e também o
desejo de riqueza, são as características de um Vaisya.
Serviço, humildade, obediência e
também o desejo de seguir os passos dos grandes, são as virtudes de um Sudra.
Sujidade, falsidade, roubo,
ateísmo, vã argumentação, incontinência, cólera e cobiça, são os indesejáveis
traços que caracterizam a quinta classe, muito longe da luz das outras quatro.
Não prejudicar os outros seres, amar com veracidade
e castidade, detestar o furto, a cólera e a cobiça, e o esforço pelo serviço a
todos os seres, são deveres universais de todas as
castas.
A um homem de chama Dvija, o nascido duas vezes, quando, durante a cerimônia do
linho sagrado, recebe seu nascimento de cima, o segundo nascimento.
Então dá começo a vida do
estudante, na que se vive em cerrada associação com um mestre competente.
Pratica-se o autocontrole e se inicia o estudo dos Vedas. Se,
involuntariamente, se faz impuro, deverá banhar-se e depois de praticar o Pranayama, repetir o Gayatri. A
cada manhã e ao entardecer, depois de fazer sua higiene, deve silenciosamente
recitar o Gayatrimantra, meditando sobre seu
significado. Deve aprender a oferecer o culto de seu coração ao divino Ser e
ver o único Deus morando em tudo.
Dever ver seu guru como Deus,
porque verdadeiramente o Guru é a encarnação divina. Deve servi-lo e atende-lo.
O banho deve ser praticado
regularmente, pela manhã, meio-dia e ao entardecer, assim como a oração e a
meditação. A honra, a freqüente visita a lugares santos, o controle da mente,
da palavra e do corpo, são observações universais para todas as ordens da vida.
Uma vez completada a vida do
estudante, este pode escolher entre a vida familiar, a vida de ermitão ou a vida
de monge.
Aquele que deseja seguir o primeiro
caminho, deverá casar-se com uma moça pura, que deve
ser mais jovem do que ele. Sempre recordar que o bem ideal não é o prazer sem o
Conhecimento. Como os viajantes que se conhecem casualmente pelo caminho, assim
o homem encontra a esposa, parentes e amigos.
Havendo rejeitado a vida de chefe
de família, deve entrar na vida de ermitão, na vida de retiro, que é a
preparação para a vida de renúncia. Para o homem, não obstante, renunciar ao
mundo de Devas oferece muitas dificuldades e pode pensar que o esforço que
realizar por supera-los e alcançar Brahman, não vai
dar resultado.
O que consegue alcançar o controle
de Prana, tem autocontrole,
mas não é isso que faz o monge.
O sábio, embora o seja, é como um
menino. Embora sutil, erudito e versado nas
Escrituras, vaga como quem não conhece nada.
O sábio olha o corpo como um
instrumento, através do qual, meditando na Verdade, pode ser livre.
A religião não está no hábito do
monge, nem tampouco nas formas externas. Deve buscar mais alem de tudo isto.
O serviço do mestre é o dever do
estudante; a proteção a todas as criaturas e o sacrifício a Deus, são os
deveres dos chefes de família; os de um ermitão, são a
prática de austeridades e o discernimento. E os do monge, é o autocontrole e
não causar dano a nada.
A prática da continência, exceto
para o propósito da procriação, a realização das obrigações regulares da vida,
pureza, alegria e carinho aos animais, são também os deveres de um chefe de
família.
O dever de todos é adorar-me. Todos
os deveres, quando são acompanhados pela devoção a mim, conduzem ao fim supremo
e a liberdade eterna.
Capítulo XIV –
Autocontrole.
Sri Krishna:
Aqueles que não seguem o caminho
dos Yogas do amor, conhecimento ou trabalho e seguem o caminho mundano,
buscando satisfazer seus desejos egoístas através dos desejos desassossegados,
verdadeiramente pisam no círculo do nascimento e da morte.
Deve-se ser puro de coração para
entrar na vida espiritual e seguir os Yogas. Para eles, se deve observar
limpeza, praticar austeridades, ser compassivo para com todos os seres e
cumprir os deveres da vida. O trabalho se faz consagrado e purificante quando é
realizado como um serviço a mim.
Evita os prazeres mundanos para que
assim possas te libertar da rede dos sentidos. Esta é a justa conduta que
conduz ao mais alto bem e liberta o homem da dor, dos caprichos do medo.
Dando valor aos objetos tangíveis,
o homem se sente atraído para eles; a atração traz o desejo e o desejo conduz a
competição e a disputa entre os homens. Estas despertam a violência e a cólera,
e o resultado é o engano. O engano vence completamente o sentido do homem de
bem e mal.
Oh nobre alma, quando o homem perde
o sentido de bem e de mal, vive em vão, adentrando em densa obscuridade,
equivoca o propósito da vida e se converte em um autômato.
Capítulo XV –
A imortalidade da alma.
Uddhava:
Várias são as doutrinas de Deus, da
alma, do universo, propostas pelos sábios. Por favor, diga-me porque a Verdade
é expressa de distintas maneiras.
Sri Krishna:
A Verdade tem muitos aspectos. A Verdade
Infinita tem infinitas expressões. Embora os sábios falem de diversas maneiras,
expressam uma idêntica Verdade.
Ignorante é o que diz: “O que eu
digo e conheço é a verdade, os outros estão equivocados”. É devido a esta
atitude há dúvidas e equívocos sobre Deus. Esta atitude é a causa de discussões
entre os homens, porém todas as dúvidas desaparecem quando se obtém auto-controle e se alcança a paz,
Infundada é a discussão sobre se
Atman existe ou não. A dúvida é ignorância. O Atman é o Ser que mora no homem,
a realidade nele.
No momento da morte, a soma de
todas as experiências da vida na Terra aflora à mente, porque nela estão
gravadas todas as impressões das ações passadas e o moribundo fica absorto
nessas experiências. Depois perde a memória e brota a visão da próxima vida,
ajustada às impressões de suas ações passadas. Este completo esquecimento de
seu passado, é a morte.
A completa aceitação do outro
estado e identificação com o novo corpo é o nascimento. O homem já não recorda
de sua vida anterior e embora tenha existido antes, considera a si mesmo como
um novo ser.
Como a chama de uma lâmpada ou a
corrente de um rio, os corpos das criaturas, com o imperceptível passo do
tempo, estão em constante movimento. Continuamente nascem e morrem. É a chama
da lâmpada a mesma de antes? É a corrente de água a mesma sempre? E o homem,
identificado com seu corpo, o mesmo homem hoje que ontem?
Verdadeiramente não existe
nascimento nem morte para o homem real; é imortal. Tudo o mais é ilusão.
Concepção, estado embrionário,
nascimento, infância, adolescência, juventude, maturidade e morte, são os
distintos estados do corpo, mas não afetam o homem real. O homem, a causa de
sua ligação aos Gunas, se identifica, com ignorância, com esses desejáveis e
indesejáveis estados, que pertencem ao corpo, mas não ao Ser. Uns poucos,
contudo, os sábios, alcançam conhecimento e renunciando com esta identificação,
falam da vida eterna.
O Atman é a eterna testemunha,
separada do corpo. É como ele que observa uma planta e a vê crescer de uma
semente, transforma-se, maturar e morrer.
O próximo nascimento do homem está regulado pelas suas ações da vida
presente, das ações que conformam seu caráter. Se ele está dominado por Sattva,
volta a Terra como um Deva ou sábio; se por Rajas, volta como um Asura ou homem; e se por Tamas, nasce dos mais baixos
sinais.
Verdadeiramente, nascimento e morte
e todas as experiências da vida, são para o Atman experiências de um longo
sono. As misérias, embora pertencentes ao mundo dos sonhos, são verdadeiramente
dolorosas e não desaparecem até que desejamos dormir. Tampouco o sonho da vida
chega a seu fim para aqueles cujos pensamentos estão absorvidos pelas
transitórias e sensuais coisas.
Por isso, oh Uddhava,
controla os sentidos que te escapam. Reprime-te. Aprenda a meditar sobre Atman,
e quando estiver uno com Deus, este sonho cessará.
Se o que desejas é o mais alto bem,
deves ter equilíbrio. Mantenha tua equanimidade inclusive nos horrendos
extremos. Não deixes que tua paz seja perturbada, mesmo se fores ridicularizado
ou caluniado pelos outros. Não devolvas ódio por ódio, nem dano por dano.
Desejando teu mais alto bem, deves lutar pela libertação da maldade e da
ignorância.
Uddhava:
Oh Tu Atma
do universo, é verdadeiramente difícil manter o equilíbrio e paz no interior,
quando se é ridicularizado, insultado ou caluniado. Oh, amavelmente, ensina-me
a ter forças para seguir o caminho.
Capítulo XIX –
A alma livre
Enquanto a luz do conhecimento brilha mais e mais, o homem se liberta da idéia da individualidade, do ego. Embora viva entre os Gunas do mundo objetivo, que é um só aspecto de Maya, não está ligado aos objetos, nem aos sentidos. A liberdade absoluta é sua. Seu coração está sempre unido a mim.
Só fala de mim e o que o escuta, se faz puro. O que pode derrubar aquele que me ama, sendo eu o armazém de todas as qualidades benditas?
Tal homem é como um fogo luminoso que apaga a tenebrosidade e a obscuridade, queimando as impurezas dos que estão perto dele.
Como a comida sustenta a vida, eu, a Alma de todas as almas, sou o refúgio dos aflitos e como a virtude é o tesouro no mundo vindouro, assim uma alma livre é o refúgio daqueles que buscar livrar-se do nascimento e da morte.
O sol
ilumina a terra e o céu, porém o santo, lenha do fogo da sabedoria, ilumina o
coração. Ele é o verdadeiro amigo do homem. Ele é o Atman. Ele é o mesmo Ser.
EPÍLOGO
O Suta concluiu seu relato do Bhagavatam aos sábios do bosque com as seguintes palavras:
“Sempre frescos e inspirados são os ensinamentos do sagrado Bhagavatam. Elevada á a meditação na divina vida de Sri Krisna, faz desaparecer as penas da vida e conduz o homem em direção a compreensão do Deus do Amor. Recitar seu nome é santificante. A constante recordação dos Pés de Loto de Sri Krisna purifica o coração, afasta o mal e nos alimenta de verdadeiro amor e suprema sabedoria”.
“Oh vós santos, os melhores e mais nobres homens, porque nos santuários de vossos corações meditais e adorais o que é a Alma de todas as almas”.
“Tendo chegado a esta sagrada ermita e vossa santa sociedade, recordaram a verdade de Deus que vem diretamente dos lábios de Suka, na assembléia dos santos ante o rei Pariksit.
“No princípio dos tempos, as verdades aqui
contidas foram reveladas a Brahma, o primeiro nascido. Brahma sustentou a
lâmpada do conhecimento ante Narada e Vyasa. Vyasa acendeu o fogo da
Verdade no coração de seu filho Suka, o grande Yogui.
Suka levou a sagrada luz para o rei Pariksit”.
“Que
possamos meditar em Brahman, puro, sem culpa, imortal, a fonte de toda
revelação!
“Nossa
obediência a Sri Krisna, o Deus do Amor!
“Nossas
saudações a Suka, o príncipe dos Yoguis!”.
OM ... Sri Ramakrisnarpanam astu.
OM ... PAZ. PAZ.
PAZ.
O Srimad Bhagavatam é a exposição mais completa e autorizada do conhecimento védico. Junto com o Bhagavad Gita, constitui a pedra angular de todas as religiões e seitas religiosas hindus de tendência Bakti (devocional). Centrando-se no objeto de adoração na personalidade divina de Krishna, aceito como Mestre Perfeito; uma encarnação sobre a Terra desse poder onipresente e onisciente. Esse poder que os ocidentais chamam de Deus.
Na presente edição, oferecemos um
compêndio fundamental de doze capítulos de que consta esta gigantesca obra,
obra que – por sua extensão – seria de interesse exclusivo para eruditos.